FlatOut!
Image default
Lançamentos

Dissecamos todos os detalhes do novo Bugatti Tourbillon

Quando a Bugatti voltou à cena automobilística no início dos anos 2000, ela dividiu o público. Alguns, céticos, acharam presunçosa a pretensão de passar dos 400 km/h, outros ficaram animados por vislumbrar um novo patamar de desempenho depois de quase uma década desde o lançamento do McLaren F1.

Em 2005, quando o Veyron finalmente saiu do papel e se tornou realidade, ele continuou dividindo o público. Para uns ele era superlativo, para outra parte do público ele era apenas exagerado, sem o comedimento que um produto de alto luxo deve ter. O estilo do carro, por exemplo, não é dos mais inspirados e ainda trazia muito dos conceitos noventistas da era Romano Artioli. Ele era mais espalhafatoso que elegante, quase vulgar.

Essa sensação de excesso vulgar também dava as caras quando a Volkswagen anunciava seus superlativos: quatro turbos, dez radiadores, pneus de 30.000 dólares. Parecia tudo muito ostensivo, algo criado mais para ser exibido do que dirigido. A potência declarada era uma evidência disso: não eram 1.000 cv, mas 1.001 cv. Esse 1 cv extra não faz diferença nenhuma na prática. Mas serve para você contar pra todo mundo que tem “mais de 1.000 cv”.

Eu sei que ele chegou aos 408 km/h e depois passou disso quando ganhou a versão Super Sport e Grand Sport Vitesse, chegando aos 431 km/h e elevando um pouco mais a barra do recorde de velocidade dos carros produzidos em série. Mas ele ainda era muito mais um acessório de ostentação do que um carro que seria admirado e usado por bilionários entusiastas.

Essa impressão mudou consideravelmente com seu sucessor, o Chiron. Lançado em 2016, ele era basicamente um Veyron atualizado, com visual mais refinado, motor mais potente e um comportamento dinâmico mais equilibrado. O motor passou a produzir 1.500 cv, mas isso deixou de ser o foco principal da divulgação do carro, assim como a velocidade máxima ou os exageros técnicos dele. A Bugatti, aliás, dizia que ele era capaz de superar os 440 km/h, mas ele era limitado pela fabricante a 420 km/h — quem quisesse ir além, precisava solicitar à Bugatti a reconfiguração do limitador. De repente, a velocidade máxima não era mais o foco da marca.

Foi ali também que a Bugatti começou a oferecer modelos feitos por encomenda, ao estilo dos antigos coachbuilders, considerando as atuais limitações, claro. O foco passou a ser o refinamento e a exclusividade. A marca claramente havia amadurecido. Isso ficou claro nesta última quinta, quando a Bugatti apresentou o Tourbillon.

Para apreciá-lo, encare a trajetória da Bugatti atual da seguinte forma: o Bugatti Veyron era um adolescente muito competente e talentoso, mas ainda sentindo a necessidade de se auto-afirmar para conquistar seu lugar. Por isso ele precisava contar para todo mundo seus feitos e suas capacidades. Era um falastrão convencido. Depois ele cresceu e se tornou o Chiron, um adulto que já conquistou seu espaço, provou sua competência e, por isso, começava a se consolidar.

Agora, com o Tourbillon, a Bugatti é um adulto maduro. Um cinquentão satisfeito, ciente de suas capacidades e realizações, mas que não sente a necessidade de se mostrar por aí. Sua essência fala por si. Ele não precisa aderir a modismos, nem se comparar aos concorrentes. Ele sabe quem é e seu público também. A própria Bugatti reconhece isso, ironicamente usando como exemplo a mesma impressão que eu tive ao comparar os três modelos: “Esse carro é elegante. E elegância é um questão de ser lembrado, não é chegar gritando ‘olha pra mim!’. Foi por isso que escolhemos uma cor sóbria. Ela é quase discreta para esse carro”, disse o designer Frank Heyl na ocasião do lançamento.

Essa discrição elegante aparece em praticamente todos os aspectos do carro. O motor deixou de ser o excêntrico W16 quadriturbo, algo que somente a Bugatti usou em toda a história. Em seu lugar, agora há um V16 que, embora seja raro, é um layout antigo e já foi usado em outras duas ocasiões por outras marcas — a pioneira Cadillac com o modelo V16 de 1930, e a Cizeta-Moroder com o V16T nos anos 1990. BMW e Mercedes até pensaram em fazer sedãs V16, mas desistiram na fase de protótipos, e a Rolls-Royce chegou a fazer um conceito com motor V16 para o Phantom, mas também nunca colocou o motor na linha de produção.

Também sem nenhuma vaidade, ele assume a identidade híbrida com um layout convencional de três motores, sendo dois na dianteira, formando um “eixo elétrico” e um na traseira. Cada um tem 335 cv, mas  a potência combinada é de 800 cv. A diferença aqui é que o conjunto foi feito pela Rimac exclusivamente para ele, e não é compartilhado com nenhum outro modelo ou marca do Grupo.

A finalidade do conjunto elétrico aqui, além de complementar a potência do motor V16 com mais 800 cv, é otimizar as repostas de aceleração e preencher os espaços de torque durante as trocas de marcha, mantendo a aceleração contínua. Mesmo assim, sua bateria de 25 kWh pode fazer o Tourbillon rodar usando apenas eletricidade por 60 km/h, e é possível recarregar a bateria de zero a 80% em apenas 12 minutos, graças ao hardware de recarga de 800 V.

Quanto ao V16, ele é uma configuração pouco comum por ser algo difícil de se fazer de forma confiável. O Cizeta, por exemplo, literalmente unia dois V8 usando a transmissão do carro como elemento de ligação. Por isso, o carro tinha dois virabrequins, um para cada metade V8 do V16. No Cadillac, contudo, o V16 tinha sua capacidade limitada pela resistência dos materiais da época devido à mesma característica que matou o motor oito-em-linha: seu virabrequim era longo demais e, por isso, propenso a torção e eventual quebra. Imagine quase um metro de virabrequim, recebendo força axial e radial combinadas o tempo todo.

Hoje, contudo, a tecnologia de materiais avançou de forma que é possível fazer um V16 confiável. A questão era realmente a viabilidade econômica — alto custo e baixo volume de produção —, mas como a Bugatti resolve seus problemas financeiros com um altíssimo valor agregado, foi possível desenvolver e fabricar o V16 para o Tourbillon.

O motor é uma obra-prima da engenharia moderna. Desenvolvido em parceria com a Cosworth, ele é aspirado, desloca 8,3 litros e gira até 9.000 rpm para produzir 1.000 cv. Sim: 1.000 cv de um V16 aspirado, sem nenhuma assistência elétrica ou sobrealimentação. O efeito colateral da tecnologia do motor — basicamente o uso extensivo de ligas de alta dureza — foi seu baixo peso: apenas 252 kg. Como comparação, o W16 do Chiron pesava 400 kg.

Ao que tudo indica, o motor precisou ser leve por causa da hibridização do carro: os três motores, os respectivos módulos controladores, a bateria e seu sistema de arrefecimento pesam, juntos, 300 kg. O powertrain, portanto, pesa pouco menos de 560 kg, mas mesmo assim o Tourbillon é apenas 4 kg mais pesado que o Chiron, chegando aos 2.000 kg exatos.

Com praticamente o mesmo peso, um total de 1.800 cv (300 cv a mais que o Chiron) e aerodinâmica ainda mais avançada, é natural e esperado que o Tourbillon seja mais rápido e mais veloz que seu antecessor. A Bugatti afirma que ele pode chegar aos 445 km/h com a chave especial que libera o modo de velocidade máxima. Sem ela, você só poderá acelerar até 380 km/h como no Veyron e no Chiron.

Não é apenas o powertrain e o peso controlado que ajudam a fazer do Tourbillon um carro mais rápido que seus antecessores. A aerodinâmica também deu um passo adiante. Como no Chiron, o Tourbillon também tem tomadas de ar na dianteira, sob os faróis, que resultam no chamado “para-lamas flutuante”.

Ele não flutua de verdade, porque fica preso ao monocoque, afinal, mas permite a passagem de um volume significativo de ar, direcionado para as laterais do carro, que acabam chegando às tomadas de ar da traseira, escondidas sobre a “linha Bugatti”, que é como a marca chama aquela curva em forma de C das laterais, que foi trazida diretamente do Bugatti Royale Type 41 dos anos 1930. Ali também está o acionamento elétrico das portas diedrais. Elas se abrem e fecham de forma motorizada, acionada pelo controle remoto, ou no próprio carro.

Outro elemento importante da aerodinâmica do Tourbillon é seu difusor e seus dutos sob o carro. Como o Tourbillon usa uma estrutura completamente nova, alguns componentes se tornaram elementos estruturais, entre eles estão os dutos de admissão da dianteira, os dutos do assoalho, que direcionam o fluxo ao difusor e até mesmo a bateria, que fica posicionada no túnel entre motorista e passageiro, à frente da parede corta-fogo do cofre.

Também é ali que estão moldados os dutos do difusor. Como são elementos estruturais, eles não estão aplicados sob o assoalho do carro, mas são o próprio assoalho, e isso permite que eles tenham uma geometria ideal para que o difusor seja embutido sob o carro, sem ficar pronunciado na traseira, algo que quebraria o refinamento elegante almejado pela Bugatti neste carro. A traseira ainda tem a asa móvel integrada, que permanece oculta no modo de velocidade máxima, ou se eleva para produzir downforce em situação de pista ou para atuar como freio aerodinâmico.

Abra as portas e entre na cabine e você terá a confirmação da maturidade deste carro: não há telas por todos os lados. Telas são uma tecnologia banal, e a Bugatti pretende que este carro seja “eterno” (ela usa exatamente esse termo no material de lançamento). Não dá para imaginar um Bugatti Tourbillon em um Concours d’Elegance e 2044 ostentando um painel digital que mais parece um tablet de 20 anos. Por isso, a Bugatti decidiu recorrer a uma tecnologia mais duradoura e permanente: mecanismos de relógios.

Bem, quem conhece um pouco de relojoaria sacou a influência desde o momento em que viu o nome do carro pela primeira vez. Tourbillon é um mecanismo usado em relógios mecânicos de alto luxo. Traduzido como turbilhão, ele tem este nome porque concentra a âncora do escape e a roda de balanço do mecanismo — uma efetivamente provoca a contagem do tempo com seu movimento de balanço e outra controla esse movimento para que ele seja sempre preciso, e é deles que vem o “tic-tac” — em uma gaiola rotativa para otimizar a precisão do mecanismo.

Por mais simples e antiga que ela possa parecer (foi inventada há mais de 200 anos), ela é uma tecnologia incrivelmente avançada e um mecanismo complexo de se fazer devido à sensibilidade dos materiais, fundamental para a precisão almejada. Ela é tão complexa que seu próprio criador, o famoso relojoeiro suíço Abraham-Louis Breguet, morreu antes de vê-la funcionando corretamente.

O nome do carro, portanto, acabou influenciando a estética da cabine. Há apenas duas telas, e uma delas só é exibida quando em uso, por meio de um sistema eletromecânico que a oculta automaticamente. A outra tela está na base do instrumento principal do quadro de instrumentos, discreta, marcando apenas a velocidade e outras informações de condução. Mas ela quase desaparece nesta pequena obra de arte mecânica que a Bugatti instalou no Tourbillon como quadro de instrumentos.

O quadro é totalmente mecânico, feito por relojoeiros suíços exclusivamente para as 250 unidades que serão fabricadas. Quem fez? A Bugatti não disse, mas isso não importa. Eu não duvido que tenham sido realmente mestres-relojoeiros suíços, porque cada um dos instrumentos realmente tem um mecanismo de movimento para seus ponteiros, parcialmente exposto. O velocímetro e o conta-giros, por exemplo, são concêntricos como o mecanismo de horas e minutos e segundos de um relógio. O mecanismo remete mesmo a um turbilhão exposto, e lembra vagamente o volante de quatro raios dos antigos Bugatti.

O volante do Tourbillon, aliás, também remete a um turbilhão mecânico e ao volante de quatro raios. Olhando rapidamente para a foto, você pode achar que ele tem três raios como os anteriores, mas é um golpe de vista. São apenas dois raios ligando o aro ao cubo, e eles são verticais. Os dois “pods” nas posições 3 horas e 9 horas são meras protuberâncias do aro, sem ligação com o cubo do volante, que… é fixo — aparentemente também como uma referência aos turbilhões de relógios; veja ele de lado e você notará uma certa semelhança.

Ainda na cabine, uma novidade: os bancos não correm mais sobre trilhos, mas são fixos diretamente à estrutura do carro — toda feita de carbono T800. Quem se ajusta são os pedais e a coluna de direção — por isso o belo quadro de instrumentos é afixado ao cubo do volante, e por isso o cubo é fixo. Esse sistema permitiu que os bancos fossem posicionados mais baixos, rebaixando também a linha de teto do carro, tornando ele mais baixo sem comprometer a altura de rodagem.

O design externo do carro — o ponto mais controverso do Bugatti Veyron de 20 anos atrás, curiosamente é o mais discreto aqui. É como se ele tivesse trocado suas roupas esportivas coloridas por um traje sóbrio e elegante, mais adequado a um adulto seguro de si. Os elementos de assinatura da marca estão lá — a grade ferradura e a barbatana do Type 57SC Atlantic, assim como a curva em C (a linha Bugatti), agora usada como elemento funcional para abrigar as tomadas de ar traseiras.

O único elemento dissonante no design é a traseira, que remete a um certo esportivo híbrido inglês de anos atrás, mas quando você precisa domar o vento para chegar perto dos 450 km/h não há muito o que fazer. Além disso, a traseira deste carro é o ângulo que seu proprietário passará menos tempo olhando. O que importa mesmo é o que você tem dentro de si e o que você é capaz de fazer. Maturidade é isso, afinal.


Esta matéria é uma amostra do nosso conteúdo diário exclusivo para assinantes, e foi publicada sem restrições de acesso a caráter de degustação.

A sua assinatura é fundamental para continuarmos produzindo, tanto aqui no site quanto no YouTube, nas redes sociais e podcasts. Escolha seu plano abaixo e torne-se um assinante! Além das matérias exclusivas, você também ganha um convite para o grupo secreto (exclusivo do plano FlatOuter), onde poderá interagir diretamente com a equipe, ganha descontos com empresas parceiras (de lojas como a Interlakes a serviços de detailing e pastilhas TecPads), e ainda receberá convites exclusivos aos eventos para FlatOuters.