Depois que falamos do hoverboard da Lexus, no Zero a 300 de 25 de junho deste ano, brincamos que o ideal seria a marca japonesa mostrar o produto final antes do dia 25 de outubro de 2015, que é quando Marty McFly vem do passado para ver a bagunça que fez em sua vida no filme “De Volta para o Futuro 2”. Um universo certamente paralelo, com muita coisa que realmente existe, mas outras que não se concretizaram, como já mostramos por aqui.
O fato é que ou a Lexus nos ouviu ou seu planejamento já estava bem adiantado. O hoverboard está entre nós.
Ainda que a empresa não tenha falado do princípio utilizado para a prancha levitar no primeiro vídeo que divulgou sobre ele, já era possível especular que ela usava levitação magnética, com o uso de supercondutores, o que explicava a fumaceira que o hoverboard emitia. A tal névoa era a evaporação do nitrogênio líquido usado para refrigerar os supercondutores. A prancha até usa dois orifícios de cada lado exatamente para isso.
Hoje, a Lexus confirmou isso. E foi além: contou todo o processo de criação e criou um site dedicado ao projeto.
Para começar, ela falou de sua motivação para criar o hoverboard: fazer o impossível. Isso, na verdade, é uma fala do engenheiro chefe da Lexus, Haruhiko Tanahashi. Ele disse textualmente o seguinte: “Não existe esse negócio de impossível. A questão é descobrir como”. Que foi encampada por Atsushi Takada, responsável mundial pelo gerenciamento da marca. E que acabou resultando no projeto Slide, o hoverboard do qual estamos falando.
Em suma, eles descobriram como: usando os tais supercondutores. Mas voltamos à questão da motivação: pra quê? Pelo que consta, a Lexus não tem a menor intenção de colocar o hoverboard à venda. Em boa medida, por conta do que vamos contar mais adiante. Como se sabe, empresas costumam ter apenas duas motivações: vender ou ajudar a vender. O papel do Slide é ajudar a vender carros, reforçando a imagem da Lexus como empresa inovadora.
Para desenvolver o projeto, a marca contou com a ajuda dos engenheiros de levitação magnética Dietmar Bergman e Ludwig Schultz, do Instituto de Pesquisa de Materiais e Solid State Leibniz, de Dresden, na Alemanha. Schultz é um dos pioneiros no estudo de supercondutores, como mostra o vídeo de desenvolvimento do Slide, abaixo.
Eles levaram 30 dias para chegar ao primeiro sucesso de levitação. No 55º dia do projeto, foi feito o primeiro teste de suporte de peso. Dez dias depois, no primeiro teste de peso de uma pessoa, houve a primeira falha. No dia 74, os projetistas voltaram à prancheta.
O desenho do hoverboard começou a ser traçado a partir do 180º dia de projeto. A partir do dia 226, a Lexus começou a busca alguém capaz de andar com o hoverboard. Como ele ainda estava em desenvolvimento, não era algo que qualquer um pudesse montar. A tarefa acabou ficando a cargo de Ross McGouran, skatista profissional.
De início, a Lexus estudou o uso de um criostato só.
Criostatos são recipientes de controle de temperaturas muito baixas nos quais são colocados o nitrogênio líquido e os supercondutores, feitos de YBa2Cu3O7- (um material cujo nome é difícil de encontrar em português, mas que é yttrium barium copper oxide, ou óxido de ítrio, bário e cobre). Para funcionar, o Slide tem de manter seus supercondutores a temperaturas de -197ºC. E só: não há eletricidade envolvida.
Com a ajuda de McGouran, ficou definido que o melhor conceito usaria dois criostatos, provavelmente para uma maior estabilidade.
Em torno deles, seria feita uma estrutura de suporte de baixo peso, projetada pelo engenheiro Glenn Haddock. A parte inferior, que contém os criostatos, aparenta ser de alumínio, enquanto a tampa é feita de bambu, com o emblema da Lexus para arrematar.
Com 11,5 kg, peso que inclui as 32 placas de YBa2Cu3O7-, 50 onças de nitrogênio líquido (cerca de 1,42 kg), os criostatos e a estrutura que os mantém juntos, o Slide suporta pesos de até 200 kg. Quanto maior o peso do “piloto, mais próximo do piso ele fica. A marca não divulgou outros dados do Slide, como largura ou comprimento, mas ele flutua a cerca de 3 cm do chão.
Um supercondutor precisa de magnetos permanentes para levitar. Os que o Slide usa são de NdFeB, que você conhece popularmente como ímãs de neodímio. São os que estão na maior parte dos discos rígidos de computador.
Uma vez colocado sobre uma trilha de ímãs, o supercondutor se mantém ali e segue o caminho traçado por eles. E é aí que vem a pegadinha: só dá para andar no hoverboard da Lexus em uma pista construída especificamente para ele (vai ver é por isso que o Hoverboard do Marty McFly não funciona sobre a água). E essa pista, chamada de Hoverpark, foi criada em Barcelona a partir do dia 334 do desenvolvimento da prancha.
A construção levou 60 dias e foi concluída no dia 394. Em vez de ser de concreto, como ela aparenta, a pista usa estruturas de madeira com uma cobertura extremamente fina sobre a trilha de ímãs de neodímio. Depois de 403 dias de trabalho, ou seja, hoje, dia 5 de agosto, a Lexus apresentou o projeto. E levou um monte de gente a Barcelona para andar no Slide.
Não há como controlar a direção do hoverboard. O que o cara precisa ter é velocidade e equilíbrio, mais nada. No caso dos saltos, um bocado de habilidade, coisa que Ross McGouran mostra ter mais do que suficiente nos vídeos. Mas ele basicamente se mantém no trilho traçado com os magnetos de neodímio. Sem atrito que não com o ar. E, se o caboclo for muito pesado, também com o piso.
Resumindo, Marty McFly teria tomado um couro daqueles do Griff, neto do Biff, se tivesse dependido do hoverboard da Lexus. E ele é, sim, apenas uma peça de “branding”, parte da campanha “Amazing in Motion”, que inclui coisas como o Strobe, um espetáculo com artistas com roupas luminosas, Swarm e Steps, além do Intersect, um espaço em Tóquio que a empresa usa para transmitir seus valores. Mas foi uma das melhores ideias de marketing dos últimos anos. Sorte de quem conseguir dar uma voltinha de Slide. Vai que a Lexus cria um parque temático e o coloca como uma das atrações principais?