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Este carro pode ser o Toyota mais antigo do mundo – e o único sobrevivente

Apesar de ter uma bela história nas pistas e nos ralis (leia neste post), além de diversos modelos para lá de lendários, como o AE86, o Celica e o Supra, a Toyota não tem uma imagem muito entusiasta aos olhos da grande maioria. O que é uma pena, pois trata-se de uma das maiores marcas do mundo, que tem uma história tão interessante quanto as outras. O carro da foto acima, por exemplo, tem tudo para ser o mais antigo Toyota em existência. Como não curtir isto?

Tal como certas espécies de animais que habitavam este planeta há séculos, ou mesmo décadas, alguns automóveis simplesmente deixaram de existir em algum ponto, restando apenas fotografias e registros históricos. Foi o caso do Model AA, primeiro carro produzido em série pela Toyota, que teve 1.404 exemplares fabricados entre 1936 e 1942, de acordo com a própria companhia.

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A Toyota começou em 1924, fabricando teares automáticos. Seu fundador, Sakichi Toyoda, era um inventor de mão cheia, e seus teares que paravam automaticamente caso encontrassem algum problema no tecido a fim de evitar desperdício foram um sucesso imediato. Tanto que, em 1936, o filho de Sakichi, Kiichiro Toyoda, decidiu aproveitar a boa fase para dar início à produção de automóveis.

Três protótipos foram feitos em em março de 1935. Nenhum deles sobreviveu, mas existe uma história interessante: os três carros foram abençoados por um monge budista, e Kiichiro Toyoda dirigiu um deles até o túmulo de seu pai, que havia morrido cinco anos antes, para lhe agradecer por ter ajudado a financiar a abertura da fábrica de automóveis.

A versão definitiva começou a ser fabricada em 1936, em duas versões: o sedã AA e o conversível AB. Uma curiosidade que a Toyota não esconde, mas também não sai por aí dizendo a todo momento, é que boa parte do projeto do carro foi inspirada no Chevrolet Airflow, um dos modelos americanos mais populares dos anos 1930.

A Toyota comprou um exemplar em 1933 para “fins de pesquisa” mas, levando em conta que, na época, o mercado automotivo japonês era dominado por modelos da Chevrolet e da Ford, fazia sentido para um carro novo ter a maior quantidade de peças intercambiáveis com modelos conhecidos. No entanto, na prática, o que os engenheiros da Toyota fizeram foi copiar o design do motor de seis cilindros em linha e 3,4 litros do Airflow, parafuso a parafuso. Até as medidas de curso e diâmetro eram as mesmas, assim como o projeto da transmissão manual de três marchas com câmbio na coluna. Já no visual, o carro lembrava um pouco o Chrysler Airflow (esse aí embaixo).

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Naquele tempo, as questões de propriedade intelectual e copyright não tinham o mesmo peso. De qualquer forma, nem seria preciso dizer que a receita foi um sucesso e que o Toyota AA foi só o primeiro de uma longa linhagem de produtos bem sucedidos. O problema é que não restaram muitos Toyota AA por aí. E isto só tornava pior o fato de não haver um único exemplar sobrevivente para que a fabricante mantivesse em seu acervo. Até agora.

Bem, a verdade é que a Toyota ainda não tem um exemplar do AA em seu acervo. No entanto, um museu em Den Haag, na Holanda sim — desde o mês passado. O carro foi comprado depois que Ronald Kooyman, diretor do museu Louwman, recebeu uma ligação de um de seus contatos em 2008, dizendo-lhe que um jovem estudante russo, de 25 anos, havia encontrado o carro à venda na página de classificados de um jornal da cidade de Vladivostok, próxima à fronteira da Rússia com a China e a Coreia do Norte.

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Kooyman, no princípio, ficou cético — realmente, todos os especialistas no assunto acreditavam que o Modelo AA era uma espécie extinta. No entanto, o jovem tinha tanta convicção de que se tratava de um Toyota (ainda que o anúncio dissesse se tratar de um Chevrolet Airflow…) que o diretor do museu decidiu conferir. Ele não se arrependeu.

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O carro estava lá, sim, e foram necessárias várias horas de pesquisas em fotos de acervo e registros históricos para confirmar que se tratava, de fato, de um Toyota AA. O único em existência.

Durante as pesquisas, descobriu-se que o carro foi comprado em 1945 por um fazendeiro de Vladivostok, que o utilizava como veículo de trabalho. Parado por décadas, o carro trazia (e ainda traz) as marcas acumuladas em sete décadas. O anúncio foi colocado pelo neto do fazendeiro, que jamais se deu ao trabalho de recuperar o carro — provavelmente, ele sequer imaginava a importância histórica que o carro tinha.

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O carro já havia sido comprado pelo Museu havia algum tempo, mas foram necessários sete meses de burocracia para tirar o carro da Rússia e levá-lo para a Holanda — até mesmo o Ministério da Cultura russo envolveu-se na negociação. O Toyota Model AA está no Museu Louwman, em exposição, desde setembro.

Seria incrível vê-lo restaurado, claro. No entanto, além de não existirem peças originais disponíveis para substituir todos os componentes que foram trocados ou desapareceram com os anos, a Toyota acredita que o carro tem mais valor do jeito que está, como um atestado à resistência do Modelo AA.

Ah, e uma curiosidade: chamamos o carro de Toyota AA ao longo de todo o post, mas tecnicamente seu nome é Toyoda AA. A companhia se chamava Toyoda até 1937, mas Toyoda decidiu trocar o “T” pelo “D” porque, em japonês, é preciso dar 10 pinceladas para escrever “Toyoda”, e apenas 8 para “Toyota”. Enquanto o número 10 é considerado de mau agouro no Japão, acredita-se que o 8 traz boa sorte. Depois do Modelo AA, todos os carros foram vendidos como Toyota, e não Toyoda.

[Dica do leitor Aurélio Folle]