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Car Culture

Como passar dos 300 km/h com um Opala?

Todo entusiasta que se preza conhece a história — ou pelo menos já ouviu falar — do recorde de velocidade de Fábio Sotto Mayor em 1991, a bordo de um Opala Stock Car. O carro chegou ao pico de 315 km/h e teve seu recorde homologado com uma média de 303,157 km/h.

Os supercarros que surgiriam alguns anos depois desse recorde e a barreira dos 400 km/h, quebrada há mais de 15 anos, talvez tenham distorcido a perspectiva de quem relembra esta história em 2023. Mas não se engane: atingir mais de 300 km/h de carro nunca foi tarefa fácil. A revista Quatro Rodas, por exemplo, que fazia seus testes na “reta infinita” da GM, em Indaiatuba, só chegou aos 290 km/h com a Ferrari 355 F1 na segunda metade dos anos 1990.

Àquela altura, o carro mais veloz do mundo era o RUF CTR Yellowbird, que usou seu flat-6 biturbo de 469 cv para chegar aos 342 km/h em testes no circuito de Nardò, em 1987. Esse recorde só foi quebrado em 1994 pelo McLaren F1, que chegou a 355 km/h. Um Opala a mais de 300 km/h, portanto, é um feito e tanto ainda hoje, em 2023.

E isso foi algo que deixava intrigado desde que conheci a história do recorde. Se você olhar para todos os carros da época que eram capazes de chegar acima dos 300 km/h, verá que eles têm em comum uma área frontal reduzida, dianteira baixa, perfil esguio e, quase sempre, motor atrás da cabine. O RUF era assim, o Jaguar XJ220 era assim, os carros de F1 da época eram assim. O Opala tinha dianteira alta por causa do motor dianteiro. O cofre e o fundo do carro eram abertos, para-brisa verticalizado. Como um negócio desse conseguiu chegar além dos 300 km/h? Com o velho equilíbrio entre preparação mecânica e desenvolvimento aerodinâmico.

O carro usado no teste tinha a chamada carroceria carenada. Foi uma evolução da Stock Car nos anos 1980, quando a GM do Brasil se afastou da categoria. Em 1987, a fabricante de carrocerias de ônibus Caio, desenvolveu um conjunto aerodinâmico para ser adaptado à carroceria do Opala, o que deixou os carros mais parecidos com os Nascar da época, por exemplo.

O conjunto deixava a dianteira mais pronunciada, reduzindo a altura da área frontal, com uma transição mais suave para o capô. A dianteira toda era uma bolha, com tomadas de ar somente onde ficavam os radiadores e rodas, e com saias integradas para reduzir o fluxo de ar sob o carro — o que ajuda a reduzir a sustentação aerodinâmica (lift).

A carenagem original de 1987

Nas laterais não havia mais o respiro das caixas de roda como na versão original dessa carenagem, que estreou em 1987, apenas as saias laterais que mantinham o fluxo sob o carro. A traseira, que chegou a ter um spoiler enorme nos primeiros anos, em 1991 já tinha um spoiler mais discreto, aparentemente para estabilizar a traseira longa do Opala cupê em altas velocidades.

O problema é que esse conjunto foi desenvolvido para o asfalto suave dos autódromos, não para uma BR-101/Rio-Santos ondulada do início dos anos 1990 – o que causaria alguns problemas na hora do recorde, como veremos mais adiante.

A preparação do motor foi um pouco além do que se usava na stock car da época. O motor era o 250S de sempre, com virabrequim original, balancins roletados, coletores 6×2 Hooker e carburação tripla Weber IDF 44. O motor ainda tinha pistões com a maior sobremedida (0,40 pol.) o que aumentou o deslocamento para 4.200 cm³. O cabeçote era o antigo 831, adequado para etanol, mas com limitação de material para retrabalho de fluxo.

A transmissão era toda original GM, com uma caixa Clark de cinco marchas e diferencial Dana 3,07:1. A única alteração foi o volante do motor, que foi substituído por um com mais massa, pois a medição de velocidade é feita ao longo de um quilômetro lançado — situação na qual é desejável maior inércia do volante.

O teste foi realizado numa terça-feira, 15 de outubro de 1991, em um trecho de cinco quilômetros da rodovia BR-101/Rio-Santos, em Bertioga/SP. Ainda hoje o trecho é uma pista simples de mão dupla, porém na época com o asfalto muito ondulado pelos recapeamentos pontuais na pista (gourmetizei os remendos, notaram?).

Segundo o regulamento da Confederação Brasileira de Automobilismo, o registro de velocidade deveria ser obtido em uma reta ao nível do mar, em um percurso de cinco quilômetros, dos quais os dois primeiros seriam de aceleração, o quilômetro seguinte seria usado para a medição da velocidade — dez células fotoelétricas posicionadas em intervalos de cem metros — e os dois últimos, usados para a desaceleração e frenagem.

O espaço de frenagem, aliás, também determinou o acerto dos freios, pois o carro precisa parar dentro dos dois quilômetros para ter sua velocidade homologada. Por isso, a distribuição da força de frenagem ficou ainda mais dianteira. As rodas Scorro “trevo” de 14 polegadas com tala 8″, calçadas em pneus slick Pirelli.

Em uma entrevista publicada no YouTube (abaixo), o preparador do motor, Sylvinho, conta que somente o volante e o acerto de ponto e carburação foram modificados para o teste. Devido à etapa da stock car no final de semana anterior, o tempo de acerto e calibragem do motor em dinamômetro foi escasso — o motor ficou pronto somente na terça-feira pela manhã, horas antes do teste, depois de uma noite às claras fazendo os preparativos.

A velocidade seria medida em três passagens nos dois sentidos, todas devendo ser realizadas dentro de uma hora a partir do início da primeira passagem válida, como previa o regulamento. Parece uma boa margem de tempo, mas caso haja algum problema na primeira passagem oficial, o cronômetro não pára — os reparos consomem o tempo do teste. Por isso, a primeira passagem foi feita com um acerto de ponto muito conservador a pedido do chefe da equipe, Camilo Christófaro Jr.

Logo na primeira passagem, logo após passar a quarta marcha a 230 km/h, a primeira surpresa: o capô não resistiu à pressão aerodinâmica dentro do cofre e saiu voando como um guardanapo numa cadeira de praia. Mesmo sem o capô, o carro atingiu pouco mais de 288 km/h.

Lá se vai o capô…

Como o incidente arrancou as presilhas e grampos, sem tempo para o conserto, o carro teria de seguir para as passagens seguintes sem o capô — o que exigiu um novo acerto dos carburadores. O retorno da primeira passagem correu sem problemas e agora com o cofre aberto o carro atingiu pouco mais de 291 km/h, resultando em uma média de 290,088 km/h — novo recorde brasileiro.

O incidente do capô mostrou como a aerodinâmica do Opala era deficiente e foi prejudicada pelas ondulações da pista, que permitiam a entrada de ar por baixo do carro. Sem escoamento do cofre, o ar acabou empurrando o capô para o alto. É possível que a ausência do capô, no fim das contas, tenha ajudado o carro a ir mais rápido.

Mesmo com o recorde em mãos, a equipe tinha a certeza de que seria possível passar dos 300 km/h. Camilinho Cristófaro havia dito à imprensa antes do teste que acreditava em um pico de 340 km/h devido ao acerto do carro. Com 38ºC de temperatura ambiente e mais de 50º de temperatura do asfalto, o calor certamente prejudicou o desempenho do carro.

Os mecânicos da equipe modificaram o ângulo de cáster do carro para estabilizar a dianteira, enquanto o motor foi novamente reajustado, agora com o ponto de ignição ideal para o teste, conforme medido por Sylvinho no dinamômetro — 30 graus de avanço, no total. Sem o capô, com o motor recalibrado, Fábio Sotto Mayor foi para o asfalto tentar uma velocidade maior.

A passagem no primeiro sentido, a favor do vento, chegou a pouco mais de 315 km/h, a volta, contra o vento, foi a pouco mais de 291 km/h. Média de 303,157 km/h, novo recorde. Em entrevista ao programa Vitória, da TV Cultura (acima), que fez a cobertura do teste, Fábio Sotto Mayor disse que a dianteira “passarinhava” muito mesmo após o ajuste de cáster e que, por isso, ele acreditava ter chegado ao limite do carro. Nos vídeos é possível notar a instabilidade da dianteira, que precisava ser corrigida o tempo todo pelo piloto.

Fábio ainda disse que, talvez, em um dia mais frio fosse possível melhorar a marca, mas se deu por satisfeito ao passar dos 300 km/h de média em um Opala de Stock Car.

O carro usado no teste de velocidade máxima acabou se perdendo no tempo — ao menos é o que parece. A Dana, patrocinadora do teste, atualmente tem uma recriação do carro, baseada em um stock original da época, com um motor diferente e rodas Binno de stock cars modernos — que é o carro das fotos recentes que ilustram esta matéria.