Se você acompanha assiduamente o FlatOut, deve ter topado com a história do Alpine A110, que contamos há alguns meses. O esportivo francês (que tem um parente brasileiro muito próximo, o Willys Interlagos) foi o campeão da primeira de todas temporadas do WRC, o Campeonato Mundial de Rali, lá em 1973. Mas não é só isto que faz dele um ícone: produzido entre 1961 e 1977, o Alpine A110 é bonito, veloz e bastante raro.
É o tipo de carro que justifica, sozinho, qualquer paixão desmedida. E não há melhor maneira de descrever o que o alemão Jürgen Clauss sente pelo Alpine A110 desde que viu um exemplar pela primeira vez, quando ainda era uma criança. Hoje, décadas depois, ele é dono da AlpineLAB, oficina especializada em restaurar exemplares do A110 que competem em ralis desde os anos 60.
A família de Jürgen Clauss sempre esteve envolvida no mundo das corridas… de bicicleta. Seu pai era ciclista, assim como seu avô. Os heróis idolatrados por eles eram lendas do ciclismo, como o belga Eddy “Canibal” Merckx e suas 525 vitórias na carreira. Ao ver um Alpine pela primeira vez, contudo, Jürgen percebeu imediatamente que era daquilo que ele gostava de verdade. Devemos notar, contudo, que ele ainda guarda uma antiga bike Eddy Merckx em meio aos carros em sua oficina.
Jürgen finalmente comprou um A110 de rua na década de 80. E a ideia era usar o carro diariamente — ele chegou até a vender seu Golf GTI para bancar o clássico francês. A partir daí, foi uma questão de tempo até que ele acumulasse algo entre oito e dez exemplares do A110. “Eu não queria juntar tantos carros assim, mas ao procurar peças para um carro, outro aparecia e eu acabava comprando também. Mas não fui eu quem procurou estes carros — prefiro dizer que foram eles que me encontraram”.
Parece poesia barata, ou o tipo de coisa que um cara diria à esposa para tentar justificar uma coleção de carros e peças que não para de crescer. Mas não temos motivos para duvidar que Jürgen realmente enxergue as coisas assim. Até porque, se fizesse questão de ficar com todos os carros, ele não os teria vendido, um a um, só para conseguir comprar um legítimo Alpine A110 de competição. Novamente, a busca pela história de um carro levava a outro e assim, ao longo dos anos, Jürgen acumulou um belo acervo de exemplares que haviam competido de verdade.
Jürgen faz questão de restaurar estes carros de corrida com a maior fidelidade possível, a ponto de grande parte de seu trabalho consistir em pesquisar fotos e documentos históricos, a fim de reproduzir cada um dos detalhes de época — das rodas e itens de acabamento aos emblemas e decalques de patrocinadores.
O que Jürgen faz, contudo, é exceção, e não regra. Segundo ele, o Alpine A110 tornou-se uma plataforma para experiências por parte de seus donos, que os modificavam para que os carros melhor satisfizessem suas necessidades. Assim, nenhum A110 é igual ao outro, e carros totalmente originais são raros, mesmo na França.
Mesmo os carros restaurados pela AlpineLAB, sua oficina, não são totalmente originais, e sim restaurados para ficarem o mais próximos quanto for possível de como eram quando competiam. Alguns são da equipe de fábrica da Alpine, como o exemplar acima, que competiu no Campeonato Europeu de Rali em 1968 e no “Rali dos 1.000 Minutos”, na Áustria, no mesmo ano. Tudo nele foi restaurado para ficar idêntico ao que era há 47 anos, da bela pintura azul ao motor 1300S, de 1,3 litro e 120 cv.
Outros foram colocados para correr por equipes particulares, como o carro branco da foto acima. Seu dono, o francês André Wilcky, foi piloto de rali dos anos 50 aos anos 70, e com este carro — que tinha carroceria de fibra de vidro, janelas de acrílico e dois tanques de combustível, além de um motor 1100 de 95 cv —, a Wilkcy Racing Team competiu no Rali Solitude, que acontecia em estradas rurais da Alemanha e da França.
O que todos têm em comum, contudo, é tudo aquilo que fez com que Jürgen se apaixonasse pelo A110: são belíssimos, leves e feitos para andar rápido e nada mais — mesmo que não sejam absurdamente potentes. Contudo, o alemão diz que não é uma tarefa fácil, e muito menos barata: o 110 é um carro temperamental, com componentes caros e difíceis de encontrar. Especialmente quando o que se quer é devolver a eles seu pedigree de competição.
Alguns projetos duram meses. Por exemplo, o carro que a equipe de fábrica da Alpine levou para competir no Rali do Marrocos e no Rali Safári, leste do continente africano, em 1975, está há mais de seis meses na oficina, onde foi completamente desmontado para receber o esquema de pintura azul, branco e vermelho que aparece usando nos registros da época.
É uma vida trabalhosa, sem dúvida, mas certamente não é um fardo para Jürgen Claus, que faz tudo com verdadeira paixão.