No final do século 15 Leonardo da Vinci inventou um mecanismo para equalizar a velocidade de desenrolamento de molas de torção. As molas de torção são aquelas molas enroladas, usadas em mecanismos de corda, e como você já deve ter percebido em um relógio de corda, a energia destas molas não é constante, ficando menor à medida em que a corda se desenrola.
Da Vinci imaginou um dispositivo que fosse capaz de manter o movimento da mola constante até seu desenrolamento completo de forma que o movimento de saída seria constante independentemente do movimento de entrada. A mola seria conectada a uma engrenagem ligada à um eixo paralelo de saída por meio de uma engrenagem cônica. Quando a corda iniciava o desenrolamento, liberando mais energia (girando mais rapidamente), o contato era feito com a parte mais estreita da engrenagem cônica. À medida em que a energia da mola decaía, a engrenagem cônica era movida de forma que a mola fizesse contato com a parte mais larga.
Troque a palavra mola por virabrequim e você verá que Da Vinci inventou o câmbio CVT cerca de 400 anos antes da invenção do automóvel. A história da engenharia é repleta de casos como este, nos quais um conceito antigo passa anos esquecido — ou até mesmo considerado obsoleto — até que uma nova tecnologia permite que ele seja reaproveitado em sua plena capacidade. Motores elétricos, injeção direta, compressores e desativação de cilindros poderiam muito bem ser a descrição do powertrain um carro híbrido moderno, mas também são tecnologias criadas no início do século 20 que caíram em desuso e renasceram devido ao avanço de outras áreas.
O primeiro carro de Ferdinand Porsche, por exemplo, era um híbrido com motores elétricos nas rodas, como o Porsche 918 Spyder. A sobrealimentação por compressores nasceu nos anos 1910 em motores aeronáuticos, pouco antes da injeção direta de combustível. A desativação de cilindros é ainda mais antiga: o primeiro conceito de um motor com deslocamento variável foi criado no final do século 19, nos motores estacionários “hit and miss” — algo como “perde e ganha”. Eles têm este nome pois são motores desenvolvidos para operar em uma determinada faixa de velocidade. Se o motor estiver acima desta velocidade, não há combustão e o pistão apenas empurra o ar para fora do cilindro, assim regulando a velocidade.
Esse tipo de motor foi muito usado entre os anos 1910 e 1930, mas caiu em desuso com o barateamento de motores estacionários mais modernos e o surgimento de bombas e motores elétricos. E foi lá no esquecimento que ele ficou até o final dos anos 1970.
Depois de passar por duas crises do petróleo em menos de 10 anos, a indústria automobilística de todo o mundo deixou o desempenho dos motores um pouco de lado para se concentrar na economia de combustível. No Brasil, o governo percebeu que precisava reduzir a dependência do petróleo e criou o Programa Nacional do Álcool. Lá fora, o jeito mais barato e imediato de entregar economia, foi cortar o desempenho. Os motores foram literalmente estrangulados para consumir menos combustível mas, como isso tinha o efeito colateral de matar o desempenho dos carros, esta não poderia ser uma opção permanente. Especialmente se os preços do petróleo jamais voltassem ao patamar onde estavam antes das crises — o que acabou acontecendo.
Paralelamente a isto os fabricantes desenvolveram tecnologias de economia de combustível. Foi quando o gerenciamento eletrônico dos motores (injeção e ignição) se popularizou e evoluiu, e também foi quando surgiu a ideia de deslocamento variável. Por que manter todos os cilindros funcionando se você não precisa da potência total do motor em certas ocasiões?
E foi assim que aquele conceito de “hit and miss” da virada do século 19 para o século 20 voltou às pranchetas dos engenheiros. E isso aconteceu quase que simultaneamente nos EUA, na Europa e no Japão.
Em 1981 a Cadillac lançou o motor L62 V8-6-4, que tinha esse nome esquisito porque era um L62 que funcionava com oito, seis ou quatro cilindros, dependendo da demanda por potência. O motor foi desenvolvido em parceria com a Eaton, e usava uma ECU para desativar pares de cilindros em estágios — primeiro um par, depois dois pares. O problema é que o motor era complicado de manutenção e de reparo, e foi mal compreendido pelo público. Para piorar, o sistema começou a sofrer com falhas eletrônicas o que arruinou a imagem do sistema e levou a Cadillac a encerrar a produção do V8-6-4.
Naquele mesmo ano a Alfa Romeo desenvolveu um motor 2.0 para o Alfetta que era capaz de desativar metade dos cilindros por meio do controle eletrônico da ignição e injeção. Os italianos fizeram uma pequena frota de 10 carros para taxistas de Milão, e observaram uma economia de 12% em relação ao 2.0 injetado convencional e de 25% em relação ao 2.0 carburado. Foi um resultado bastante positivo que levou a Alfa a produzir uma série de 1.000 exemplares postos à venda ao público geral em 1983. No total foram vendidas 991 unidades, mas o projeto foi encerrado sem explicações.
No ano seguinte, a Mitsubishi desenvolveu o seu motor de deslocamento variável pela desativação dos cilindros. Primeiro foi no motor 4G12 de 1,4 litro, que funcionava com dois cilindros em parte do tempo, e depois os motores V6 da marca. No caso da Mitsubishi os motores funcionavam sem problemas, mas a falta de feedback dos clientes significava que o sistema não era um motivador de compra, e por isso ele acabou tirado de linha. A Mit ainda tentou investir no conceito em 1993, desta vez usando o sistema Mivec de variação de comando de válvulas, mas como a maior parte da economia se devia ao controle das válvulas e não à desativação de cilindros, o sistema foi aposentado em 1996.
Foi no início dos anos 2000 que o conceito voltou a ser utilizado, mas agora não apenas para economizar combustível, mas também para reduzir os índices de emissões. Primeiro com a Daimler-Chrysler em 2004, depois com a GM em 2005. Mais recentemente a Volkswagen, a Ford e a Mazda também adotaram estes sistemas em seus motores.
Como funciona a desativação de cilindros?
A desativação de cilindros só é possível graças à evolução do gerenciamento eletrônico dos motores, que atualmente usa sensores de detonação, sensores de posição do virabrequim, sensores de oxigênio, de posição da borboleta, acelerador eletrônico etc. A ECU do motor, que é responsável pela desativação, cruza os dados destes sensores para determinar quando o carro está com velocidade constante e carga parcial do acelerador, que é o momento em que a demanda por potência é menor.
Nesse momento, o controle de ignição deixa de disparar a centelha nos cilindros que serão desativados, enquanto o controle de injeção de combustível corta o pulso elétrico que aciona as válvulas injetoras — eliminando desta forma dois componentes da combustão. O pistão, obviamente, continua se movimentando no cilindro desativado, uma vez que ele está conectado aos pistões dos outros cilindros pelo virabrequim.
O outro componente da combustão, o ar, poderia continuar entrando e saindo do cilindro desativado, mas o tempo de compressão causaria um efeito de mola, aumentando a resistência contra o pistão, o que anularia os benefícios da desativação. Este, aliás, é o princípio do freio motor: ocorre o corte do combustível e ignição, e a compressão do ar admitido sem combustível é quem desacelera o motor. Seria possível manter as válvulas abertas, mas a pulsação do cilindro desativado afetaria o fluxo dos gases de escape dos cilindros ativos. Por isso, na desativação de cilindros o gerenciamento dos comandos de válvulas fecha ambas as válvulas após a interrupção da combustão e do esvaziamento dos cilindros, de forma que o pistão não encontre resistência.
É no comando de válvulas que está a parte mais complexa do sistema de deslocamento variável/desativação de cilindros. Como o virabrequim, o comando de válvulas continua atuando sobre as válvulas dos cilindros ativos. Para contornar isso, é preciso usar mecanismos que anulem a ação do comando sobre as válvulas que devem permanecer fechadas. A forma depende do tipo do motor.
Em motores com comando no bloco, com as válvulas atuadas por varetas (pushrods), os balancins são presos às varetas por pequenos pinos, que são movidos por pressão hidráulica. Quando a desativação de cilindros é acionada, um solenóide altera a pressão do óleo e desloca o pino que trava a vareta no balancim. Desta forma, as varetas continuam se movendo, mas sem mover os balancins, que mantêm as válvulas correspondentes fechadas. Para reativar os cilindros, o solenóide volta a modificar a pressão do óleo, o pino se acopla ao balancim e as válvulas voltam a ser acionadas. Há uma variação deste sistema que
Nos motores com comando no cabeçote há diversas formas de anular o movimento do comando sobre as válvulas. Em comum, todos eles atuam sobre os balancins. Nos mais simples, cada válvula dos cilindros que são desativados (são sempre os mesmos, ok?) usa dois balancins. Um deles é sempre movido pelo comando e não atua sobre as válvulas. A atuação das válvulas é feita pelo outro balancim, mas ele só se move quando é acoplado ao primeiro por um pino, que é movido por pressão hidráulica. Quando o cilindro é desativado, um solenóide altera a pressão do óleo no sistema, o que move o pino e libera este balancim “seguidor”. Desta forma o balancim atuado pelo comando se move separadamente, enquanto o outro permanece parado, mantendo a válvula fechada.
Nos motores Skyactiv da Mazda, o sistema usa uma base móvel no pivô do balancim. Quando o cilindro está ativo, um pino (com acionamento hidráulico) trava o movimento do lado do balancim oposto à válvula. Para manter a válvula fechada, o pino permite o movimento deste lado do balancim, de forma que ele não move as válvulas.
Na Volkswagen, o comando de válvulas tem uma metade deslizante, que é movida por pressão hidráulica e tem um caminho em espiral para deslocar o came da linha do balancim.
O processo parece demorado, mas é praticamente instantâneo com a atual capacidade de gerenciamento eletrônico, sendo muito semelhante à variação do comando de válvulas.