Tabamondá é uma pequena cidade do interior cuja localização é irrelevante. Como toda cidade, Tabamondá tem um prefeito e um vice-prefeito. Tem uma câmara de vereadores com nove cargos eletivos e seus respectivos comissionados, além de todas as secretarias e/ou departamentos que as cidades precisam ter para subsistir. Com pouco mais de 9.000 habitantes, nenhuma fábrica e nada de turismo, a economia da cidade gira em torno do comércio local, serviços e um pouco de agricultura familiar. Seu PIB per capita não chega aos R$ 6.000 — o que significa que cada habitante produz menos de seis mil reais em um ano. Uma cidade pobre, que mal subsiste.
Mas Tabamondá foi agraciada com dois enormes corredores rodoviários em seu território, de forma que a cidadezinha se tornou a principal ligação entre as duas rodovias. Por suas ruas e pequenas avenidas passam, diariamente, milhares de carros, motos, ônibus e caminhões que encontram ali a passagem mais prática e rápida de uma rodovia para a outra. E essa ligação entre os dois corredores começa justamente na maior avenida da cidade que, por ser periférica, é subutilizada, apesar de ter duas pistas separadas por um canteiro central.
A avenida é mais ou menos como essa
O trecho é jurisdição municipal, o que significa que a pequena Tabamondá é responsável pela administração, sinalização, manutenção e fiscalização daquele caminho pelo qual milhares de carros passam diariamente. Seria um problema para a prefeitura bancar uma via utilizada por gente que nem paga impostos à cidade. Mas graças à astúcia da prefeitura, os pouco mais de 3.000 metros daquela avenida se tornaram uma fonte de receita inigualável na cidade.
Tão desonesto quanto astuto, o prefeito usou o próprio código de trânsito para reforçar os cofres da prefeitura. O que ele fez? Simples: com a avenida larga, subutilizada e com as mesmas características de construção da rodovia, os motoristas trafegam a uma média de 100 km/h por ali. Mas por medidas de segurança devido a um adensamento de casas em um loteamento acessado por esta avenida, a prefeitura reduziu o limite para 70 km/h e depois para 50 km/h, como recomendam as normas de segurança.
Mas em vez de reforçar a sinalização e criar elementos que ressaltem a necessidade de redução de velocidade, a prefeitura de Tabamondá simplesmente instalou as placas no bordo direito das pistas e adotou dois pares de radares móveis instalados a 100 metros das placas de velocidade.
Então o seguinte aconteceu: os motoristas vinham a 100 km/h e, nos primeiros 500 metros, passavam por uma placa de 70 km/h no bordo da pista. Cem metros após a placa com o novo limite, está um radar móvel, montado no canteiro central da pista ao lado dos postes de iluminação da avenida. A sinalização está ali indicando a nova velocidade, mas a prefeitura aproveitou o fato de a avenida estar em perímetro urbano para instalar o radar na distância mínima permitida por lei — entre 100 e 300 metros. Assim os motoristas que saem da rodovia em velocidade operacional são multados durante a desaceleração.
Visível, pero no mucho
Mais adiante, a 500 metros dali, vem a placa de 50 km/h, também no bordo da pista e também seguida por um radar móvel nos primeiros 100 ou 150 metros após a placa, discretamente montado ao lado do poste de iluminação. Desta vez os motoristas atentos conseguem reduzir a velocidade, mas nem sempre a placa é visível pois, devido às suas dimensões e à sua posição, ela é por vezes ocultada por veículos maiores na faixa da direita. Desta forma, muitos motoristas acabam multados a velocidades que variam entre 60 e 70 km/h.
Quem está no “Rod. Oliveira” não enxerga a placa — que, por sua vez, não está irregular
Como resultado, os quatro radares somados (dois em cada sentido da avenida) emitem uma média de 120 multas por dia — um número relativamente baixo, frente aos 6.000 carros que por ali passam diariamente. Porém, estamos falando de mais de 43.000 multas com valor mínimo de R$ 130, o que representa uma receita de R$ 5,59 milhões para a prefeitura de Tabamondá. Parece pouco, mas fazendo uma conta simples com valores aproximados, temos um PIB de aproximadamente R$ 54 milhões, dos quais a prefeitura arrecada cerca de 18% (que é a carga tributária média da cidade), ou cerca de R$ 9,72 milhões. Uma receita de R$ 5,59 milhões com multas, portanto, equivale a um aumento de quase 57% na arrecadação municipal.
Claro, a prefeitura de Tabamondá sabe que a sinalização é inadequada para o fluxo, e que isso incorre na decadência do direito de punir — algo que dará ganho de causa ao motorista que decida acionar a justiça contra a cobrança. Mas mesmo assim mantém a sinalização deficiente porque ela está de acordo com a lei e também sabe que a justiça local é mais lenta e mais cara que pagar uma multa.
O caso de Tabamondá logo se espalhou dentro do partido de situação na cidade e também entre os municípios vizinhos. As brechas no código de trânsito acabaram sendo adotadas em todo o País. A repetição, como de praxe, refinou o uso, de forma que outros artifícios foram explorados. Um dos artifícios é adotar um limite inferior à velocidade operacional da rodovia, e posicionar radares móveis no limite de distância da placa que regulamenta o limite, onde o motorista tende a assumir a velocidade natural da via — e acaba multado por exceder o limite de velocidade em até 20%.
Se você terminou de ler este texto preocupado ou indignado, fique tranquilo. Tabamondá não existe e nunca existirá. É mera ficção.
Foto de abertura: Carlos Souza Ramos