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Car Culture

Como Brian Wilson e os Beach Boys colocaram hot rods e muscle cars no rock – para sempre

Brian Wilson, infelizmente, não é um nome muito reconhecido fora do círculo musical. Apesar de ter sido o maior “rival” dos Beatles no auge dos anos 1960, o contexto no qual Brian Wilson e os Beach Boys estavam envolvidos era muito diferente dos quatro rapazes de Liverpool. Mas os Beach Boys, sempre liderados por Brian Wilson, escreveram um capítulo importante na história da música popular e mudaram para sempre a cultura musical e automobilística.

Antes de explicar a parte motorizada dessa história, permitam-me trazer uma breve contextualização sobre Brian Wilson e os Beach Boys. Brian e seus irmãos Carl e Dennis eram filhos de um produtor musical que havia conseguido um relativo sucesso como compositor nos anos 1940. Por isso, eles cresceram cercados por instrumentos musicais e se tornaram adolescentes justamente quando a adolescência foi “inventada”, a segunda metade dos anos 1950.

A Califórnia nos anos 1950

O rhythym ‘n’ rlues acelerou e virou rock, os veteranos da guerra agora faziam hot rods, e os roadsters ingleses e suas cópias americanas aceleravam em circuitos por todos os EUA. Além disso, na Califórnia o surfe era o esporte do momento — um momento em que a classe média tinha mais tempo e dinheiro do que nunca.

Nesse cenário os irmãos Wilson juntaram-se ao seu primo Mike Love e ao seu vizinho David Marks e formaram uma banda para cantar sobre os sonhos adolescentes da época — Brian era o mais velho deles, com apenas 17 anos. As músicas tratavam de romances juvenis e, claro, surfe — ainda que o único surfista dos irmão fosse o caçula Dennis.

Beach Boys em 1961

Em 1961 a banda compôs e gravou a música “Surfin'”, que combinava o rock da época às melodias vocais do rhythm and blues com uma letra inocente sobre curtir o surfe na Califórnia, onde eles viviam. Era o nascimento do que ficaria conhecido como “California Sound” e também da cultura californiana de surfe, música e verões intermináveis.

Brian Wilson, contudo, não estava satisfeito. Ele amava música e tinha um talento raro como compositor, mas seu empresário (que, não por acaso, era seu pai) insistia na temática dos jovens surfistas. Mas ele nunca foi surfista. Para ele, o surfe era uma metáfora sonora, uma estética que ele podia capturar com suas harmonias vocais e guitarras aceleradas. Era o pano de fundo perfeito para cantar sobre juventude, diversão e a Califórnia idealizada.

Porém, logo após os primeiros hits, Brian percebeu que não havia profundidade suficiente no surfe para sustentar uma obra duradoura. A temática era limitada e, para um compositor que pensava em termos de álbum, não apenas de single, isso era um problema. Os adolescentes estavam amadurecendo como ele. Não dava para prometer um verão sem fim para sempre.

Buscando outros temas, Brian deu de cara com os hot rods. Era o que ele precisava. Os carros também eram uma febre entre os jovens americanos — havia os hot rods, mas também os esportivos, que ficavam cada vez mais potentes e, logo, dariam origem ao muscle car. Além disso, Brian dirigia e gostava de carros. Era algo mais familiar a ele e a todo o público que vivia longe da costa oeste dos EUA. Os carros estavam no meio-oeste e nas grandes cidades da costa leste como Nova York. Brian e seu parceiro de composição Gary Usher escreveram “409”, uma música sobre o motor big block Chevrolet de 409ci, que havia acabado de ser lançado como opção mais potente para a linha Chevrolet.

Sim, era uma música inspirada por um motor — um carro com aquele motor, na verdade. A letra, em primeira pessoa, cantava que depois de guardar “tostões e trocados”, ele finalmente conseguiu comprar seu 409, um carro “legal de verdade” que “brilha na pista” e “faz os tempos mais rápidos”, por que ele tem “câmbio de quatro marchas”, “dois carburadores quádruplos” e diferencial “positraction”. É sério: ele canta “my four speed, dual quad, positraction 409”.

O sucesso da canção deixou claro para Brian Wilson que músicas sobre carros poderiam fazer tanto sucesso quanto as músicas de surfe. Brian só precisava de alguém para ajudá-lo com os termos técnicos e gírias. Afinal, ele não queria fazer papel de bobo, cantando coisas sem sentido — ou que não eram legais de verdade. Gary Usher então apresentou Brian Wilson a Roger Christian, que era DJ em uma rádio especializada em rock e r&b, mas também era letrista freelancer e, o melhor de tudo, era um hot rodder. Christian era a peça de transição entre os dois mundos que Brian Wilson queria conectar.

Roger Christian no detalhe

A primeira música composta pela dupla foi “Shut Down”, de 1963. Ela narra um racha entre um Corvette Sting Ray e um Dodge 413 em um trecho reto da estrada, no qual o Dodge saiu na frente porque o Stingray é leve e tem menos tração, mas faz uma corrida de recuperação, trocando as marchas sem aliviar (power shifting), patinando embreagem para controlar a tração (algo que “está fritando o platô, por causa do torque”), e enquanto os “quads” bebem, a vantagem do Dodge começa a diminuir. Os carros são tecnicamente descritos: o Dodge tem “ram induction”, mas “tudo bem, por que o Corvette é injetado”.

A letra não só descreveu a tensão de uma arrancada, como também deu legitimidade à música junto ao público entusiasta — os Beach Boys não estavam meramente pegando carona em uma moda, eles sabiam o que estavam cantando e admiravam aquilo. Wilson e Christian escreveriam outras seis músicas sobre o mesmo tema naquele ano para o primeiro disco dos Beach Boys com a temática automobilística: Little Deuce Coupe.

A capa do álbum

O disco tinha também duas músicas escritas por Wilson e seu primo Mike Love e uma reedição de 409, além de um cover e uma música boboca sobre “ser fiel à escola”.

A mais famosa delas é “Little Deuce Coupe”, uma música sobre um hot rod baseado no Ford 32 (o Deuce Coupe) que tinha, segundo a letra, “embreagem de competição e câmbio de quatro marchas no assoalho” (she’s got a competition clutch with the four on the floor).

O Little Deuce Coupe

Depois havia “Car Crazy Cutie”, sobre uma garota que adora carros, “Our Car Club”, que era uma referência aos clubes de entusiastas, cada vez mais comuns no sul da Califórnia, na época, e “Spirit of America”, sobre o carro a jato de Craig Breedlove, que quebrou o recorde de velocidade sobre terra. Todo o disco, exceto aquelas duas músicas já mencionadas, era dedicado aos carros e à cultura automobilística da época.

O Deuce Coupe na capa da Hot Rod – eles cantavam sobre o que era legal de verdade na época

No ano seguinte, 1964, eles lançariam “Shut Down Vol. 2”, o segundo disco a abordar a temática automobilística, mas agora combinando com o velho sonho californiano do verão interminável. O disco também teve grandes hits como “Fun, Fun, Fun”, que fala sobre uma garota que pega o Thunderbird do pai para curtir a noite, “I Get Around”, que fala sobre a curtição a bordo dos carros, “Don’t Worry Baby”, sobre um rachador que pede à namorada que não se preocupe porque ele é bom de braço.

Saem as pranchas, entram um Corvette e um GTO

A fase automobilística de Brian Wilson, contudo, não dura muito. Em 1965 ele ouve Rubber Soul, dos Beatles, e percebe que o quarteto inglês estava não apenas amadurecendo no tema das composições, mas também nas harmonias e experimentações de estúdio. Brian, que era muito mais um músico do que um showman, decide que os Beach Boys precisam se descolar dos temas adolescentes. Ele, que já não gostava de viajar pelo país, deixa de excursionar com a banda para se dedicar à composição e à produção dos discos seguintes. O resultado foi Pet Sounds, um dos maiores e melhores discos da história do rock, que revolucionou a música popular ao criar arranjos jamais ouvidos até então, resultantes da obsessão criativa de Brian Wilson.

Os Beatles ficaram impressionados com o disco. Inspirados pelo experimentalismo, lançaram “Revolver”, que deu início à sua fase experimental e psicodélica. Brian Wilson, por sua vez, tentou fazer algo ainda mais revolucionário e gravou “Good Vibrations”, uma música pop que tem um… teremim!

Os Beatles então fizeram “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, considerado a obra-prima da banda e o maior disco pop de todos os tempos. Wilson planejava sua “resposta” com o álbum Smile, mas àquela altura o resto da banda e seu empresário acharam que ele estava enlouquecendo, e cancelaram o projeto. Brian entrou em uma fase de abuso de drogas que resultou em um período de reclusão nos anos 1970 e uma crise depressiva que culminaria em sua tutela por um médico picareta.

O Corvette e o Mustang juntos

Curiosamente, foi quando os Beach Boys abandonaram o tema automobilístico que Brian Wilson colocou em sua garagem os carros mais legais de sua vida. Em 1966 ele comprou um Corvette Stingray conversível e um Mustang 302 conversível. No ano seguinte, veio um Porsche 911S e, em 1968, uma Ferrari 275 GTB — que acabou destruída pelos membros da seita de Charles Manson, com quem Dennis Wilson se envolveu antes de perceber que eram um bando de malucos drogados que acabariam fazendo besteira e deu no pé.

Wilson e seu 911S

Ironicamente, os carros também salvaram Brian Wilson indiretamente. Nos anos 1980, Wilson era tutelado pelo Dr. Eugene Landy, um psicólogo picareta que o mantinha dopado e isolado da família como parte de seu tratamento de desintoxicação. Landy, claro, estava de olho na grana de Wilson — ele cobrava quase US$ 500.000 anuais pelo tratamento e controlava Wilson 24 horas por dia.

Certo dia, ao visitar uma concessionária Cadillac para comprar um carro novo, ele conheceu a vendedora Melinda Ledbetter. O Dr. Landy boicotou as tentativas de Wilson em estabelecer um relacionamento com Melinda, que logo percebeu as reais intenções do psicólogo. Melinda convenceu a família das más-intenções do Dr. Landy, o que levou à sua demissão e à recuperação de Brian Wilson. Eles se casaram em 1991 e viveram juntos até a morte de Melinda, em 2024.

Brian, Melinda e seu Cadillac XLR

Brian Wilson nos deixou nesta quarta-feira, 11 de junho de 2025. A família não divulgou a causa da morte. Apesar de não ter sido um surfista nem um entusiasta, sua paixão pela música e seu talento inigualável para transformar a realidade em melodias marcantes, transformaram para sempre a música, o surf, os carros, a cultura pop e a cultura automobilística.