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Car Culture

É possível que os carros elétricos sejam mesmo mais “poluentes” que os carros a combustão?

Um estudo alemão apresentado nesta semana no Ifo Institute for Economic Research em Munique, Alemanha, revelou que carros elétricos podem ter um volume de emissões maiores que os carros a diesel, se considerarmos a produção de energia elétrica e a produção das baterias, e que os carros movidos a gás natural são a tecnologia ideal para este momento de transição da matriz energética da mobilidade.

O estudo foi organizado pelo professor Christoph Buchal, da Universidade de Colônia, e coletou informações de emissões da produção das baterias dos veículos elétricos (e de sua eventual reposição ao fim da vida útil) e da energia usada por eles, para compará-las às emissões de veículos a diesel. A conclusão é que, na melhor das hipóteses, elas são sutilmente superiores às dos motores a diesel.

A pesquisa baseou seus cálculos em exemplos concretos de veículos elétricos e veículos a diesel modernos, como níveis de emissões medidos pelos testes europeu. Além das emissões de CO2 da produção de baterias, eles consideraram as fontes alternativas de energia para calcular o impacto dos veículos elétricos em emissões de CO2. Os cálculos mostraram que, mesmo com a tecnologia atual, as emissões de um motor a combustão movido a gás natural já são naturalmente 30% menores que as de um motor diesel.

No estudo, o autor critica a legislação da União Europeia por permitir que os veículos elétricos sejam incluídos no cálculo de emissões de frota com valor “zero” para emissões de CO2, uma vez que isto sugere que os veículos elétricos não produzem nada de emissões, quando suas recargas geram emissões “significativas’ devido às formas de geração de energia elétrica — não apenas da Alemanha, mas de toda a Europa, onde menos de 40% da energia elétrica é produzida por fontes renováveis.

 

A arte de torturar os números?

Este não é o primeiro estudo a sugerir que os níveis de emissões de carros elétricos são maiores se considerarmos a produção das baterias e da energia elétrica consumida. E como as pesquisas anteriores, este novo estudo do professor Buchal foi alvo de críticas dos entusiastas dos carros elétricos, que questionaram a metodologia e os dados utilizados no estudo.

Os críticos questionam, por exemplo, o fato de o professor Buchal ter considerado uma vida útil de apenas 150.000 km para as baterias, quando a maioria dos fabricantes oferece garantia de 100.000 milhas ou 160.000 km. O estudo também foi criticado por considerar que as baterias se tornarão lixo tóxico ao atingirem o fim de sua vida útil, depois de aproximadamente 150.000 km. De acordo com os fact checkers, as baterias podem durar mais de 600.000 km e também serão recicladas após a substituição, a exemplo do que já acontece com a Tesla.

Além disso, o professor Buchal usou dados de emissões obtidos no ciclo de testes NEDC, já substituído pelo atual WLTP, que é, supostamente, mais rigoroso, embora ainda realizado em ambiente controlado. Outra inconsistência apontada pelos críticos, é que o estudo considerou a produção das baterias e da eletricidade, mas não a comparou com as emissões resultantes da extração, refino e craqueamento do petróleo, e com as emissões decorrentes do transporte e distribuição dos combustíveis.

Por último, os críticos mencionam que o estudo considerou apenas a Alemanha, um dos países com a produção e distribuição de energia elétrica mais “suja” da Europa, e também ignorou o processo de transição da geração de energia para fontes limpas e renováveis já em curso no continente. De acordo com o site Electrek, dedicado a tecnologias sustentáveis, em 2030 os carros elétricos atuais ainda estarão em uso, mas a produção de energia “limpa” chegará a 65%. Atualmente 45% da energia elétrica alemã é produzida por fontes renováveis ou livres de CO2.

 

Não é bem assim

São argumentos válidos para a discussão, porém ainda soam como uma defesa apaixonada dos carros elétricos — algo que fica claro quando o autor do artigo no Electrek menciona que o dieselgate resultou em “milhares de mortes”, uma afirmação sem embasamento técnico-científico, calçada apenas em uma pesquisa publicada em 2017 que levantou a hipótese de que 10.000 mortes por ano podem ser atribuídas à emissão de partículas finas, e que metade destas mortes (hipoteticamente causadas pelas emissões) poderiam ter sido evitadas se os testes não tivessem sido fraudados.

O argumento de que as baterias duram mais de 160.000 km, por exemplo, é questionável. Primeiro, porque esta estatística considera ciclos de carga e descarga ideais — o que não acontece no mundo real. Depois porque a quilometragem é baseada na autonomia máxima por ciclo divulgada pelos fabricantes, mas o uso real do carro jamais consegue igualar as marcas divulgadas (os proprietários dos Tesla até discutem sobre isso em um fórum na internet). Isso significa que, se um fabricante garante 600 ciclos, e divulgam autonomia de 500 km, as baterias deveriam durar 300.000 km.

Mas como a autonomia real é sempre inferior e variada, cada ciclo permitirá uma quilometragem menor que os 500 km propostos. Se a autonomia real fica na casa dos 300 km, em média, os 600 ciclos se esgotarão com 180.000 km — 40% menos que o esperado pelo cálculo idealista feito com os dados de fábrica.

Depois, há realmente um programa de reciclagem de baterias. Mas, como já dissemos anteriormente, reciclagem não é um tipo de mágica que as empresas fazem para salvar o planeta. É um processo industrial com tudo o que isso implica: consumo de energia, resíduos, logística etc, portanto, há um certo nível de emissões de gases do efeito estufa.

Cobre e cobalto das baterias

As emissões do programa de reciclagem da Tesla, por exemplo, correspondem a 30% das emissões de produção de uma bateria nova, mas esta eficiência se deve à otimização do processo de coleta, transporte e reciclagem. Uma travessia marítima, por exemplo, aumenta significativamente o nível de emissões do processo de reciclagem.

Por último, há um grande potencial de energia limpa a ser desenvolvido não somente na Europa, mas em todo o planeta — em especial a geração hidrelétrica. Na Europa é possível ampliar em 71% a capacidade de produzir eletricidade com a força da água, mas isso também é um cenário hipotético e que não ficaria livre de efeitos colaterais. Além de afetar a fauna e a flora da região que será alagada para o represamento da água (o que causa desequilíbrio ambiental local), as hidrelétricas também têm emissões de metano, um dos gases do efeito estufa. Mais além, a energia hidrelétrica também tem um certo consumo de água, que evapora devido ao aquecimento nas represas.

 

As emissões dos carros elétricos

É difícil comparar as emissões totais dos carros elétricos e dos carros a combustão interna. Primeiro porque as emissões estão em etapas diferentes do uso do carro. Depois, porque precisaríamos comparar as emissões da produção e de toda a cadeia logística dos combustíveis, e de toda a cadeia produtiva das baterias. Por isso, convencionou-se comparar as emissões referentes à produção da eletricidade utilizada para “abastecer” o carro elétrico, às emissões produzidas pelo motor de combustão interna.

Esse é o ponto inicial da polêmica dos carros elétricos: em locais onde a energia é “suja”, eles podem realmente ter um nível de emissões semelhante ao dos carros de combustão interna. É o que acontece na China, Índia, Japão, Coréia do Sul, EUA, Alemanha, Reino Unido, México, Irã, Arábia Saudita, África do Sul e Egito, conforme um estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Seul em parceria com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachussets, o MIT.

A tabela abaixo mostra a média de emissões por quilômetro para os veículos elétricos em cada país. O número superior mostra a média das emissões, e os números entre parênteses mostram o menor fator de cada país à esquerda, e o maior fator de cada país à direita. Quando o número está em negrito, significa que  um carro elétrico emite mais CO2/km que um modelo equivalente usando diesel; quando o número está sublinhado significa que um carro elétrico emite mais CO2/km que um modelo equivalente usando gasolina.

Portanto, apesar das críticas dos entusiastas dos carros elétricos, pode haver situações em que os carros elétricos emitem mais gases do efeito estufa. Como vimos anteriormente, ainda há potencial de geração de energia “limpa” em todo o mundo — especialmente hidrelétrico; estima-se que ainda é possível ampliar a geração hidrelétrica em 71% na Europa, 75% na América do Norte, 79% na América do Sul, 95 % na África, 95% no Oriente Médio e 82% na Ásia e Oceania.

Mas apesar da possibilidade, é preciso levar em consideração não apenas o potencial em si, mas os impactos e efeitos colaterais que isso traria, bem como um eventual aumento das emissões de metano, o que anularia os ganhos de se produzir energia “limpa”. Já falamos neste post sobre os prós e contras de cada modo de produção de eletricidade e todos eles têm um efeito colateral — até mesmo a energia solar.

 

Em Roma, emita como os romanos

O que podemos concluir, por ora, é que a adoção em massa dos carros elétricos realmente e não melhoraria  o nível de emissões em alguns países — especialmente se considerarmos que a eficiência dos motores de combustão interna ainda tem uma boa margem de melhora nos próximos anos. E estes estudos sequer consideram biocombustíveis como o biodiesel e o etanol — que pode reduzir as emissões de CO2 em até 73%, segundo um estudo recente da Universidade de São Paulo.

Contudo, nos países onde o uso de eletricidade é vantajoso, como a Noruega e a França, os elétricos podem — e devem — ser estimulados como solução para melhorar a qualidade do ar e as emissões de gases do efeito estufa. Afinal, em tempos de banimento dos carros queimadores de petróleo, eles permitem que você continue dirigindo.