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Como os anúncios da Volkswagen nos anos 60 mudaram para sempre a publicidade

Há alguns dias o Juliano Barata sugeriu que fizéssemos uma série especial sobre anúncios de carro icônicos das décadas passadas não os comerciais de TV, mas os anúncios impressos. De fato tem muita coisa bacana feita nos últimos 50 ou 60 anos, e seria interessante ver como a execução, a diagramação, a estética e a linguagem dos anúncios mudou ao longo dos anos.

Acontece que, ao vasculhar a Internet atrás de anúncios dos anos 60 para começar a série (algo que ainda vai ser feito), inevitavelmente topei com uma enxurrada de anúncios da Volkswagen feitos na época. Você provavelmente sabe do que estou falando: aqueles anúncios de uma página inteira com uma foto do carro, na maioria das vezes o Fusca, com um título e o texto embaixo.

Pois estes anúncios ficaram famosos por uma razão: eles eram sensacionais, e causaram uma revolução não apenas no modo de anunciar carros, mas no modo de se fazer publicidade impressa. Há algo nos anúncios da Volks dos anos 60 que captura quem os vê logo no início – e hoje em dia, com a Internet, é irresistível o impulso de continuar procurando mais e mais anúncios por longos minutos. Foi o que eu acabei fazendo.

Depois disso, chamei o Leo Contesini (que cursou publicidade) e disse comentei com ele o quanto eram bacanas os anúncios da Volks – tão bons e eficazes que me fizeram querer comprar um Fusca em 2018, mais de meio século depois. “Lendários”, ele disse. Eu achei que seria desperdício não fazer um post inteiro dedicado aos anúncios da VW nos anos 60. Foi assim que chegamos aqui para falar sobre como a os anúncios da Volkswagen nos anos 60 revolucionaram o modo de se fazer publicidade, e por que eles são tão bons.

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Quando a agência Doyle Dane Bernbach, ou simplesmente DDB, foi contratada pela Volkswagen no fim da década de 1950 para criar uma campanha para o Volkswagen (que na verdade se chamava Volkswagen Sedan, e ainda não havia sido batizado como Beetle), aparentemente estava com um problemão nas mãos. Os carros que os americanos compravam eram completamente diferentes – grandes, cheios de detalhes e com motores grandes e beberrões. Era, afinal, uma época de prosperidade econômica no pós-Guerra.

Não que só existissem pessoas ricas, claro. Mas a publicidade no ramo automotiva refletia esta característica da sociedade na época: os anúncios eram tão extravagantes quanto os próprios carros. As agências usavam ilustrações coloridas, deslumbrantes e rebuscadas dos carros em paisagens quase surreais de tão bonitas, com pessoas sorridentes e bem vestidas aproveitando o melhor da vida em uma banheira norte-americana. Era o American way of life pasteurizado, e a principio Bill Bernbach achou que seria impossível competir com isto, especialmente quando marcas como Ford e Chevrolet gastavam milhões com publicidade. Literalmente: o orçamento das gigantes norte-americanas com anúncios ficava acima cerca de US$ 30.000.000 todos os anos, enquanto a Volks disponibilizou cerca de US$ 600.000 no primeiro contrato com a DDB.

Havia ainda a questão do produto em si, que à primeira vista tinha muito mais defeitos do que qualidades a seu favor: era um carro feio (para os padrões do consumidor norte-americano médio da época), pequeno, e fraco, vindo da Alemanha e criado com a ajuda de Adolf Hitler – que via no Carro do Povo uma ferramenta para ajudar sua Alemanha nazista a conquistar soberania. Mesmo com o conflito terminado havia anos e com a Volkswagen desvencilhada de sua relação com Hitler, a imagem geral do carro tornaria dura a tarefa de convencer os norte-americanos a comprar um VW.

Então Bernbach foi convidado pela Volkwagen para ir até a Alemanha e conhecer melhor o produto que precisaria vender. O publicitário ficou impressionado com a maneira germânica de fabricar carros e voltou para os EUA inspirado, decidido a tornar a campanha publicitária para o VW um sucesso. Spoiler: ele conseguiu.

“Think small.”

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O anúncio acima estreou em 1959 na revista Life, e foi a primeira peça da DDB para a Volkswagen. Think small quer dizer “pense pequeno”, algo que geralmente tem conotação negativa. Mas esta era a ideia: pegar os defeitos do Fusca e transformá-los em qualidades, e costuma-se dizer que este foi o trunfo da campanha. De fato o Fusca era um carro pequeno, mas isto podia ser uma coisa boa na hora de guardar o carro na garagem, de enfrentar o trânsito das cidades e, claro, de estacionar. Um carro pequeno também precisava de um motor menor e mais econômico, e por isso gastava menos combustível.

Agora, além do conceito do anúncio, sua execução também era crucial. Pagava-se mais caro por um anúncio de página inteira, então a norma era usar todo o espaço, caramba! No entanto, em vez de uma imagem colorida (e cara) de um carro todo brilhante em uma paisagem maravilhosa com pessoas felizes e elegantes com seu novo símbolo de status, apenas uma foto preto-e-branco. Do carro, nada mais que o carro, bem distante, e um enorme espaço em branco. A ideia veio do diretor de arte da DDB, Helmut Krone, que tinha como marca em seu trabalho justamente o minimalismo. Ele queria atrair a atenção das pessoas diretamente para o carro, e mais nada. O fato de ser uma foto preto-e-branco, além de economizar uma boa quantia, no fim das contas também ajudava a peça a se destacar entre todos aqueles anúncios coloridos da Life.

Era uma forma de falar mais diretamente com o público que acabou atingindo diretamente os mais jovens, que preferiam anúncios mais realistas do que a imagem fantasiosa empregada por todos até então. E a ideia continuava no texto, escrito pelo copywriter Julian Koenig, que ironicamente era descendente de judeus mas não se importava com as circunstâncias nefastas nas quais o Volkswagen foi concebido.

Koenig escrevia de forma coloquial, falando de igual para igual com quem lia o anúncio. Ele não dizia que as pessoas deviam comprar o VW porque ele era o melhor carro. Até porque, do ponto de vista técnico, ele realmente não era. O texto do anúncio Think Small dizia que o Volkswagen já não era novidade, que as pessoas já não se importavam tanto assim com a economia de combustível, com a durabilidade, com a facilidade para estacionar, com o seguro baixa, com as peças fáceis de encontrar, com a baixa desvalorização, ou com o fato de o motor nunca ferver. Que era natural, e que todo mundo já estava acostumado. E que por isso, não era necessário ficar se gabando de tudo isto.

Entenderam a fineza do negócio? Era como uma conversa entre duas pessoas iguais, e não como um vendedor tentando te convencer de que aquele carro era o melhor.

O layout do anúncio, com a foto maior na parte superior e uma barra embaixo, com o texto dividido em três colunas, era tradicional. Inovadores eram os detalhes: uma fonte não serifada tornava o design do anúncio mais clean. O uso do ponto-final no título do anúncio causava impacto e fazia as pessoas refletirem, por um instante, o que aquele título queria dizer. As linhas não-justificadas, com “viúvas” em profusão (palavras sozinhas em uma linha, que costumam ser evitadas em uso editorial) também eram propositais, para evocar naturalidade. Mesmo o logo da Volkswagen, enquadrado de forma estranha no fim da página, era uma maneira de informar a quem via o anúncio que aquela não era uma peça publicitária como as outras.

Era o conjunto da obra que tornava o anúncio eficaz. A campanha seguinte repetia a fórmula, porém escancarava ainda mais a ideia de explorar os defeitos do carro como se fossem qualidades.

Lemon é um termo que, nos EUA, é usado para descrever um carro ruim, que só vai dar dor de cabeça para quem comprá-lo – não é exatamente equivalente a “bomba” por aqui, mas a ideia é a mesma. Então, a DDB decidiu chamar o Fusca de lemon bem no título do anúncio…

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Repare que a foto é exatamente a mesma 

… explicando no texto a razão: o Fusca da foto foi considerado um lemon pelo controle de qualidade da Volkswagen pois tinha um defeitinho no acabamento cromado do porta-luvas. O texto também informava que o departamento de controle de qualidade tinha “3.389 pessoas na fábrica de Wolfsburg dedicadas a testar os de 3.000 carros que saíam da fábrica diariamente”, e que a cada 50 unidades do Fusca, uma era reprovada. Uma curiosidade: o anúncio cita a frase we pick the lemons, you get the plums – “nós ficamos com os limões e te damos as ameixas”, para reforçar a ideia de que os carros ruins eram reprovados e os perfeitos eram vendidos ao público. Há quem diga que foi por causa desse anúncio que os norte-americanos começaram a chamar os carros problemáticos de lemons, mas não há comprovação concreta disto.

Parecia loucura na época, mas funcionava. E a DDB seguiu por anos soltando diferentes peças com a mesma tônica – o que era facilitado pelo baixo custo de execução dos anúncios, que eram invariavelmente simples e minimalistas.

Com o tempo, a abordagem dos anúncios foi se segmentando. Alguns brincavam com o fato de o Volkswagen ser arrefecido a ar, mostrando a cena “fisicamente impossível” de um Fusca com o motor dianteiro fervendo. O motor ficava atrás, e não fervia.

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Um trecho do texto diz: “No passado, alguns donos de VW se divertiram ao ver o perplexo frentista do posto de gasolina com um balde de água na mão, sem ter onde colocá-la. Mas a gente cuidou disso no modelo ’61. Nesse ano, um lavador de para-brisa é equipamento de série. Ele usa água. Deixe o homem abastecê-lo.”

Neste outro anúncio o mote é a economia de combustível. “E se você ficar sem gasolina, ele é fácil de empurrar”.

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“Com consumo de 32 milhas por galão (mais ou menos 13 km/l), você pode esquecer quando abasteceu pela última vez. E como você fica tão pouco tempo no posto, fica quase sem lembretes.” E, segundo a VW, foi por isso que a VW instalou um mostrador do nível de combustível no tanque. “Mas você ainda precisa lembrar de olhar para ele”.

Em outros anúncios a VW dizia se orgulhar do fato de o Fusca não mudar por fora – o que ajudava a reduzir a desvalorização ano-a-ano.

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Segundo a fabricante, isto permitia que a marca aperfeiçoasse a receita. Além disso, facilitava as coisas na hora de consertar o carro, pois as peças da carroceria eram todas iguais para qualquer ano do Fusca. E ainda pergunta: “se você tivesse que decidir entre um carro que sai de moda todo ano e um que nunca saiu, com qual deles você ficaria?” Isto é transformar defeitos em qualidades.

Dito isto, as melhorias eram feitas onde importava: no conjunto mecânico. De tempos em tempos o motor boxer ficava maior e mais potente, mas isto era tudo.

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“Isto a gente muda. Isto não.”

Uma das maiores ousadias aconteceu em 1962: ao anunciar o Fusca para o novo ano, a DDB simplesmente não mostrou o carro.

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Tradução livre: “Não há razão para mostrar o Volkswagen ’62. Ele é igual por fora.” No entanto, o texto detalha todas as pequenas melhorias, como as lanternas traseiras um pouco maiores, a adição do marcador de combustível, novos cabos para os freios e embreagem, saídas de ar redesenhadas.

E ainda havia outros anúncios que falavam sobre o tamanho do carro:

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“Ele faz sua casa parecer maior. Os carros estão ficando maiores, então as casas parecem menores. Mas um pequeno Volkswagen pode colocar as coisas de volta em sua perspectiva correta.”

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“Disseram que era impossível, e era mesmo”. De acordo com o texto, o jogador Wilt Chamberlain, do time de basquete Philadelphia 76ers, não coube no Fusca com seus 2,15 m de altura. “Mas talvez você só tenha dois metros de altura. Nesse caso, você é baixo o bastante para apreciar um Volkswagen.”

Neste outro, a foto brinca com a ideia de que o Fusca parecia um brinquedo.

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O texto dizia que algumas pessoas estavam colocando as chaves como acessório em seus carros, como forma de mostrar o quanto ele era econômico e fazia “17 km por litro”. Mas também observava “que isto não é exatamente verdade, porque o número correto é 13 km/l. E aproveitava para lembrar que o motor a ar não fervia.

Uma das peças mais legais de todos os tempos é esta, veiculada no dia seguinte à chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1969. O anúncio era uma foto do módulo lunar Eagle, onde os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin pousaram na superfície lunar.

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Embaixo apenas o título: “É feio, mas chega lá.” E o logo da Volks. Não era preciso mais nada. As pessoas arrancavam as páginas das revistas para colar o anúncio na parede.

O estilo foi adotado literalmente por décadas, ganhando cores na década de 1970 e sendo usado na publicidade dos outros modelos da Volkswagen.

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Graças o sucesso duradouro de suas campanhas, a DDB ainda cuida da publicidade da Volkswagen na maioria dos mercados. No Brasil, peças seguindo a mesma fórmula foram desenvolvidas pela AlmapBBDO, que foi fundada em 1954 e, em 1986, passou a fazer parte do mesmo grupo que a DDB.

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Foram os anúncios da DDB para a Volkswagen nos anos 60 que causaram a chamada “Revolução Criativa” na publicidade. Parar de subestimar o consumidor com imagens deslumbrantes e simples argumentos de venda e fazê-lo sentir que aquele produto era feito para ele por suas qualidades. Um carro deveria ser comprado por que era bom no que se propunha a fazer, e não por ser o melhor ou pelo status que proporcionava.

Se você manja um pouco de inglês, certamente o documentário abaixo, chamado Remember those great Volkswagen ads? (“Lembra daqueles anúncios legais da Volkswagen?”, em mais uma tradução livre), vale a pena conferir o documentário abaixo com depoimentos dos envolvidos na criação daqueles anúncios. São 18 minutos que valem a pena.

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