Você já deve ter percebido que um tema recorrente no FlatOut são as perguntas que ninguém fez. Por que os pneus são pretos? Por que o santantônio se chama santantônio? Por que o vencedor da Indy 500 bebe leite? Pois então… outro dia eu estava divagando sobre outro porquê automotivo: por que cazzo a gente “dirige” carro, mas “pilota” moto? Aliás, por que a gente não chama piloto e motociclista de “motorista”?
A resposta parece óbvia, mas quando você começa a procurar os porquês, ela deixa de ser evidente — e se torna muito mais interessante.
Por exemplo: no português brasileiro “motorista” é quem conduz automóveis, ônibus ou caminhões. Se for uma moto, o condutor vira “motoqueiro”, “motociclista”. Mas se o caminhão, o ônibus, o carro ou a moto forem de corrida, aí o condutor tem o mesmo nome: “piloto”. Se você conduz trens, a designação é “maquinista”. A menos que seja um trem leve urbano, ou bonde. Nesse caso você é o “motorneiro”. Se você conduz aviões, sua função é piloto — seja ele um planador ou um Blackbird.
Em inglês o motorista e o piloto de carros são chamados pelo mesmo substantivo: “driver“. O condutor de motos é o “rider“, o condutor de trens e bondes é o “operator” (Reino Unido) ou “engineer” (EUA/Canadá), e o condutor de aviões é o “pilot“.
Pilotar vs. Dirigir
A diferenciação de “pilotar” e “dirigir” começa na origem de cada uma destas palavras. “Pilotar” tem origem no grego antigo “pēdotes“, que era a palavra que designava o sujeito que controlava um barco — fosse por remos ou pelo leme, que eram chamados de “pēdon“. Em latim a palavra se tornou “pilotus“, e designava a pessoa que manobrava embarcações. É daí que vem o nosso “piloto” — e também “pilota”, uma vez que a terminação “-us” designa o gênero masculino no latim, sendo a terminação “-a” a designação feminina (como em “mortuus” e “mortua” para “morto” e “morta”).
Dirigir também tem origem latina, do verbo “dīrigere“, que significa primariamente “endireitar”, mas também “guiar”, “direcionar”, “orientar”.
Como você deve ter percebido, pilotar denota em sua origem uma ação que exige habilidade (a habilidade de colocar um barco em movimento e manobrá-lo), enquanto dirigir tem um sentido de apenas orientar. Carros são evoluções das carroças, que eram puxadas por animais. E os animais eram guiados, orientados, direcionados por uma pessoa — exatamente a definição do verbo latino “dīrigere“, que deu origem ao nosso “dirigir”.
Aviões não derivam de navios, mas da mesma forma que os navios, ele não se movem sem a intervenção humana como os cavalos e bois. Por isso o ato de controlar o movimento e a parada de um veículo é chamado “pilotar”. Como curiosidade, até mesmo os condutores de balões são chamados “pilotos”.
Piloto vs. motorista
Já vimos mais acima a origem da palavra “piloto”. E motorista? De onde vem? Ela é formada por derivação sufixal: o radical “motor” é combinado ao sufixo “-ista” — que indica o uso. Portanto, motorista é aquele que usa o motor, da mesma forma, motociclista é aquele que usa o motociclo. Caso você esteja se perguntando, “motor” e “motociclo” derivam do radical latino “moto“, que significa “movimento”.
Piloto, como vimos mais acima, é aquele que conduzia e manobrava embarcações. Por analogia ao comando de um veículo de propulsão não-animal, o termo passou a ser usado para designar condutores de balões e aviões. O uso de “piloto” para o motociclista ou motorista de competição provavelmente se deve ao fato de a atividade exigir uma técnica específica, como a dos pilotos de navios e balões.
Nas línguas germânicas como o inglês, alemão, as línguas nórdicas e o holandês, não existe esta distinção. Em inglês, todo motorista, seja ele amador, profissional ou de competição, é chamado de “driver“, embora “motorist” e “pilot” também sejam usados como recurso de estilo textual com o mesmo sentido usado nas línguas latinas. Você pode dizer que está “piloting a car” no sentido de estar dirigindo com habilidade. A palavra “driver” vem do proto-indo-europeu “dʰreybʰ”, que significa “empurrar”, ou “fazer mover”, enquanto “pilot” tem a mesma origem de “piloto” — já mencionada mais acima.
Dirigir a moto ou pilotar a moto?
Com as motos o negócio é um pouco diferente. Já faz algum tempo que a expressão “guiar moto” deu lugar a “pilotar moto”. Mas por que quase não se fala “dirigir moto”?
Existe um senso comum de que a moto não se dirige porque ela não tem volante, e por isso ela é pilotada. Essa relação entre o verbo “dirigir” e o uso de um volante é meramente cultural, e não tem embasamento histórico ou etimológico. Formalmente não se usa nem dirigir, nem pilotar, e sim “conduzir” (e isso vale também para carros), mas também não há nenhuma imprecisão em falar “dirigir moto”.
No inglês, quem conduz a moto é “rider”, seja nas ruas e estradas ou em competições. A origem da palavra é o proto-germânico “rīdaną“, que era usada para designar o ato de ser transportado sobre algo, como em um cavalo. Pela semelhança de se montar em um cavalo e a posição na qual se conduz uma moto e uma bicicleta, os condutores destes veículos passaram a ser chamados de “riders“.