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Car Culture

Drag racing: como surgiram as corridas de arrancada

Talvez a forma mais crua e direta de disputar corrida seja uma arrancada — dois carros lado a lado, em linha reta, partindo ao mesmo tempo, para ver qual dos dois percorre uma determinada distância (normalmente 402 metros, ou um quarto-de-milha) mais rápido. Também é uma das mais antigas formas organizadas de automobilismo, especialmente nos EUA. Mas quando, e como, as arrancadas surgiram?

“Mas FlatOut, vocês já contaram esta história!”, talvez tenha pensado quando leu o título. De fato, já contamos uma longa história sobre corridas em linha reta — as brigas por recordes de velocidade nas planícies de sal de Bonneville, com direito a duas partes (parte 1 e parte 2). Contudo, aquelas não eram corridas de arrancada, e sim disputas para ver quem conseguia a maior velocidade na imensidão branca. A distância era predeterminada, mas os carros aceleravam sozinhos e o que valia era a velocidade registrada no final da reta.

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Se as disputas por velocidade começaram por volta de 1925, as arrancadas surgiram um pouco depois — em meados da década de 40. Não por acaso, coincidindo com o fim da Segunda Guerra Mundial.

Esta é uma história que também já contamos, e foi recentemente — quando falamos sobre o início da Kustom Kulture (parte 1 e parte 2). Com o fim da Guerra, muitos dos jovens soldados que retornavam da Europa tinham pouco dinheiro e muito conhecimento em engenharia mecânica, adquirido quando lidavam com os aviões usados em combate. Eles precisavam de carros baratos, sim, mas também queriam que eles fossem rápidos. Afinal, estavam habituados com emoções fortes.

Por sorte, ao voltar para os EUA eles toparam com um mercado fervilhando de carros usados, motores potentes e robustos para a época (os V8 Cadillac e Ford Flathead). Foi natural: eles compravam carros usados, preparavam (ou até trocavam) os motores, personalizavam as carrocerias e removiam partes desnecessárias (como capô e para-lamas) para aliviar peso. Alguns se juntavam à cena hot rodder de Bonneville; outros se tornavam moonshiners, ou contrabandistas de bebidas; e outros, ainda, iam correr uns contra os outros nos vários pequenos aeroportos (que foram construídos para a Guerra e desativados logo ao fim do conflito), o que era relativamente seguro. Só que eles também acabavam indo acelerar nas ruas e estradas rurais.

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Foto: Dirk Behlau

E eles não estavam sozinhos: os mais jovens, adolescentes que cresciam nas fazendas e tinham experiência com maquinário e menos familiaridade com a lei e com as regras de trânsito, também testavam seus carros uns contra os outros em vias públicas. Ainda que elas, nem de longe, fossem tão movimentadas quanto hoje em dia, ainda era perigoso.

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Dizem que foi ali que a medida de um quarto-de-milha surgiu: os carros eram rápidos o bastante para garantir emoção em uma distância tão curta. Também era uma questão de segurança: em uma distância maior, os pilotos correriam mais riscos de se acidentar.

Paralelamente, um homem camado Wally Parks realizava uma pequena revolução em Bonneville. Ao acompanhar as disputas por recordes de velocidade no sal, ele foi um dos que decidiram colocar ordem na casa e começar uma associação não apenas para medir os recordes de velocidade, mas também para dividir a competição em categorias e estabelecer medidas de segurança. Era a Southern Californa Timing Association, sediada… no sul da Califórnia, que começou em 1937 a promover os primeiros eventos organizados em Bonneville.

Em 1949, já bem estabelecida, a SCTA — sob influência de Parks — organizou a primeira edição da Speed Week. Era um evento parecido com os outros, com diversos tipos de veículos, entre eles os hot rods, disputando para ver quem era mais rápido no sal. A maior diferença, porém, era o modo como as medições eram feitas: em vez de procurar atingir a velocidade máxima, os pilotos disputavam contra um cronômetro, e o que conseguisse o menor tempo vencia. Uma das possíveis razões para a mudança era a possibilidade de realizar mais corridas em menos tempo, garantindo uma competição mais acirrada e emocionante.

Foi ali que nasceram as corridas de arrancada, ou drag races, como as conhecemos hoje. Mas por que elas têm este nome? Quer dizer, “arrancada” é um termo óbvio, visto que a disputa é toda baseada na velocidade que os carros conseguem atingir quando arrancam. O origem da expressão drag racing é mais complicada — na verdade ninguém sabe ao certo.

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Foto: Old Cars Weekly

Há quem diga que sua raiz é primitiva, derivada diretamente do verbo drag, que significa “arrastar” ou “trazer” — como em “traga seu carro para a gente ver quem é mais rápido”. Outros acreditam que a razão seja o fato de as corridas nas cidades serem realizadas na main drag, um regionalismo para a rua principal de uma cidade, que normalmente era a única larga o bastante para acomodar dois carros um ao lado do outro. Não há concordância suficiente, porém, para traçar a etimologia exata.

De qualquer forma, estas competições fizeram bastante sucesso até mesmo pelo custo relativamente baixo envolvido em sua organização: não era preciso um investimento gigantesco para encontrar um terreno plano, construir uma pista reta de uma milha (o bastante para acelerar e frear com segurança) e instalar equipamentos de medição de tempo. Somando-se à popularização dos hot rods (afinal, quem não queria um carro barato, estiloso e rápido?), viu-se aumentar consideravelmente a quantidade de inscritos nos anos seguintes, e assim as provas forneceram a base para que, em 1951, Parks fundasse a NHRA, ou National Hot Rod Association .

O primeiro evento oficial da NHRA aconteceu em 1953 em Pomona, na Califórnia. Dois anos depois, a associação promoveu seu primeiro evento a nível nacional — batizado simplesmente de “The Nationals”. Ao longo das décadas, surgiram organizações menores, que se afiliaram à NHRA.

As próprias drag races evoluíram, com a criação de categorias distintas e o desenvolvimento, nos anos 70, dos dragsters — carros que começaram como hot rods depenados, mas em determinado momento evoluíram para chassis feitos sob medida e equipados com motor traseiro. A razão principal era a segurança: em caso de acidente, o motor e a transmissão eram arremessados diretamente contra o piloto nos hot rods tradicionais. Além disso, o maior peso na traseira garantia maior tração e aderência, aumentando a força na arrancada e, consequentemente, a velocidade.

Hoje, passados exatos 60 anos, a NHRA é o maior corpo organizador de eventos de arrancada não só nos EUA, mas em todo o planeta. Há centenas de eventos realizados todos os anos, em dezenas de categorias distintas — dragsters, carros de rua (originais ou modificados ao extremo), funny cars (que são, basicamente, dragsters de motor dianteiro com bolhas que lembram vagamente as carrocerias de veículos de rua), e até motocicletas.