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Técnica

Dez mudanças para salvar a Fórmula 1 do marasmo e da desgraça

Como vocês viram nesta matéria detalhada que fizemos, o regulamento de 2017 da Fórmula 1 trouxe um maremoto de mudanças técnicas que resultaram em até 1G a mais de aceleração lateral e que devem reduzir os tempos de volta em até quatro segundos (!). A maior parte destas mudanças nós gostamos bastante, algumas sentimos que ficaram pelo caminho. É um fato que a categoria deixou de ser algo unânime e que perdeu relevância de forma assombrosa de dez anos para cá. Desde o fim do ano passado sob a direção econômica, administrativa, esportiva e técnica da Liberty Media (e a consequente demissão de Bernie Ecclostone), espera-se que mais mudanças na categoria aconteçam para a melhor. E é bom que aconteçam, ou não duvidamos que a imagem de abertura desta matéria se concretize em alguns anos.

Mas e se a Fórmula 1 fosse do FlatOut? Bem, depois de dar uma boa refletida nas coisas que mais nos incomodam, chegamos a esta lista de dez itens. Certamente você, leitor entusiasta, vai concordar com algumas e discordar de outras. Não deixe de participar nos comentários contribuindo com os seus pitacos!

 

1) Motores V10 aspirados híbridos com alto e bom som

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A Adidas pode investir em estilo de vida e em pura performance, mas abandonar as três faixas paralelas, jamais. A Coca-Cola pode abandonar o açúcar de cana e assumir o de milho ou brincar com aromas de cereja e de baunilha, mas abandonar a cor negra de sua bebida, sem chance. Infelizmente, do alto de sua soberba e em nome de um discurso politicamente correto, a Fórmula 1 decidiu arruinar a principal assinatura de seu brand desde o nascimento: o ronco agudo e intenso de seus motores deu lugar a um misto de choro de dinossauro com aspirador de pó.

O ronco intenso, que vinha como um tsunami e que podia ser ouvido a quilômetros de distância, era o motivador que fazia as crianças imitarem os carros. E que fazia as crianças crescidas pagar ingressos para assistir ao vivo e se arrepiar ao ouvir o som vindo do outro lado do muro durante os testes matinais, quando ainda estavam na fila da entrada.

O vídeo abaixo mescla imagens dos testes pré-temporada deste ano com o ronco dos fórmula V10 aspirados de três litros (1995 a 2005, pois entre 2006 e 2013 se tornaram V8 2.4, com rotações cada vez mais limitadas). É isso o que perdemos.

Os turbos não dependem da Fórmula 1 para evoluir, até porque eles chegaram na categoria já no fim da festa. O WEC e o WRC já fazem esse trabalho há muitos anos. Por uma questão de conceito de projeto, motores turbo atingem rotações bem mais baixas e ficam com ronco abafado por usarem o sistema de escape para movimentar a turbina. Estes dois pontos são o equivalente a mudar a cor da bebida da Coca-Cola para amarelo.

Veja o vídeo abaixo, agora realmente com o som da F1 de 2017. O ronco não é ruim, mas comparado ao vídeo acima, temos uma humilhação.

Nossa proposta é que os motores continuem híbridos (com o auxílio da propulsão elétrica), mas os motores a combustão devem voltar a ser V10 aspirados, talvez com deslocamento menor que os tradicionais três litros. Em vez de limitar a rotação máxima ou o fluxo de combustível, seguir o padrão do WEC e estabelecer limites de consumo energético por volta em megajoules para ambos os sistemas (combustão e elétrico). Os elétricos também devem continuar com teto de potência. Em paralelo, aperfeiçoar e estimular o modelo de fornecimento para outras equipes, com preferência para equipes com menor orçamento e/ou aporte de patrocinadores; buscando diluir custos e estimular competitividade.

O sigilo de potência, algo um pouco anacrônico e que reduz o interesse da audiência, seria transformado em um sonoro espetáculo de mídia: um evento de sessão de dinamômetro na semana da primeira prova do campeonato, com gráficos de potência e torque nas rodas abertos ao público e aos rivais. Como as ECU já são padronizadas, trapaças ficam particularmente difíceis e também ficaria transparente o rendimento dos motores de clientes em relação às matrizes.

Com as informações de potência transparentes, na sequência pode ser definido o fator de compensação para os motores menos potentes para aquela temporada, liberando alguns kW e MJ dos sistemas elétricos – o suficiente para aproximar um pouco o spread, mas não tanto a ponto de desestimular o desenvolvimento.

 

2) Limitar o downforce resultante de forma empírica

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Há décadas que a Fórmula 1 persegue o próprio rabo tentando limitar as fontes de aderência aerodinâmica, impondo restrições que acabaram estimulando as equipes a caçar pixels e criar centenas de sub-apêndices aerodinâmicos e soluções esteticamente chocantes, como os narizes fálicos. Com o congelamento dos motores acompanhado de regras ultra-restritivas a eles, a maior parte do orçamento de desenvolvimento da Fórmula 1 vai para a aerodinâmica, que está em um ponto tão específico de evolução confinada que dificilmente traz ou trará benefícios que possam ser explorados fora de seu universo.

Nossa proposta é simples: em vez de buscar limitar dimensões, ângulos, silhuetas e enfiar uma prancha de madeira sob o assoalho, matar de vez a raiz do problema. Ser mais liberal nas formas (o que contribuiria para maior diversidade estética), mas limitar o downforce resultante gerado pelo veículo em kg, aferido de forma empírica. Além disso, todas as evoluções aerodinâmicas on-season devem ser submetidas a esta aprovação, o que irá desestimular o excesso das equipes mais ricas por questões de logística, prazo e custo. Há duas alternativas para os testes. 1) Em um túnel de vento determinado pela FIA que possa ser capaz de criar uma simulação de velocidade realmente alta ou 2) Agora que a Fórmula 1 está sob controle dos norte-americanos, qual seria o impeditivo de alugar e até aperfeiçoar o quase-secreto complexo de túneis da Chip Ganassi (foto abaixo)?

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Por fim, para evitar trapaças com componentes flexíveis, todas as peças aerodinâmicas devem ser submetidas a testes de flexão que simulem a pressão aerodinâmica a 350 km/h em diversas temperaturas. Além disso, os testes aerodinâmicos do parágrafo acima seriam feitos em ao menos três combinações de ângulos de ataque dos aerofólios (mínimo, máximo, intermediário) para evitar brechas de fluxo.

Com esta limitação de downforce resultante, o investimento monstruoso em aerodinâmica deixa de ser tão interessante. Neste campo, as duas principais rotas evolutivas acabam sendo interessantes: reduzir o arrasto para ganho de performance e aumentar a razão de downforce em relação à velocidade.

 

3) Mais aderência mecânica na dianteira e menos aerodinâmica

Faz ao menos vinte anos que as disputas por posições na Fórmula 1 apresentam o mesmo problema técnico: os perseguidores não conseguem se manter tão próximos do rival adiante em curvas de média e alta velocidade, quanto menos em trechos sinuosos consecutivos, devido ao stall (perda de sustentação aerodinâmica) da asa dianteira do perseguidor, causado pelo ar sujo, turbulento, deixado pelo carro imediatamente à frente. O problema é tão grave que afetou até mesmo a filosofia das construções dos novos autódromos, que trazem retas imensas finalizadas com curvas fechadas, criando um cenário artificial de ultrapassagem.

Para piorar, o regulamento de 2017 decidiu aumentar a largura das asas dianteiras de forma proporcional ao ganho de dimensões dos eixos (20 mm). Perdeu a chance de retrabalhar esta proporção de grip mecânico e aerodinâmico. Nossa sugestão é aumentar ainda mais a largura dos pneus dianteiros e retrabalhar as asas dianteiras: o regulamento deve simplificar estes componentes, eliminando a cascata de apêndices e limitando a três peças: plano principal, flap principal e endplate. Adicionalmente, o flap terá dimensões reduzidas e o endplate não poderá conter apêndices anexos. Em resumo, voltaremos às asas do fim dos anos 90.

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Um bônus diretamente relacionado a isso é que, com menos aderência aerodinâmica na dianteira, as equipes ficarão amarradas em relação à proporção de downforce na traseira gerada pelo difusor e pela asa traseira. Com menos agressividade aerodinâmica na traseira, a massa de ar turbulenta largada atrás do perseguido cai bastante, ajudando a reduzir ainda mais as dificuldades do perseguidor. Com a queda de proporção do grip aerodinâmico e aumento do mecânico, há uma equidade técnica maior entre o carro da frente e o que quer ultrapassar.

 

4) Limitação de fluxo turbulento na traseira

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Em paralelo ao aumento da aderência mecânica e da redução de aderência aerodinâmica na dianteira, sugerimos a introdução de uma comissão de aerodinamicistas com um propósito principal: reduzir o wake, o emaranhado de fluxo aerodinâmico turbulento atrás dos monopostos. Para isso farão uso de alterações no regulamento técnico que define os difusores e as asas traseiras. A esta comissão de aerodinamicistas também caberá avaliar e julgar em conjunto com a FIA os casos de “zona cinza”.

 

5) Um pouco mais de liberdade nas suspensões

De 1993 para 1994 a FIA tomou uma atitude desesperada para conter a dominância da Williams e baniu a seco o sistema de suspensão ativa, que contava apenas metade da história. Na verdade, ela era incrível porque criava o cenário de equidistância do assoalho para o solo ideal para o máximo funcionamento dos difusores projetados por Adrian Newey, não importando a aderência lateral ou as ondulações no asfalto.

Se havia um componente que poderia ter trazido grandes frutos para as ruas, esta foi a suspensão ativa. Em nossa visão, a FIA foi obtusa ao cortar de forma tão radical pela raiz. Já há uma movimentação das equipes em pressionar os dirigentes a reintroduzir esta tecnologia, o que traria a Fórmula 1 ao século 21 novamente. Com a evolução exponencial e o barateamento dos componentes de processamento de dados, o investimento aqui não seria fabuloso como foi nos anos 90. De quebra, aumentaria a proporção de grip mecânico em relação ao aerodinâmico: além dos pontos 2, 3 e 4, lembre-se da comissão de aerodinamicistas.

Em paralelo a isso e quase como uma garantia de viabilidade, sugerimos um modelo parecido com o dos motores. Cada equipe pode contratar a outra para fornecer seus sistemas de forma auditada e com período mínimo de uma temporada. Para facilitar adaptações, a contratante paga o sistema completo, mas pode usar somente partes dele.

 

6) O bom e velho lastro como componente auxiliar de equilíbrio

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Lastro é uma das formas mais antigas que o automobilismo usa para buscar aproximar a performance dos veículos. Aqui, nos inspiramos vagamente no modelo em vigor no campeonato alemão de turismo DTM: a qualificação vai determinar a distribuição dos lastros, que serão distribuídos por equipe, usando como referência o mais rápido do time. Na DTM, na qualificação os carros já carregam 15 kg de lastro e o pole-position pode ganhar até mais 20 kg, resultando numa amplitude máxima de 35 kg entre o pole e o pé-de-pano no fim do grid (o lastro de 15 kg é removido progressivamente em direção ao fim do grid). Na Fórmula 1, certamente estas massas envolvidas seriam menores. Muita diferença de peso deixa as disputas artificiais e estimula fraudes (lentidão proposital) na classificação. Para prevenir este último ponto, também poderia ser avaliada a possibilidade de um lastro extra para as três equipes liderando o campeonato de construtores, em ordem decrescente de acréscimo de peso.

O importante neste caso é visualizar o lastro como uma forma auxiliar de reduzir o spread de performance, mas não equalizar os carros, ou se desestimularia o desenvolvimento técnico.

 

7) Classificação Time Attack “one shot”

Esta mudança embaralharia melhor as cartas no grid, acrescentaria um fator de pressão imenso aos pilotos e traria muito mais retorno para os patrocinadores das equipes pequenas. No sábado de manhã, uma sessão de treinos livres. À tarde, a classificação seria no modelo de time attack: um carro por vez na pista, apenas uma volta cronometrada, o mesmo composto de pneu para todos. Ordem de saída baseada na chegada da corrida anterior ao inverso: o vencedor será o último.

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Para as equipes pequenas e pilotos em ascensão, isso seria incrível: cerca de três minutos (contando a volta de saída dos boxes) com máxima e total exposição de patrocinadores, a chance de um novato botar a faca nos dentes e mostrar serviço, do começo ao fim. Do meio para o fim do campeonato, seria um componente de pressão imenso sobre os contenedores ao título: uma simples travada de roda pode custar meia dúzia de posições no grid. E uma tempestade no meio da sessão embaralharia completamente as cartas.

 

8) Olhar de volta para os autódromos tradicionais

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Sugerimos que o “GP da Europa” deixe de ser algo fixo para ser algo histórico. Claro, não estamos sugerindo que a Fórmula 1 volte ao Nordschleife. Mas circuitos como Donington Park, Estoril, Brands Hatch (foto acima), Bugatti (Le Mans), Magny Cours, Zandvoort, Paul Ricard, Zolder, Jerez ou Dijon podem fazer este rodízio no calendário. Anunciado de forma antecipada, haveria tempo de sobra para possíveis reformas indispensáveis. Sendo uma licença para uma prova mais histórica, a F-1 poderia ser menos gourmet em relação às exigências de infra-estrutura ou extensão da pista e aprender com a DTM, que compete em pistas pequenas como Oschersleben sem nenhum trauma – muito pelo contrário. Se alguém reclamar de segurança, lembre-se de que a Fórmula 1 ainda corre em Mônaco. Tudo é bastante relativo.

 

9) Faixa de grama (grama mesmo, não asfalto pintadinho) como limite da pista

Em nome da segurança, a FIA assumiu que praticamente todas as áreas de escape dos circuitos em que a Fórmula 1 disputa sejam integralmente de asfalto com, no máximo, uma pintura de baixa aderência. O motivo é a velocidade de aproximação nas curvas dos fórmulas. Só que isso teve uma consequência: a displicência dos pilotos com os limites da pista, especialmente em disputas por posições. Também acabaram as surpresas com erros de pilotagem no meio das provas. Os pilotos já sabem exatamente o que fazer nestas faixas asfaltadas pintadas, de forma que o tempo perdido é irrisório e a chance de perda de controle, nula. Uma vez definido o status-quo num circuito a la Tilke, acabou: só uma quebra mecânica surpreende.

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Uma forma intermediária de punir erros ou exageros sem comprometer a segurança é adotar uma faixa de grama de cerca de 5 metros de largura contornando a pista, preservando asfalto na área de escape. Com isso, no caso de uma perda de controle, o asfalto ainda permanece, permitindo o uso intenso dos freios (mesmo que com rodas travadas), mas ao mesmo tempo, acaba a anarquia que atualmente acontece na Fórmula 1 em relação às bordas da pista.

 

10) Humanizar os pilotos e derrubar os muros do media training

A F1 precisa aprender urgentemente com os norte-americanos. Os pilotos precisam ser humanos e acessíveis. O compromisso precisa ser maior com o público que com os patrocinadores. E eles precisam ter a liberdade para falar o que quiserem falar, nem que para isso as equipes sejam obrigadas a assinar um contrato com a FIA e/ou com a Liberty Media assegurando total liberdade de expressão dos pilotos e garantindo a eles um canal de corregedoria sobre as equipes. Atualmente, o media training é tão pesado em cima dos pilotos que as entrevistas são previsíveis e artificiais, bem como as tentativas de se fazer algo descontraído. Raikkonen é a exceção porque ele ignora a maior parte destes protocolos.

Uma vez estabelecido que os pilotos da Fórmula 1 possuem um compromisso com o público maior que com seus patrocinadores, há a abertura para que sejam introduzidos eventos específicos na semana de cada prova e que reúna o grid todo. Festas privê organizadas por patrocinadores em clubes badalados com seus dois pilotos fazem parte do circo, mas tudo não pode ser resumido a apenas este arquipélago de cordões de isolamento. Ou então, que a Fórmula 1 não reclame do público que não se interessa mais por eles.