Fale de pilotos brasileiros de Fórmula 1 e você ouvirá os nomes Senna, Fittipaldi, Piquet, Massa e Barrichello. Talvez ouça Landi, Pace, Gugelmin, Diniz, Marques, Burti ou Moreno, se o interlocutor tiver um pouco mais de idade ou se tiver assistido às corridas nos anos 1980 e 1990. O que é certo, é que ele não dirá o nome Hermano da Silva Ramos. Mas deveria.
O que é quase certo, no entanto, é que o nome Hermano da Silva Ramos não será pronunciado. Mas deveria. Especialmente agora.
Ontem, dia 7 de dezembro de 2025, Hermano da Silva Ramos atingiu uma marca inédita e monumental, não apenas para o automobilismo brasileiro, mas para a história da categoria máxima: ele completou 100 anos de idade. Isso faz dele o primeiro piloto a pontuar na Fórmula 1 a se tornar centenário. É o decano absoluto, a testemunha ocular viva mais antiga de uma era em que o esporte era definido por máquinas brutas, pistas sem guard-rails e uma coragem quase irracional.
Hermano, ou “Nano”, como é conhecido, carrega essa distinção solitária desde abril de 2023, quando o britânico Kenneth McAlpine faleceu aos 102 anos. Com a partida de McAlpine — que jamais pontuou em seus sete Grandes Prêmios —, Hermano assumiu o posto de piloto mais idoso ainda vivo. Havia, até o ano passado, uma disputa técnica com o norte-americano Paul Goldsmith, veterano da Indy 500. Como a Indy contava para o mundial e, sendo alguns meses mais velho que o brasileiro, havia essa. questão, embora a Indy na F1 fosse apenas um desvio histórico corrigido logo nos primeiros anos da categoria. De qualquer forma, Goldsmith nos deixou em setembro de 2024, assim, o título de “mais antigo guardião da memória da F1” pertence indiscutivelmente a Ramos.

Nascido em Paris, filho de mãe francesa e pai brasileiro, Hermano da Silva Ramos era um verdadeiro gentleman driver cosmopolita. Sua dupla nacionalidade causava uma curiosa disputa editorial na época: para a imprensa francesa, ele era um dos seus; para a brasileira, um herói nacional. Sua carreira começou em terras tupiniquins, acelerando um MG TC no Grande Prêmio de Interlagos de 1947, prova vencida pelo lendário Achille Varzi. Ali, ele já dividia o asfalto com Chico Landi e Gino Bianco, os dois únicos brasileiros que chegariam à F1 antes dele.
A trajetória de Hermano rumo à categoria principal passou pelas corridas de carros esporte na França em 1953 e 1954, ao volante de um Aston Martin DB2/4. Por intermédio de seus contatos nos clubes de automobilismo franceses – e, claro, graças a seu bom desempenho ao volante – Hermano conseguiu um lugar nas 24 Horas de Le Mans de 1954, corrida na qual dividiu seu posto no Aston Martin com o francês Jean-Paul Colas, mas a dupla acabou abandonando a prova depois de 14 horas por problemas no câmbio.

No ano seguinte, ainda com o Aston, Hermano correu na Mille Miglia – corrida que chamou de “terrível e extremamente perigosa”, lamentando-se por todos os espectadores que morreram em acidentes nos quais o carro voava sobre a multidão. Mas foi com a compra de um Gordini 43, com motor seis-cilindros de 2,5 litros, que ele deu seu primeiro passo em direção à Fórmula 1. Com aquele carro ele disputou algumas corridas nas colônias francesas do norte da África e também venceu a Speed Cup no circuito de Montlhéry, chamando a atenção de Amedée Gordini, o fundador da equipe/preparadora.
Gordini contratou Hermano para disputar as 24 Horas de Le Mans mais uma vez – e novamente ele abandonou a corrida depois de 14 horas, agora por um furo no radiador. Contudo, dias depois Amedée o convidou para correr na Fórmula 1. Sua estreia na Fórmula 1 ocorreu no GP da Holanda de 1955, em Zandvoort, onde terminou em 14º lugar.

Em 1956, ainda com o mesmo carro e a mesma equipe, Hermano da Silva Ramos obteve seu melhor resultado na Fórmula 1 – o quinto lugar no Grande Prêmio de Mônaco, ficando atrás de Stirling Moss, Peter Collins, Juan Manuel Fangio e Eugenio Castellotti; e garantindo seus únicos dois pontos na maior categoria do automobilismo. Nas corridas seguintes – as etapas da França, da Grã-Bretanha e da Itália, Hermano correu com um novo motor de oito cilindros em linha, mas não conseguiu melhorar seus resultados: ele foi o oitavo na França e não terminou as outras duas provas por problemas mecânicos.

A carreira de Hermano da Silva Ramos nas pistas, porém, não durou muito mais. Em 1957 ele participou de dois Grand Prix extra-campeonato – o GP de Pau, na França, que terminou em sexto; e o GP de Nápoles, que foi mais uma prova abandonada por culpa do carro. A morte de um de seus grandes amigos, Alfonso de Portago, em um acidente na Mille Miglia em maio daquele ano, foi crucial para sua decisão de deixar as pistas – não por sua vontade, mas de sua esposa, que estava grávida do primeiro filho do casal.

Em 1958 ele disputou algumas com sua recém-adquirida Ferrari 250 GT Berlinetta, vendendo o carro no começo do ano seguinte. Em 1959 ele também correu as 24 Horas de Le Mans pela quarta e última vez, dividindo uma Ferrari 250 Testa Rossa com o inglês Cliff Allison… e deixando a corrida depois de 12 horas por culpa da embreagem.
Não demorou muito tempo, porém, para que as preocupações de sua esposa acabassem fazendo com que Hermano deixasse as pistas de lado – ela teve uma crise nervosa e recusava-se a comer, e chegou a perder oito quilos. Foram os médicos, segundo Hermano, que lhe fizeram tomar a decisão de pendurar o volante. “Era me divorciar ou abandonar a carreira de piloto”, comentou Hermano anos mais tarde. “Fui com a segunda opção – e fiquei dois anos sem conseguir dormir depois disso!” Se não tivesse se aposentado, porém, talvez Hermano da Silva Ramos não tivesse chegado tão longe.

Os recordistas de idade
Hermano da Silva Ramos é um dos oito pilotos vivos a terem corrido na F1 dos anos 1950. Além dele ainda estão entre nós Hans Hermann, André Milhoux, Bernie Ecclestone, David Piper, Peter Ashdown, AJ Foyt e Jackie Lewis. Nenhum deles conquistou um título ou vitória. Quem chegou mais perto disso foi Hans Hermann, que é atualmente o piloto mais longevo a conquistar um pódio, e aquele com o pódio mais antigo dentre os decanos — um terceiro lugar no GP da Suíça de 1954. Ele completou 97 anos em fevereiro de 2025.
Passando para a década de 1960, também não há piloto vivo que tenha conquistado um título ou vitória entre 1950 e 1964. O mais idoso dos vencedores de GP ainda entre nós é Sir John Young Stewart, o lendário Jackie Stewart, que venceu pela primeira vez em 1965. Ele nasceu em 11 de junho de 1939, e está atualmente com 86 anos. Ele também é o último campeão dos anos 1960 ainda vivo — o que faz dele o campeão com o título mais antigo (1969). Ele também é o campeão mais longevo da Fórmula 1.
Depois de Stewart, o piloto com a vitória mais antiga é Jacky Ickx, que venceu o GP da França de 1968. Ickx, contudo, não é o segundo vencedor mais idoso (data de nascimento), porque Mario Andretti, que ganhou pela primeira vez no GP da África do Sul de 1971, é quase cinco anos mais velho. Isso também faz de Andretti o segundo campeão mais idoso da Fórmula 1, mas não tem o segundo título mais antigo.

Quem ocupa o posto do “segundo campeão mais antigo” é Emerson Fittipaldi, que ganhou o título mundial de 1972. Se considerarmos apenas a idade dos pilotos, Emerson é apenas o quarto mais velho, porque Alan Jones, embora tenha vencido somente em 1980, é 40 dias mais velho que Emerson Fittipaldi. As tabelas abaixo explicam melhor isso:
Vencedores de GP mais idosos (idade):
– Jackie Stewart (11/06/1939)
– Mario Andretti (28/02/1940)
– Jacques Laffite (21/11/1943)
– Jacky Ickx (01/01/1945)

Vencedores de GP mais antigos (quando venceu o primeiro GP):
– Jackie Stewart (1965)
– Jacky Ickx (1968)
– Emerson Fittipaldi (1970)
– Mario Andretti (1971)
– Jody Scheckter (1974)

Campeões mundiais mais idosos (idade)
– Jackie Stewart (11/06/1939)
– Mario Andretti (28/02/1940)
– Alan Jones (02/11/1946)
– Emerson Fittipaldi (12/12/1946)
– Jody Scheckter (29/01/1950)

Campeões mundiais mais antigos (quando conquistou o primeiro título)
– Jackie Stewart (1969)
– Emerson Fittipaldi (1972)
– Mario Andretti (1978)
– Jody Scheckter (1979)
– Alan Jones (1980)
Agora, quer um dado chocante? Dos 28 pilotos que venceram um GP entre 1970 e 1979, somente oito ainda estão vivos – Jackie Stewart, Mario Andretti, Jacques Laffite, Jacky Ickx, Emerson Fittipaldi, John Watson, Alan Jones e Jody Scheckter.
E o piloto mais idoso a disputar uma corrida e a vencer uma corrida de F1?
Depende… o mais velho a entrar em um carro de F1 e acelerar durante um fim de semana de Grande Prêmio foi Louis Chiron. A idade dele depende do que se considera a disputa. Se considerarmos a inscrição e participação dos treinos, independente de ter se classificado ou não, Louis Chiron tinha 58 anos e 277 dias quando se inscreveu para correr em casa, no GP de Mônaco de 1958. Como ele não se classificou, não largou.

Mas tudo bem, porque ele já era o piloto mais idoso a largar em uma prova de F1. Isso aconteceu três anos antes, também no GP de Mônaco. No momento da largada, Chiron tinha 55 anos e 292 dias. Ele largou na 19ª posição com um Lancia D50 e terminou a corrida em sexto lugar, cinco voltas atrás do vencedor, Maurice Trintignant e quatro à frente do sétimo colocado, Jacques Pollet.

O campeão mais idoso também era um cinquentão: Luigi Fagioli, que tinha 53 anos e 22 dias quando venceu o GP da França de 1951. Ele foi o único piloto com mais de 50 anos de idade a vencer um GP em toda a história da F1. Depois dele, quem mais se aproximou desse feito foi Giuseppe Farina, que tinha 46 anos e 276 dias quando venceu o GP da Alemanha de 1953. Juan Manuel Fangio também tinha 46 quando venceu pela última vez, no GP da Alemanha de 1957, mas ele era quase oito meses mais novo que Farina.
E os brasileiros?
Bom, todo mundo sabe que Chico Landi foi o primeiro dos brasileiros na Fórmula 1. Ele também foi mais velho dos pilotos brasileiros, nascido em 14 de julho de 1907. Sua estreia na Fórmula 1 aconteceu pouco depois de completar 44 anos, no GP da Itália em Monza, mas uma quebra na transmissão o impediu de completar a primeira volta. Landi ainda disputaria os GP da Holanda e da Itália em 1952, da Suíça e da Itália em 1953, e o GP da Argentina de 1954, quando conquistou seus únicos pontos na Fórmula 1.
Depois de Landi, Gino Bianco foi o segundo brasileiro na Fórmula 1. Brasileiro de coração, pois ele era nascido em Turim e chegou ao Brasil ainda adolescente, se estabelecendo como mecânico de carros no Rio de Janeiro. Bianco estreou na Fórmula 1 em 1952, a três dias do seu aniversário de 36 anos, no GP da Grã-Bretanha. Além desta corrida de estreia, ele ainda disputou outras três provas naquela temporada — os GP da Alemanha, Holanda e da Itália —, todas pela Escuderia Bandeirantes, a equipe de Chico Landi na Europa, formada por monopostos Maserati A6GCM.
O terceiro piloto brasileiro, claro, foi Nano da Silva Ramos, que correu em 1956, como vimos mais acima. Depois, o piloto seguinte a ostentar a bandeira brasileira na Fórmula 1 foi Fritz d’Orey, que correu três provas em 1959 — o GP da França, o qual terminou em décimo, o GP da Grã-Bretanha e o GP dos EUA, tendo abandonado em ambos. O Brasil só voltaria a ver um brasileiro na categoria máxima do automobilismo em 1970, quando Emerson Fittipaldi foi contratado por Colin Chapman.
Depois destes cinco pioneiros, o Brasil teve 28 pilotos na Fórmula 1. Os 33 brasileiros somam 1.869 largadas em 827 Grandes Prêmios, com 101 vitórias, 293 pódios, 126 poles e 88 voltas mais rápidas. Três tornaram-se campeões, seis ganharam corridas. E, claro, somos um dos únicos oito países do mundo que projetaram e construíram um carro de Fórmula 1.


