Para onde os carros vão quando “morrem”? A maioria deles vai para ferros-velhos, onde acabam se tornando doadores de peças para aqueles que ainda rodam. Alguns deles têm mais sorte e acabam sendo resgatados, mas a maioria deles está fadada a se tornar metal reciclado.
No entanto, no coração do País de Gales, em uma mina de metal abandonada, jazem cerca de 100 automóveis, a maioria deles dos anos 70, fadados a passar o resto de seus dias apodrecendo na escuridão. É a “Caverna das Almas Perdidas”, também conhecida como o “Cemitério de Carros do País de Gales”. É uma visão inacreditável – um cenário pós-apocalíptico que te faz viajar para séculos no futuro e imaginar os últimos sobreviventes da espécie humana se escondendo no meio do metal retorcido, como uma lembrança triste de dias melhores.
Mas como eles foram parar lá? Qual é a história deste lugar? É o que vamos ver agora.
O País de Gales, localizado no oeste da ilha da Grã-Bretanha, foi um dos expoentes da mineração mundial no período entre o fim do século 18 e o início do Século 19. Dito isto, arqueólogos já encontraram vestígios de mineração que datam da Era do Bronze (entre 3000 e 1200 a.C), atravessam a Idade Média e vão até o início do século 20. Ou seja: a humanidade explorou minérios na região do País de Gales desde que a mineração surgiu até seu declínio.
Sendo assim, é surpreendente que um ferro-velho subterrâneo com mais de 100 carros só tenha sido encontrado em fevereiro 2016. Pois é: aparentemente não se sabia da existência da Caverna das Almas Perdidas até pouquíssimo tempo atrás. E por isto mesmo sua história é cercada mistério.
Sabe-se que nas primeiras décadas do século 19 a região de Ceredigion, no litoral oeste do País de Gales, foi um grande pólo da mineração de ardósia – mineral de cor cinza-esverdeado que, sendo naturalmente formado por placas finas, é muito usado em telhados e pisos. No início a ardósia era extraída manualmente e em pequenas quantidades por grupos de mineradores, mas por volta de 1830 teve início a mecanização do processo, que em pouco tempo tornou o País de Gales um dos maiores fornecedores de ardósia e metais não-ferrosos do planeta.
Envenenamentos por chumbo e acidentes de trabalho, porém, começaram a tornar alarmante a taxa de mortalidade dos trabalhadores das minas. Os que não morriam se queixavam das condições duríssimas de trabalho, e por volta de 1880 a indústria da mineração começou a entrar em declínio. A Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial levaram a um fechamento das minas que restaram, e as últimas encerraram suas atividades na década de 70.
“Certo, e o que isto tem a ver com os carros?” Pois bem. O Cemitério dos Carros do País de Gales foi encontrado por um rapaz chamado Gregory Rivolet, morador de Paris, na França. Seu emprego principal é comum: ele trabalha com Tecnologia da Informação – é o “cara da TI”. No seu tempo livre, porém, Rivolet é um adepto da exploração urbana, ou urbex (uma contração de urban exploration).
Em vez de explorar paisagens naturais, os exploradores urbanos se aventuram por estruturas feitas pelo homem – fábricas desativadas, casarões antigos, cidades-fantasmas, depósitos e… minas abandonadas. É um hobby bastante difundido nos EUA e na Europa, e geralmente envolve levar uma câmera para fotografar e filmar as descobertas. A ideia é ver de perto o impacto que a humanidade provoca na natureza, sem tirar ou modificar nada na localidade explorada – apenas mostrar ao mundo. Por isso, raramente a localização dos lugares explorados é divulgada… a não ser que você também seja um explorador urbano e se comprometa a levar a sério esta confidencialidade.
Sendo assim, mesmo tendo falado com veículos de imprensa britânicos, como Daily Mail e o The Telegraph, Rivolet não contou onde a mina fica – continua sendo um mistério. Dito isto, outros exploradores urbanos já se aventuraram pelo local. O resultado é uma coletânea de imagens tão assombrosas quanto belas – um cenário de ficção científica.
Já no lado de fora da mina há alguns carros acidentados, abandonados há muito tempo e tomados pela vegetação. A fenda que dá acesso à caverna pode passar despercebida para quem não está procurando por ela, e é responsável pela pouca luz que entra no local. Um túnel alagado separa a superfície da enorme caverna, mas só é possível acessar a base da caverna usando um bote inflável. A montanha de carros está localizada a cerca de 60 metros da superfície.
Os carros empilhados no grande salão submerso são, em sua maioria, da década de 1970, mas há alguns exemplares mais antigos. Alguns deles estão mergulhados debaixo d’água, dividindo espaço com outros tipos de entulho – eletrodomésticos como TVs e geladeiras, móveis e outros itens domésticos.
Não adianta procurar na internet a história dos carros abandonados do País de Gales – afinal, até pouco tempo atrás sua existência sequer era conhecida. Rivolet acredita que os primeiros carros a ir parar na caverna se acidentaram nos arredores e caíram pela encosta, indo parar no fundo da caverna – as estradas na região são bastante sinuosas e represenatam um grande risco, especialmente quando chove.
Dito isto, pelo fato de serem mais de 100 carros, outros exploradores acreditam que as autoridades locais e a própria população tenham usado a mina abandonada como depósito de ferro-velho por alguns anos. O difícil acesso ao local teria encorajado tais atos.
Então, em algum momento, ficou claro que não era uma boa ideia jogar carros batidos em uma mina abandonada, e desde então o local passou a ser ignorado até que todos se esquecessem – ninguém se dispôs a gastar dinheiro e tempo e nem a se colocar em risco para tirar os automóveis dali.
A verdade a respeito da Caverna das Almas Perdidas continua, portanto, escondida como os próprios carros que a habitam. O que temos são estas imagens tão tristes quanto incríveis.