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Automobilismo

Épico: quando os carros aposentados do Grupo B se tornaram monstros de rallycross

Ah, o Grupo B de rali. É a primeira vez em 2018 que mencionamos uma das categorias mais adoradas do esporte a motor, disputada entre 1982 e 1986, com alguns dos carros mais insanos já vistos no planeta – até que demorou, não?

Temos uma boa coleção de histórias a respeito dos carros do Grupo B (a clássica série “Lendas do WRC” é um bom começo, se quiser conferir), e por uma boa razão: o fato de terem competido por apenas cinco anos, mais o nível de potência absurdo de alguns carros – fala-se em picos de mais de 800 cv em acerto de classificação, inacreditável para carros de mais de 30 anos trás – e seu visual icônico dão a eles, de fato status de lendas. Mesmo os que nunca conquistaram sequer um título.

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O que sobrou do Lancia Delta S4 de Henri Toivonen e Sergio Cresto, que morreram no Tour de Corse de 1986

Em 1986, acidentes fatais envolvendo o Lancia Delta S4 e o Ford RS200, que tiveram espectadores e pilotos como vítimas, levaram a FIA a cancelar o Grupo B, alegando que os carros eram potentes e perigosos demais para continuar competindo. Foi então que o WRC adotou as regras do Grupo A, com carros mais próximos dos modelos de produção e não tão potentes. Dizer que o Campeonato Mundial de Rali perdeu a graça por conta disto é um tanto exagerado – afinal, foi aí que começou a era do Lancia Delta, do Escort RS Cosworth e da briga entre Subaru Impreza WRX e Mitsubishi Lancer Evolution.

Mas… o que aconteceu com os carros do Grupo B depois que a categoria acabou? A resposta não poderia ser melhor: eles viraram carros de rallycross. Mais que digno, digníssimo. E com vídeos para provar!

Isto é uma transmissão de 1990 de uma prova de rallycross na TV britânica. O rallycross clássico é isto: corridas em circuitos que misturam alternam entre trechos de asfalto e chão batido, incluindo variações bruscas de relevo e rampas para saltar. Não são baterias cronometradas, são corridas de fato, com dezenas de carros juntos na pista. Os carros que competem atualmente no rallycross estão entre os mais rápidos em aceleração: alguns, como o atual Honda Civic que compete no Global RallyCross da Red Bull, são capazes de ir de zero a 100 km/h em 1,9 segundo. O Civic é equipado com um motor 2.0 turbo de 600 cv.

Mas repare no que aparece no vídeo: Ford RS200, Peugeot 205 T16 e Metro 6R4 – todos eles, verdadeiras lendas do Grupo B de rali (sim, até o Metro 6R4 – ele foi o carro que cedeu seu motor V6 ao Jaguar XJ220, que adicionou dois turbos à receita). Há outros carros de rali, incluindo o Kadett e o Escort do Grupo A, mas quem rouba a cena são os monstros da era de ouro do WRC.

Neste outro vídeo aparece também o Audi Sport Quattro S1, com seu cinco-cilindros em linha de 2,1 litros com turbo e mais de 650 cv.

E você notou como os carros corriam para valer? Era uma competição de verdade, e uma boa forma de manter aqueles monstruosos protótipos na ativa.

Não é como se competição tivesse sido criada especialmente para carros de rali aposentados dos anos 80. O rallycross surgiu na Inglaterra em 1967, quando o produtor Robert Reed, do canal britânico ABC, criou um quadro para o programa World of Sport. No segmento, pilotos de rali convidados disputavam voltas no circuito de Lydden, localizado entre Dover e Canterbury. O primeiro programa foi exibido no dia 4 de fevereiro de 1967, e depois disso, outros dois eventos foram realizados em março e julho daquele ano.

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O primeiro campeonato de verdade, ainda exibido na ABC, começou em 23 de setembro de 1967 e terminou em 6 de abril de 1968, com seis etapas no total. O vencedor foi o Ford Escort Twin Cam do inglês Tony Chappell. Detalhe: o Escort havia sido apresentado no Reino Unido no fim de 1967, e começou a ser vendido logo no início de 1968.

Outros carros que eram modificados para participar das provas de ralicross eram o Ford Lotus Cortina, o Mini Cooper e o Porsche 911. Com o passar dos anos, carros como o Opel Kadett, o Volkswagen Golf e o Peugeot 205 também se tornaram comuns.

O fim do Grupo B, no fim dos anos 80, foi o que levou os carros do Grupo B a competir no rallycross britânico. O que é irônico uma vez que se descobre que, em acerto de rallycross, o Ford RS200 continuava entregando cerca de 650 cv para as quatro rodas.

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Era o mesmo com outros bólidos, como o Peugeot 205 T16, que tinha quase 700 cv no motor 1.8 turbo. Talvez a FIA considerasse que o rallycross era mais seguro que os ralis para os espectadores, pois a corrida acontece em um circuito fechado e não há pessoas na beira da pista.

https://www.youtube.com/watch?v=-U-zmmGlXG0

Pode parecer absurda a ideia de colocar um carro de competição tão emblemático para trocar tinta com outros carros em um circuito tão desafiador, com piso misto. Dá para ver pedacinhos da carroceria voando em vários momentos, e os saltos e derrapagens são violentos. Hoje em dia estes carros valem muito dinheiro, e sempre ilustram matérias de sites automotivos quando aparecem à venda em um leilão.

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Este Renault 5 Turbo, que competiu no Grupo B em 1982 e 1983, foi arrematado em fevereiro de 2017 por € 257.000, ou cerca de R$ 1 milhão, durante um leilão organizado pela RM Sotheby’s em Paris, França

No entanto, sempre foi comum usar carros de corrida “até eles acabarem” – acontece desde os anos 50. Quando uma Ferrari 250 GTO ficava obsoleta com o lançamento de um novo modelo, por exemplo, ela não era colocada em uma garagem e mantida em ordem sem propósio. Ou os carros eram vendidos a equipes independentes, ou iam para o ferro-velho.

O mesmo vale para os carros do Grupo B: muitos deles foram vendidos para equipes particulares, que continuaram correndo com eles – às vezes, as fabricantes até davam suporte técnico, fornecend mão de obra especializada e componentes mecânicos. E, com isto, puderam participar de competições de rallycross pela Europa até o início dos nos 90.

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É por isso que, quando sobrevivem e são preservados, estes carros valem tanto. O que não impede os sortudos proprietários de monstros do Grupo B de levar seus carros para exibições em circuitos de asfalto como esta em Mayenne, na França – o Rallycross Legends 2016.

Não é uma competição selvagem, com choques entre os carros e trechos de terra. É mais uma exibição mesmo, parecida com as high speed demonstrations que acontecem em Goodwood, na Inglaterra, durante o Members’ Meeting. Os carros andam rápido e até soltam a traseira, mas ficam distantes do limite.