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Pensatas

Como evitar brigas de trânsito – mesmo com quem está disposto a brigar

Quando se fala em prevenção de acidentes normalmente se trata da velocidade, consumo de álcool, desatenção e imprudência. Faz sentido, se considerarmos que são as maiores causas de acidentes e mortes no trânsito. Mas há uma outro elemento pouco comentado e muito menos combatido: a “fúria sobre rodas”.

Você sabe do que estou falando: é o que os americanos e ingleses chamam de “road rage” (na falta de tradução melhor, vamos com “fúria sobre rodas”). São os motoristas agressivos, impacientes, prontos para uma discussão ou para “dar uma lição” no mundo, sempre agindo por impulso. De vez em quando, eles até matam pessoas — e isso não é uma ironia, como tragicamente vimos acontecer com certa frequência. Para muitos, a paciência vem com a maturidade. Para outros tantos ela nunca chega.

Felizmente isso é apenas uma questão de postura e conscientização. Se um bom motorista precisa de habilidade para dirigir de forma segura em todas as situações, saber lidar com a “fúria sobre rodas” é uma habilidade indispensável, porque ela está pronta para cruzar seu caminho o tempo todo. E eu não estou falando apenas de lidar com a fúria sobre rodas dos outros, mas também com a sua própria irritação ao volante.

Sabe aquele conselho de pai/mãe sobre tomar decisões de cabeça quente? Ele se aplica ao trânsito. Dirigir é tomar decisões o tempo todo, e seu estado de espírito influencia nas decisões. Por isso, se você estiver irritado por qualquer razão, o melhor a fazer é tomar um copo d’água ou um café e pensar se você precisa realmente sair de carro naquele momento, porque as chances de você fazer besteira são grandes.

Clássico da road rage brasileira

São grandes porque a raiva é um mecanismo de defesa humano que afeta nossos sentidos e altera temporariamente o funcionamento do organismo: nosso campo visual é reduzido, nossa respiração acelera, o fluxo sanguíneo aumenta nos braços e diminui nas pernas porque precisamos lutar e não correr — daí a tremedeira nas pernas sob irritação. Para sobreviver a um ataque essas condições foram fundamentais em um passado remoto, mas só porque não dirigíamos. Ao volante você reage com a sutileza de um elefante e não consegue observar o panorama do trânsito.

Se você não precisa realmente sair de carro, não saia. Fique sentado pensando na vida, observando pássaros ou admirando a paisagem. Se você precisa sair, o jeito é tentar isolar sua irritação descobrindo sua origem. Normalmente a irritação é uma reação à frustração: você tem um objetivo, uma intenção, e é impedido de conseguir este objetivo, de realizar esta intenção.

Às vezes é fácil identificar: a internet caiu e o suporte técnico não resolve, a irritação está em não conseguir usar a internet. Às vezes a coisa é mais subjetiva e tem a ver com suas aspirações e com as condições do seu cotidiano. Em ambos os casos identificar a causa te ajuda a recuperar o controle, porque você direciona seu foco para a solução em vez de se irrita com coisas que não têm relação com a origem da raiva (pois não sabe qual é).

O mesmo vale para quando você está atrasado: o pior a fazer é tentar minimizar o atraso ou insistir na possibilidade de reverter o atraso: você se deixará dominar pela ideia de que pode resolver algo que não tem solução — nesse caso o atraso, pois ele já aconteceu, e como toda ação passada, não tem conserto.

Você irá idealizar um cenário no qual “tirar o atraso” só depende de você, e ficará irritado com semáforos fechados, com pedestres querendo atravessar na sua frente, com o motorista que cede a passagem ao ônibus, porque, na sua idealização, eles estão atrapalhando o seu objetivo — ainda que ele seja irreal e inviável. Daí surge o comportamento agressivo.

Mas este é o lado fácil da história. Controlar a si mesmo para evitar a “road rage” é algo que depende apenas de nós mesmos. O lado difícil é quando o outro cara está puto. Quando o motorista furioso é o desconhecido no outro carro.

É difícil porque não dá para controlar as ações do sujeito, mas se você considerar que reações são manifestações estimuladas, verá que podemos controlar as reações dos outros motoristas.

Talvez isso tenha soado confuso, mas o exemplo deixará tudo claro. Imagine a seguinte situação: você está dirigindo a 60 km/h em uma estrada vicinal com limite de 60 km/h, pista simples, faixa dupla contínua, quando um motorista se aproxima rapidamente e cola na sua traseira, louco para ultrapassar.

Você pode: 1)”dar um toque no freio para ele deixar de ser babaca”, o que os americanos chamam de “brake check”; 2) ignorá-lo e seguir como se ele não estivesse lá; 3) ligar a seta para a direita e aliviar o acelerador para ele te ultrapassar. Qual seria a reação deste motorista afoito diante das opções 1 e 2? E qual seria a reação dele diante da situação 3? Qual delas tem maior chance de terminar mal?

O mesmo vale quando se está sendo ultrapassado: jamais acelere ou dificulte a ultrapassagem, ainda que a ultrapassagem esteja sendo feita em local proibido. Dificultar a ultrapassagem é um ato hostil, que impede uma pessoa de conseguir seu objetivo — ou seja: provoca a irritação.

E como a irritação é um mecanismo de defesa, você estará atacando uma pessoa em modo de defesa. A reação tende a ser igualmente hostil — uma fechada ou, na pior das hipóteses, uma pequena batida lateral. Aí o motorista que dificultou a ultrapassagem se sentirá atacado, irá ficar irritado e o risco de tudo terminar mal aumenta exponencialmente.

Estes são dois exemplos mais comuns: dificultar ultrapassagem, fazer “brake check”, mas você pode incluir na lista buzinar para pedestres, não dar passagem quando solicitado, furar o “zíper” nos gargalos de congestionamentos, colocar metade do carro no acostamento para impedir os malandros que furam fila. Tudo isso gera conflitos desnecessários no trânsito e não resolvem seu problema.

Eu entendo que, há um senso de injustiça envolvido — aquela sensação de ser feito de trouxa pelos malandros que você sente quando é passado para trás pelos malandros do acostamento ou pelo sujeito que decidiu ultrapassar em local proibido enquanto você dirige devagar atrás do caminhão porque é prudente. Mas em primeiro lugar você não tem a premissa legal de julgar ou punir um motorista infrator.

Depois, se você tem meios para evitar acidentes — e você tem porque sabe como agir com prudência — é seu dever moral evitá-los. Esqueça os discursos nocivos de “culpabilização da vítima” ou de transferência de responsabilidade. Como eu sempre repito por aqui: não adianta muito ter razão quando se está morto.