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Esta é a única Ferrari que venceu as 24 Horas de Le Mans duas vezes – mas ninguém sabia disso

Já dissemos aqui no FlatOut que a Ferrari 250P, também conhecida como Ferrari 250 LM, é um dos carros mais injustiçados da fabricante italiana. A belíssima e raríssima 250 GTO, com apenas 39 exemplares construídos, é a mais valiosa Ferrari que existe – e, por conta disto, também é a mais lembrada.

Não temos nenhum problema com a GTO. Pelo contrário: suas proporções elegantes, seu motor V12 de três litros e 300 cv na dianteira, sua traseira curta, seu interior minimalista e seu ronco estonteante são praticamente unanimidade entre os entusiastas. Mas a verdade é que existem outras variações incríveis da Ferrari 250 que merecem, para nós, tanta admiração quanto a GTO. Ou até mais. Especialmente quando estamos falando da 250P, que venceu as 24 Horas de Le Mans três vezes seguidas – em 1963, 1964 e 1965. A GTO não venceu a prova no Circuit de La Sarthe nenhuma vez.

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Já contamos aqui a história da 250P, também. Ela foi um dos primeiros carros de corrida com motor central-traseiro da Ferrari – fruto da necessidade que a Scuderia viu que precisava melhorar sua receita. Ter um bom motor V12 não era suficiente se ele fosse instalado na dianteira – isto deixava a frente mais pesada, o que induzia ao subesterço e prejudicava o desempenho nas curvas. E foi por isso que, para a temporada de 1963, a Ferrari decidiu mudar o motor de lugar.

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A chamada 250P (sendo o “P” de Prototipo, provavelmente) aproveitava apenas o motor de três litros (250 cm³ por cilindro) e o entre-eixos de 2.400 mm das outras 250. O desenho da estrutura tubular era completamente diferente e, por conta disto, a carroceria também. E, na boa, que carro lindo: a dianteira mais curta e o deque traseiro mais longo davam à 250P uma silhueta mais moderna e alongada, com um perfil mais baixo e harmônico, além de um pequeno para-brisa, entradas de ar no topo dos para-lamas traseiros e um santantônio fixo atrás do habitáculo – elementos desenhados por Sergio Scaglietti, que também havia projetado a 250 GTO.

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O posicionamento do motor atrás do cockpit resultava na distribuição de peso mais acertada, e foi isto que fez a diferença – uma evidência é que, nos anos em que a 250P venceu em Le Mans, a 250 GTO (que diferia, basicamente, pelo motor dianteiro) vinha logo atrás. Ambas tinham construção em alumínio, motores muito parecidos e suspensão por braços triangulares sobrepostos nos quatro cantos.

Que a 250P venceu as 24 Horas de Le Mans duas vezes seguidas, então, não é novidade para ningém. Em 1963 a Ferrari levou três exemplares da 250P a Le Mans, sendo que apenas duas conseguiram terminar a corrida — o carro #23, pilotado por John Surtees e Willy Mairesse, sofreu um princípio de incêndio na volta 252 e foi forçada a abandonar a prova. Por outro lado, a dupla de italianos Lorenzo Bandini e Ludovico Scarfiotti levou sua 250P à vitória. Outra 250P, com Mike Parkes e Umberto Maglioli no comando, foi a terceira colocada e, para completar, uma 250 GTO de uma equipe independente ficou entre as duas.

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No ano seguinte, 1964, a receita foi mantida quase sem alterações. Apenas o deslocamento individual de cada cilindro foi ampliado de 250 cm³ para 275 cm³, o que por sua vez que aumentou o deslocamento total do motor para 3,3 litros e a potência, para 320 cv. Em outra bela corrida, a Ferrari 275P de Jean Guichet e Nino Vaccarella ficou com a vitória, seguida de duas 330P que usavam motores V12 de quatro litros.

Por fim, em 1965 a equipe americana North American Racing Team, criada por Luigi Chinetti para promover a Ferrari nos EUA, inscreveu-se com uma 250LM, versão de rua da 250P. Ao volante do carro (que foi obviamente modificado para uso em pista) estavam Jochen Rindt e Masten Gregory, que foram seguidos por outras duas Ferrari de equipes independentes — uma 250P e uma 275 GTB.

Mas agora vamos à parte que é, de fato, novidade. Até onde se sabia, a Ferrari que venceu nas 24 Horas de Le Mans de 1963 era a 250P de chassi #0814, enquanto o carro que triunfou em 1964 tinha chassi #0816. Eram carros praticamente idênticos por fora, exceto que a vencedora de 1963 vestia o nº 21 nas laterais das portas, enquanto a 250P que venceu no ano seguinte tinha o nº 20.

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Números diferentes, mesmo carro

Esta semelhança veio a calhar quando, faltando cerca de um mês para as 24 Horas de Le Mans de 1963, a Ferrari 250P #814 sofreu um acidente durante os 1.000 Km de Nürburgring. Na 15ª volta o carro, que era conduzido pelo britânico Mike Parkes, perdeu a traseira na saída da curva Aremberg, acertou o muro e, com a carroceria partida ao meio, foi forçada a deixar a prova. No fim das contas a Ferrari venceu a corrida com Willy Mairesse e John Surtees em outra 250P, mas isto não vem ao caso no momento.

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O que vem ao caso é que, de acordo com pesquisas realizadas pela Ferrari Classiche (o departamento que, como o nome diz, é responsável pelos carros antigos da Ferrari, de rua e de pista), o carro #0814 ainda estava sendo consertado quando chegou a hora de levar os bólidos da equipe para as 24 Horas de Le Mans. Para não perder tempo com toda a papelada, a Scuderia simplesmente mandou a Ferrari 250P #0816 para a França usando a identidade do carro #0814. Pelo visto ninguém percebeu e o carro correu normalmente.

No no seguinte, já com o motor de 3,3 litros e a alcunha 275P, a Ferrari #0816 correu novamente em Le Mans – dessa vez com a inscrição correta – e venceu.1963-ferrari-275-p-57-15343586691963-ferrari-275-p-1-1534358669

Esta história toda só veio à luz agora que a agência de leilões RM Sotheby’s anunciou que o carro, que jamais foi restaurado e tem carroceria, chassi e mecânica matching numbers, está vendendo o carro – não em um leilão, e sim de forma particular. A RM diz que trabalhou de perto com a Ferrari Classiche para juntar toda a documentação que confirma a troca de lugar entre as 250P #0814 e #0816, e diz que a própria fabricante desconhecia a artimanha. O que, cá para nós, é meio improvável, mas não impossível.

 


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