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Car Culture

Emblema ou obra de arte?

De todas as peças que compõem um carro, o emblema talvez seja uma das mais marcantes. Afinal, a identidade de qualquer automóvel passa pelo emblema. Porém, mais que uma forma de identificar determinado carro como sendo desta ou daquela marca – que o digam Volkswagen Apollo e Ford Verona, não? – os emblemas também são parte importante do legado de uma fabricante. É por isso que, quando decidem modificá-lo, as empresas fazem questão de explicar exatamente o que muda, o quanto muda, e o significado de cada mudança.

Por outro lado, alguns emblemas estão tão fortemente ligados à imagem de uma fabricante que se tornam imunes a mudanças – na verdade, as fabricantes fazem questão de preservá-los exatamente iguais por décadas a fio. Você imagina, por exemplo, a Rolls-Royce modificando seu clássico emblema “RR” e abrindo mão do Spirit of Ecstasy? Ou a Porsche abrindo mão de seu escudo artesanal?

Da mesma forma, a Bugatti também não modifica seu emblema desde que, bem, começou a fazer carros. Foi o próprio Ettore Bugatti quem cunhou o oval vermelho que representa a fabricante, apelidado “Macaron”, e o colocou no primeiro carro que fez como fabricante – o Bugatti Type 13, de 1909. Já faz 110 anos, e o Macaron é praticamente idêntico até hoje.

De acordo com a própria Bugatti, a ideia era que o emblema fosse instantaneamente reconhecível e dispensasse a necessidade de um ornamento de capô, pois Ettore Bugatti os achava extravagantes demais – o que é no mínimo irônico, considerando que os Bugatti já eram, por natureza, extravagantes. A exceção era o Bugatti Type 41 Royale, que tinha um elefante na tampa do radiador. Pelo tamanho do carro, era um mascote apropriado…

Ettore Bugatti e o Type 41 Royale em 1926

Assim, Ettore escolheu de propósito uma forma simples e plana. O que não significa, porém, falta de atenção aos detalhes.

Cada oval era obtido cortando-se um cilindro de prata de 45 mm de diâmetro a um ângulo de 30°, decorado com letras brancas, a inicial “EB” em preto no topo, e 60 pontos vermelhos sobre uma borda branca. Para Bugatti, o vermelho significava força e paixão; o branco, elegância e nobreza; e o preto, excelência e coragem. Já os pontos vermelhos, pelo que diz uma versão da história, representavam pérolas – elemento muito comum na estética Art Nouveau da época, e um exemplo de durabilidade e resistência na natureza.

Ettore Bugatti realizou apenas mudanças pequenas no emblema da fabricante em vida – ele morreu em 1947, e sua morte também marcou o fim da encarnação original da empresa, já que o filho Jean Bugatti havia morrido em 1939 e não havia um sucessor. Três anos depois, em 1950, a Bugatti lançou um último modelo – o Type 73, que teve só cinco unidades produzidas – antes de entrar em estado vegetativo. Em 1963, a Bugatti pela Hispano-Suiza, que estava interessada na divisão de motores aeronáuticos.

Foi só na década de 1990, adquirida pelo empresário Romano Artioli, que a Bugatti retornou à fabricação de carros com o épico EB110 – o supercarro com motor V12 quadriturbo que plantou a semente do Veyron, embora a empreitada não tenha sido muito produtiva. E, obviamente, o EB110 ostentava o Macaron da Bugatti logo acima de sua grade em forma de ferradura.

A compra pela Volkswagen e o lançamento do Veyron em 2005 marcaram o retorno definitivo da Bugatti como marca de prestígio – não precisamos nos estender no tamanho do impacto que o Veyron, com seu motor de dezesseis cilindros, oito litros e 1.001 cv, causou no mundo dos superesportivos. E, com ele, veio uma nova versão do Macaron, feita com ainda mais atenção aos detalhes.

Produzido pela alemã Poellach desde 2005, o emblema da Bugatti segue especificações bastante rígidas – de acordo com a fabricante, a empresa com sede na Baviera é a única que consegue fazer o Macaron com o efeito 3D exigido pela Bugatti.

“O novo emblema ficou ser maior que antes, e também trouxe uma profundidade visual nova e muito mais acentuada”, explica Thomas Demel, o CEO da Poellath. “As letras e os pontos nas bordas ficam em um plano e são esmaltados, assim como o fundo que fica quase 2 mm mais baixo, o que cria um efeito tridimensional genuíno”.

Cada emblema do Bugatti Chiron pesa exatamente 159 gramas, incluindo a prata, a tinta e o esmalte – e cada um deles é fruto do trabalho de 20 pessoas, que cuidam de um emblema de cada vez por cerca de dez horas, espalhadas ao longo de vários dias.

A base de prata com graduação 970 é estampada várias vezes em um processo com vários estágios, sujeitada a pressão de até 1.100 toneladas. Desta forma, as letras “BUGATTI” ficam em alto relevo, com exatamente 2,1 mm de altura. Segundo a fabricante, a estamparia produz contornos muito mais precisos e com qualidade muito maior que a usinagem ou a moldagem a quente, desde que se use as ferramentas corretas.

O próprio esmalte é um material sintético e não-tóxico, feito com vidro em pó e outros materiais não-orgânicos – em contraste com as resinas mais antigas, que geralmente traziam chumbo e outros metais pesados em sua composição. O vidro em pó é derretido a temperaturas de 750°C a 900°C e despejado sobre a placa de prata.

Quando começa a esfriar e atinge 600°C, o esmalte começa a solidificar e se funde de forma permanente com a base, que se contrai e forma – quase que por acaso – a superfície convexa do emblema, o que aumenta ainda mais o efeito tridimensional.

Ao final da secagem, o que se tem é uma camada de aproximadamente 0,5 mm de esmalte, que então é lixada manualmente várias vezes para obter o aspecto brilhante e transparente do emblema – e com uma sensibilidade que máquinas não são capazes de obter (ao menos ainda não). No final, ficam alguns poros que são simplesmente impossíveis de remover, mas segundo a Bugatti isso é o que torna cada emblema uma peça única, como uma impressão digital.