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Car Culture

Como os relógios e os carros se encontraram nas pistas – a história da cronometragem

Segundo um velho adágio, supostamente vindo dos primórdios da civilização hindu, “a verdadeira perfeição tem de ser imperfeita”. Eu nunca entendi o significado exato. Por que a perfeição verdadeira é imperfeita? Não seria uma contradição? Se algo é imperfeito, não pode ser perfeito. Mas aí eu comecei a pensar em coisas que eu considero perfeitas, como o Alfa Romeo 33 Stradale ou a Ferrari 250 GT Lusso. Elas são imperfeitas. A Ferrari certamente não comporta gente do meu porte e o Alfa Romeo nunca funcionou direito no mundo real.

Talvez a necessidade de imperfeição das coisas perfeitas tenha a ver com nossa perspectiva. A imperfeição é uma característica humana, tem a ver com nossa falibilidade — a mais humana das características. Um carro imperfeito acaba sendo, de certa forma, um pouco humano, porque ele tem falhas, como nós. A partir disso, comecei a reparar como praticamente todos os objetos de culto tem suas pequenas falhas — dos carros às armas, dos aviões às guitarras e até mesmo os relógios.

Um dos primeiros relógios de bordo da história

Até os relógios. Não os relógios atômicos/quânticos de altíssima precisão. Estou falando dos relógios mecânicos — sejam eles de corda ou eletrônicos, mas especialmente os de corda. Embora pareçam instrumentos de alta precisão devido à complexidade de seus sistemas de movimento, eles são péssimos para se marcar a hora precisamente.

Os famosos Rolex, por exemplo, podem atrasar até quatro segundos ou adiantar até seis segundos a cada 24 horas. Os modelos eletrônicos a bateria, são mais precisos, mas ainda assim atrasam ou adiantam até cinco segundos após 30 dias — e também são menos desejados pelos entusiastas da horologia, ainda que sejam igualmente respeitados pelos colecionadores — e até colecionáveis, no caso de modelos icônicos.

Pense nos esportivos clássicos e nos carros mais modernos e cheios de assistências eletrônicas. A relação é parecida. Um C63 AMG híbrido, de quatro cilindros, é menos desejável que um C63 V8 6.2 aspirado? Certamente. Mas ele não deixa de ser respeitável como veículo de alto desempenho.

A relação entre ambos, os carros e os relógios, evidentemente vai além dessa semelhança de culto. Desde o surgimento dos carros, os relógios serviram para deixá-los mais interessantes. Afinal, a gente precisa de relógios para comparar carros em qualquer situação em que não haja confronto direto. O que seriam dos raids e ralis sem os relógios, afinal? Os grids de largada até poderiam ser definidos por sorteio, mas os relógios tornaram a classificação mais justa e mais competitiva.

E é por isso que eles acabaram influenciando o automobilismo, tanto quanto foram influenciados por eles. É por isso que toda equipe de corrida têm uma parceria técnica ou comercial com uma marca de relógios. É por isso que os principais campeonatos do mundo têm um cronometrista oficial.

A Fórmula 1, atualmente, tem toda a sua medição de tempo patrocinada pela Rolex — que também atua no WEC, 12 Horas de Sebring e 24 Horas de Daytona. O WRC tem parceria com a menos badalada TW Steel, enquanto a IMSA tem parceria com a suíça Tudor e a MotoGP é cronometrada pelos mais acessíveis Tissot.

Os sistemas de cronometragem modernos, claro, são muito diferentes do que se imagina de algo vindo destas marcas. A própria Rolex, por exemplo, é a patrocinadora do serviço de cronometragem, mas não a fornecedora do sistema. Quem faz isso é uma empresa chamada Deltatre, especializada em geração de dados e imagens para eventos esportivos, contratada pela Fórmula One Management.

A cronometragem da Fórmula 1, contudo, nem sempre foi feita desta forma. Nos anos 1950 e 1960, antes da criação dos sistemas eletrônicos de cronometragem, o serviço era feito com cronógrafos mecânicos por uma equipe de cronometristas dos organizadores da prova e das equipes — cada carro precisava de um cronometrista individual pois não havia uma forma de identificá-los individualmente como os sistemas eletrônicos modernos permitem. Sendo assim, cada organizador de prova e cada equipe tinha seu equipamento de medição.

Aqui é importante mencionar que os cronógrafos (o termo “cronômetro” se refere a um certificado de precisão para relógios e cronógrafos) existem desde 1816, quando o mecanismo foi idealizado pelo relojoeiro suíço Louis Moinet, e era capaz de medir a frações decimais de segundo. Depois dele, houve o cronógrafo de Nicolas Rieussec, criado para cronometrar corridas de cavalos. Ao final do século, os cronógrafos já eram instrumentos relativamente comuns e produzidos por diversas fabricantes europeias e americanas.

Uma das primeiras relojoarias a a atuar como cronometrista oficial de um evento foi a alemã Löbner. Ela foi a fornecedora de cronógrafos para os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em Atenas, 1896, mas o principal foco da empresa acabou se tornando o automobilismo. A maioria dos recordes de velocidade registrados no início do século XX foram registrados pela Löbner — o recorde de 256 km/h do Opel RAK 3, de 1928, por exemplo, assim como os 400 km/h de Bernd Rosemeyer e seu Auto Union, e o mais duradouro recorde da história do automóvel, os 432 km/h de Rudolf Caracciola, em 1938.

Apesar do pioneirismo da Löbner, foi a Heuer quem trouxe a primeira revolução da cronometragem. E ela começou justamente nos jogos olímpicos: não havia um fornecedor oficial de cronógrafos, e cada juiz disparava o relógio no seu tempo. Com a precisão dos cronógrafos limitada a um quinto de segundo, as reclamações dos competidores começaram a se tornar cada vez mais frequentes de modo que o Comitê Olímpico Internacional decidiu padronizar a cronometragem. A empresa encarregada de fazer isso foi a Heuer, que criou, em 1916, seu cronógrafo mecânico Mikrograph. Ele foi o primeiro cronógrafo do mundo capaz de calcular centésimos de segundo, uma capacidade que, naturalmente, o levou ao automobilismo.

Os Jogos Olímpicos também motivaram a evolução dos sistemas de cronometragem, levando marcas como Omega e Longines a desenvolver não apenas cronógrafos mecânicos com a mesma precisão centesimal dos Heuer, mas também sistemas elétricos e de fotocélula para marcar a passagem dos competidores.

O primeiro deles, foi feito pela Omega em 1948, batizado Magic Eye. O sistema disparava um feixe de luz ultrafino que, ao ser interrompido pela passagem do corredor, acionava ou parava o cronógrafo.

Como toda tecnologia, a fotocélula da Omega acabou copiada pela concorrência, que além de reproduzir o sistema também o evoluiu. Foi o caso da Longines, que desenvolveu um sistema inovador com a mesma  fotocélula e cronógrafos elétricos da Omega, mas também agregou uma câmera de vídeo e emissores/receptores de rádio para criar o primeiro sistema eletrônico de cronometragem do automobilismo mundial.

Era o sistema Longines Chronocaméra, que foi homologado pela FIA para uso no primeiro campeonato mundial de Fórmula 1, em 1950. O sistema integrado à câmera estampava data e hora com precisão centesimal na imagem da largada, mostrando a ordem de passagem dos carros pela largada. A cada volta, as fotocélulas detectavam a passagem do carro, permitindo o registro dos tempos parciais — e estes tempos, somados, resultavam no tempo total da prova de cada carro.

Apesar do sistema elétrico automatizado da Longines, equipes e pilotos continuaram usando cronógrafos manuais nos treinos — o sistema era usado apenas em classificações e provas. Você certamente já viu em fotos antigas da Fórmula 1, as pranchetas de cronometragem usadas pelas equipes e pilotos — geralmente pelas esposas de pilotos, como Nina Rindt (abaixo, em foto de 1969) e Helen Stewart.

Havia também os dash clocks. Como seu nome sugere, relógios de painel. Eles poderiam ser integrados ao quadro de instrumentos, ou simplesmente afixados ao painel, geralmente acompanhados de um ou mais cronógrafos, e eram usados em provas de longa distância ou ralis, sempre controlados pelos navegadores para marcar o ritmo dos setores das provas. Ainda hoje são usados em ralis de clássicos ou como acessórios de época em restaurações.

 

A primeira revolução da cronometragem – e dos relógios de pulso

Ainda nos anos 1950, a própria Longines usou uma tecnologia relativamente nova que, mais tarde, iria revolucionar o mercado de relógios. Em 1953, apenas três anos após a adoção do Chronocaméra, a fabricante suíça apresentou à FIA seu novo sistema chamado Chronocinégines, que adotava um regulador de frequência de cristais de quartzo para obter um resultado centesimal mais preciso que nos sistemas elétricos utilizados até então.

O uso destes cristais deu origem à chamada “Revolução do Quartzo” (ou “Crise do Quartzo”, para os relojoeiros suíços, fabricantes de relógios mecânicos).

Para entender essa revolução, é preciso ter em mente que todo relógio usa frequência para registrar as horas. Frequência é a quantidade de vezes que um movimento periódico acontece em um intervalo de tempo. Uma criança em um balanço, por exemplo, tem um movimento periódico a cada ida e volta do balanço. Se essa criança vai e volta uma vez a cada segundo, temos uma frequência de 1Hz. Nos relógios mecânicos, esse balanço são os pêndulos ou, no caso dos relógios de pulso e de mesa, um peso oscilante interno chamado “balança”. Com a frequência determinada, você consegue calcular o tempo e, com isso, as horas. Um exemplo hipotético: em uma máquina de 1 Hz, cada oscilação ocorre em um segundo. Então o ponteiro de segundo se move a cada oscilação da balança. A cada 60 oscilações, teremos, portanto 1 minuto. A cada 60 minutos, 3.600 oscilações — ou uma hora.

Os relógios elétricos substituem esse movimento mecânico por uma frequência gerada por dispositivos elétricos ou diapasões. A corrente elétrica (da tomada ou da bateria) alimenta o dispositivo emissor de frequência, e a contagem dos segundos é baseada nessa frequência elétrica. No caso dos movimentos de quartzo, o oscilador usa cristais de quartzo na emissão das frequências pois pesquisadores da Bell Labs, nos EUA, descobriram nos anos 1920 que o uso de cristais de quartzo no oscilador resultava em frequências mais estáveis. Com menos interferências na emissão de frequências, a contagem do tempo acaba sendo mais precisa até os centésimos de segundo.

O sistema Chronocinégines da Longines, que foi aprovado pela FIA logo após sua apresentação, foi o primeiro da história a usar cristais de quartzo, embora essa tecnologia só tenha chegado ao mercado de relógios de pulso em 1969, pela fabricante japonesa Seiko. Pela primeira vez o automobilismo influenciava a indústria de relógios, consolidando uma relação que, àquela altura, acumulava mais de 50 anos de cronometragem.

A Longines ainda traria outras duas inovações na cronometragem esportiva: em 1956 eles substituíram o Chronocinégines pelo novo Choronotypogines, que usava sensores para iniciar a interromper a cronometragem automaticamente. Esse sistema foi substituído pelo Télé-Longines, que era capaz de registrar os tempos com precisão milesimal, indicando pela primeira vez os milésimos de segundo — o padrão usado até hoje na Fórmula 1.

 

A Fórmula 1 ganha um cronometrista oficial

Até meados dos anos 1970 a Fórmula 1 não tinha um cronometrista oficial. Não na forma de empresa especializada. Quem fazia isso, na época, era uma francesa chamada Michele Dubosc, que havia se envolvido com o automobilismo nos anos 1950 e passou a atuar como navegadora de rali antes de ser contratada como cronometrista pela Matra em 1965, função que a levou à Fórmula 2 em 1966 e à Fórmula 1 em 1968 — além de várias edições das 24 Horas de Le Mans. Dubosc usava o material que fosse disponibilizado pelos organizadores das provas — normalmente equipamentos da Longines ou da Heuer.

Em 1971 Enzo Ferrari decidiu contratar a Heuer como cronometrista da equipe pois não confiava nos cronometristas franceses de Le Mans — como a própria Dubosc, por exemplo. Em Le Mans, como na F1, o equipamento era fornecido por diversas empresas, embora o relógio oficial do evento fosse fornecido por uma pequena relojoaria local chamada Dutray. Jack Heuer aceitou a parceria, mas exigiu que sua marca fosse estampada nos carros e nos macacões dos pilotos, que também deveriam usar um Heuer Carrera nas corridas.

Durante a parceria com a Ferrari, a Heuer desenvolveu um sistema chamado Automatic Car Identification Timing System (“Sistema de Cronometragem com Identificação Automática dos Carros”, mais conhecido pela sigla inglesa ACIT). Foi a maior revolução da história da cronometragem do automobilismo.

Ele usava um pequeno transponder em cada carro, que emitia um sinal de rádio para um receptor na linha de largada/chegada. Com isso tornou-se possível identificar a registrar automaticamente o tempo dos carros de forma individual e com precisão centesimal — algo tão inovador que garantiu à Heuer um contrato com a Fórmula 1, o que fez dela a primeira empresa de cronometragem oficial da categoria. Esse tipo de sistema é usado até hoje — mesmo em eventos amadores como track days e hot laps.

No final dos anos 1970, a Heuer foi substituída pela Longines como cronometrista oficial da Fórmula 1, vendendo a eles o sistema ACIT. Em parceria com a Olivetti, então uma gigante da informática, a Longines evoluiu o sistema para registrar tempos com precisão milesimal.  A estreia deste novo sistema computadorizado aconteceu no GP de Long Beach, em março de 1980 — coincidentemente a primeira vitória de Nelson Piquet e o último pódio de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1.

A Longines permaneceu como cronometrista oficial da Fórmula 1 até 1992, quando a Heuer voltou à função, mas agora com seu novo nome: TAG Heuer. Aqui vale mencionar um breve histórico da TAG, pois ela reforça esta relação dos carros e do automobilismo com os relógios.

A empresa, batizada originalmente como Techniques d’Avant Garde, é uma holding fundada nos anos 1970 pelo empresário sírio Akram Ojjeh e seu filho Mansour, um grande entusiasta do automobilismo que viu na empresa familiar uma forma de se envolver com o esporte. Ainda nos anos 1970 a TAG se tornou patrocinadora da Williams e, em 1981, adquiriu parte da McLaren por intermédio de Ron Dennis. Foi a TAG quem bancou o desenvolvimento dos motores turbo V6 Porsche e, por isso, os motores acabaram batizados TAG Turbo — e não Porsche.

O contrato da TAG Heuer com a Fórmula 1 durou até 2003, quando ela foi substituída não por uma relojoaria, mas por uma empresa de tecnologia, a Siemens, que foi a parceira oficial de 2004 a 2007, sendo sucedida pela LG — não por acaso, duas fabricantes de telefones celulares, que, para muita gente, substituíram os relógios como marcadores de horas no dia-a-dia.

Foi somente em 2013 que uma fabricante de relógios voltou a atuar como cronometrista oficial da Fórmula 1 – talvez a mais famosa delas, a Rolex. Como disse mais acima, contudo, a Rolex não é a responsável pela cronometragem, mas apenas a patrocinadora da tabela de tempos. O contrato com a marca será encerrado ao final desta temporada e, a partir de 2025, a TAG Heuer voltará a ser a marca oficial dos tempos da categoria.

Quando carros usavam relógios

A relação entre relojoarias e os carros, contudo, é bem mais antiga e remonta aos primórdios dos modelos de produção seriada, quando o painel de instrumentos deixou de ser um acessório opcional para se tornar um padrão nos automóveis.

O primeiro carro equipado com um velocímetro foi o Oldsmobile Curved Dash Runabout de 1901. O equipamento, como já mencionado, era opcional, e era feito por um fabricante americano  de manômetros e outros instrumentos de medição chamado Stewart & Clark, que também forneceria velocímetros para a Ford a partir dos anos 1910, quando eles se tornaram equipamentos de série. É aqui que os relógios se encontram com os carros pela primeira vez — não nos EUA, mas na Europa, os fabricantes de velocímetros eram também relojoeiros.

Os famosos instrumentos Smiths britânicos — os pioneiros no Reino Unido — foram criados pela joalheria e relojoaria S. Smith & Sons, de Samuel Smith. Da mesma forma, os instrumentos Jaeger foram criados por um relojoeiro parisiense chamado Edouard Jaeger.

Em 1907, Jaeger foi chamado por Jacques-David LeCoultre para auxiliá-lo na produção de movimentos de relógio para a Cartier, com quem LeCoultre tinha um contrato de fornecimento de 15 anos.

Quando a Primeira Guerra começou, Jaeger percebeu que precisava diversificar sua atuação para sobreviver àqueles tempos difíceis, e criou instrumentos aeronáuticos para os pilotos do Reino Unido e da França juntamente com seu parceiro LeCoultre. Os instrumentos tinham tamanha qualidade que até os pilotos alemães começaram a usá-los, removendo-os dos aviões inimigos abatidos.

Depois da guerra, o ramo de relógios continuou com as duas empresas unidas sob o nome Jaeger-LeCoultre, enquanto o ramo de instrumentos ficou somente com o nome Jaeger.

Outra marca de instrumentos que nasceu da relojoaria foi a Veglia Borletti. Nos anos 1930 a Veglia fabricava relógios mecânicos na Itália com movimentos suíços da Cortébert, fornecedora de marcas como a Rolex e IWC. Também diversificando sua atuação, a Veglia começou a fazer instrumentos para automóveis e se tornou uma das mais tradicionais fornecedoras da indústria até 1987, quando foi adquirida pela Magneti Marelli.

Com a chegada dos instrumentos eletrônicos e, mais recentemente, dos quadros digitais, os velocímetros e conta-giros destes fabricantes se tornou algo restrito aos carros clássicos — a Smiths ainda produz seus modelos, que são usados pela Jaguar em sua divisão de clássicos, e também pelos projetos restomod da Singer, para citar dois exemplos.

Foi uma crise/revolução semelhante à que aconteceu com a indústria relojoeira com a chegada dos movimentos de quartzo: os relógios mecânicos/automáticos acabaram inicialmente obsoletos e muitas marcas desapareceram. A solução para evitar o desaparecimento das relojoarias tradicionais, foi o reposicionamento dos relógios suíços mecânicos como itens de luxo e precisão. Esse reposicionamento aconteceu também no setor automobilístico, de forma que os modelos de alto luxo oferecem relógios de bordo fornecidos por relojoarias de luxo.

A IWC, por exemplo, fornece para a Mercedes, enquanto a Breitling faz relógios especialmente para os Bentley, e a Bovet, a Audemars-Piguet e a Vacheron Constantin fornecem relógios para a Rolls-Royce.

Por outro lado, há carros que foram inspirados por relógios – seja no conceito do veículo ou simplesmente nos instrumentos do painel. O caso mais notório certamente são os modelos originais da smart.

A marca foi criada como uma parceria da Mercedes-Benz com a relojoaria suíça Swatch, famosa por seus relógios coloridos e irreverentes, que inspiraram as combinações de cores da carroceria do ForTwo, ForFour e Roadster. O próprio nome da empresa é um acrônimo, formado pelo S da Swatch, pelo M da Mercedes e a palavra “Art”.

Depois, há os quadros de instrumentos inspirados por relógios, como o quadro mecânico do Bugatti Tourbillon, que usa componentes feitos pelos mesmos fornecedores da Jacob & Co, ou o modesto painel do atual Suzuki Jimny, inspirado pelos relógios Bell & Ross.

Os relógios dos pilotos

Apesar da cronometragem oficial das provas, os pilotos sempre tiveram sua cronometragem individual nos boxes e também levavam consigo seus relógios de pulso — fosse por utilidade, estética ou simplesmente por compromissos de patrocínio. Atualmente a maioria dos pilotos usa relógios de patrocinadores, uma vez que sete das dez equipes da Fórmula 1 são associadas a uma relojoaria.

Boa parte das atuais patrocinadoras das equipes de Fórmula 1 têm pouca tradição no automobilismo — a exceção é a TAG Heuer, parceira da Red Bull Racing, seguida pela IWC, associada à Mercedes, e é mais conhecida pelos seus relógios de aviação. As demais, são relojoarias que tiveram períodos de baixa, especialmente durante a já citada “crise do quartzo” ou marcas fundadas ou renovadas mais recentemente.

A Richard Mille, parceira da Ferrari e da McLaren, por exemplo, é uma marca nova se comparada com outras do mesmo ramo: foi fundada em 2001 e ganhou muita projeção pela parceria com Felipe Massa firmada em 2004. Outra marca que teve seus altos e baixos (em termos de popularidade, não de qualidade, que fique claro) é a H. Moser & Co., que patrocina a Alpine. E há ainda marcas como a Girard-Perregaux, que, apesar dos mais de 200 anos de história, nunca foi muito associada ao automobilismo e teve seus modelos mais famosos desenvolvidos há mais de 50 anos. Há ainda a Tudor, uma marca suíça que patrocina a Racing Bulls.

No passado essa relação era mais distante, então os pilotos usavam relógios de sua preferência pessoal na maioria das ocasiões. Ayrton Senna, por exemplo, antes de usar os relógios da TAG Heuer pela relação da marca com a McLaren, circulava pelo paddock com modelos japoneses Seiko Speedmaster SSBA022 e Seiko Bullhead 6138-0040.

O primeiro é um relógio digital, um dos primeiros da marca, com design de Giorgetto Giugiaro. Ele tem o mostrador em 15 graus para a esquerda visando facilitar a leitura do piloto, e tinha cronômetro centesimal, taquímetro eletrônico, contador de voltas, e alarme. Infelizmente, o modelo foi restrito ao mercado interno japonês (sim, um relógio JDM), o que o torna raríssimo fora do Japão — especialmente nas cores cinza e verde como o usado por Senna, uma vez que ela não foi reeditada no relançamento do relógio em 2018.

Já o Bullhead é dos modelos mais famosos da Seiko, e ganhou este nome por ter os botões de acionamento do cronógrafo no topo da caixa, e não na lateral, remetendo aos chifres de um touro (daí o nome “Bullhead” ou “cabeça de touro”). Uma unidade usada, antiga, em bom estado, custa entre R$ 2.500 e R$ 5.000, mas temos opções novas a preços interessantes, como veremos mais adiante.

Emerson Fittipaldi, nos anos 1970, usava um modesto Timex Velocity dos anos 1970 — modelo que recebeu uma edição especial comemorativa de seus dois títulos (1972 e 1974) em 1975.

Rubens Barrichello, apesar de ter vários relógios associados ao seu nome, de diversas marcas que patrocinaram suas equipes, aparentemente sempre teve uma predileção pelo Rolex Daytona — um dos primeiros relógios inspirados diretamente pelo automobilismo, lançado ainda nos anos 1950 e batizado com o nome do circuito americano. O Rolex Daytona também foi a escolha de Michael Schumacher, Mario Andretti, AJ Foyt, Richard Petty e Paul Newman, além de ser o relógio usado por Jackie Stewart atualmente e Stirling Moss a partir dos anos 1970.

Barrichello, contudo, deu um passo além e procurou o ateliê suíço Artisans de Genève para personalizar seu Daytona com elementos que remetessem aos componentes mecânicos de um motor, criando uma peça realmente especial.

Os Rolex também foram a escolha de Carroll Shelby, que tinha um Rolex Zephir (embora o filme “Ford vs. Ferrari” o retrate com um Heuer Carrera) de aço e ouro, do jovem Jackie Stewart e de Dan Gurney, que optaram pelo Rolex Datejust, o modelo de entrada da marca nos anos 1960.

Outra marca preferida pelos pilotos era a Heuer — sem o TAG, que só apareceu nos anos 1980, quando a Techniques d’Avant Garde, aquela dos motores TAG Turbo, comprou a relojoaria. Entre os adeptos dos Heuer estão Jo Siffert, James Hunt, Mario Andretti, Jochen Rindt, Ronnie Peterson, Graham Hill e Niki Lauda.

O modelo mais popular era, sem dúvida, o Heuer Carrera usado por todos os pilotos citados, exceto Hill e Lauda. Hill usava um Heuer Autavia, enquanto Lauda preferiu algo mais moderno como o Heuer Chronosplit digital.

Outra marca relativamente comum entre os pilotos era a Breitling. Ken Miles, Jack Brabham e Jim Clark usaram modelos da marca. Miles optou por um belo Co-Pilot, lançado nos anos 1950 como uma versão de pulso do relógio feito para aviões militares nos anos 1930. Embora não tivesse taquímetro, ele tinha cronômetro e um contador regressivo de 15 segundos.

Brabham usava um Duograph dos anos 1950, mas em 1959, quando ganhou seu primeiro título, ele recebeu como prêmio da Esso um elegante Breguet Type XX com caixa de aço polido, dial preto e pulseira de couro preto.

Essa combinação também foi a escolha dos modelos de Jim Clark, que usava um Breitling Navigator 806, além de um Gallet Multichron 12 e um Enicar Sherpa Graph — modelo que também foi usado por Stirling Moss, contratado pela marca juntamente de Jim Clark.