Abra o capô, e você verá um motor grande, de dez litros de deslocamento, com comando no cabeçote, quatro válvulas por cilindro e quatro velas por cilindro, projetado e fabricado há mais ou menos… 110 anos. Você vai ter que abrir quatro torneiras que ficam perto da câmara de combustão, despejar umas gotas de gasolina em cada uma delas (uma para cada cilindro), estabelecer contato entre o sistema elétrico do carro e as velas de ignição, acionar a bomba pneumática de combustível, dar um tempo a ela e, então, empurrar o carro por uns 10 metros. Só então poderá conduzir (ou dirigir, ou pilotar) um dos carros de corrida mais incríveis de todos os tempos: o Fiat S61.
Admiro bastante os carros pequenos da Fiat, com suas espertas soluções de engenharia, leves e ágeis, mesmo com motores pequenos e, bem, fracos. Mas o quatro-cilindros do S61 desloca 2,5 litros por cilindro – mais que todos os cinco cilindros do motor de 2,4 litros do Marea juntos. Tudo para entregar cerca de 130 cv, o que era um número bem alto cerca de 110 anos atrás.
O Fiat S61 começou a ser projetado em 1908 e ficou pronto para competir em 1910. No total, cinco carros foram feitos com o objetivo de vencer corridas de Grand Prix e divulgar a marca. Destes cinco, acredita-se que apenas dois sobrevivem: um deles na garagem de um colecionador britânico, e o outro, agora, mantido pela FCA Heritage, divisão da Fiat Chrysler Automobiles dedicada a restaurar, consertar e cuidar de modelos históricos da Fiat, da Lancia, da Abarth e da Alfa Romeo.
Fazia sentido investir em um carro de corrida com tecnologia de ponta: no início do século passado, a Fiat era a maior fabricante de automóveis da Itália. Claro, havia menos de 250 carros registrados no país, mas a maioria deles era Fiat.
Em 1912, este Fiat S61 foi até os Estados Unidos e, com Caleb Bragg ao volante, venceu o Grande Prêmio da América em um circuito de 12 km formado por ruas e estradas nos arredores de Milwaukee, no estado do Wisconsin. Depois disto, ele meio que desapareceu. Nem mesmo os historiadores da Fiat sabem o que aconteceu com ele entre a corrida nos EUA e seu retorno ao acervo da Fiat, na década de 60, mas nesse caso o mais importante era o fato de ele ter sido encontrado.
No fim de 2008, depois de passar décadas em um depósito da Fiat em Turim, o S61 foi tirado de seu descanso para ser totalmente recuperado. No vídeo abaixo, Raffaele Terlizzi e Roberto Giolitto – o curador e o chefe da FCA Heritage, respectivamente – contam um pouco sobre como foi a jornada para restaurar o emblemático carro de corrida. É um curta muito bem feito, que nos dá a chance de ver e ouvir de forma nua e crua o leviatã italiano em ação. Sensacional.
O vídeo tem legendas em inglês que podem ser traduzidas automaticamente pelo Youtube
Raffaele conta que encontrou o carro em pedaços: o chassi e a carroceria estavam separados, faltavam alguns painéis e o motor estava desmontado, guardado em quatro caixas. Foi um trabalho complicado, que envolveu o estudo cuidadoso de fotografias e vídeos da época a fim de recuperar o carro da forma mais fiel possível.
A ideia era devolver ao carro sua forma original, incluindo “marcas de guerra” adquiridas nas corridas, sem alterar suas características e sem melhorar nenhum aspecto do projeto original. Tudo o que pode ser aproveitado foi aproveitado, e a quantidade de componentes refeitos do zero foi mantida no mínimo possível. O Fiat S61 sequer foi repintado para não perder o caráter original.
Evitar o over-restoring – quando um carro é restaurado de forma perfeita demais, melhor que o original, algo discutido aqui mesmo há alguns dias – foi uma preocupação aqui. Ainda bem, pois o valor histórico deste Fiat é inestimável, e seria uma lástima vê-lo pasteurizado como um carro de concurso.