A Dodge foi esperta: pouco depois de anunciar o Dodge Challenger GT, com tração integral, a fabricante fez todo mundo esquecer dele com o Challenger SRT Demon, um monstro de arrancada com motor de 850 cv, capaz de chegar aos 100 km/h em 2,3 segundos, com quarto-de-milha na casa dos 9 segundos. E daí que o Challenger AWD mudou um dos princípios básicos de um muscle car, a tração traseira?
Acontece que a Dodge não foi a primeira a fazer um muscle car de tração integral: a Ford já o fez, e foi em 1965. Só que ele nunca chegou às concessionárias. E sabe do mais incrível? Trata-se de um sistema de tração vindo da Fórmula 1, e feito por uma fabricante de tratores!
Se você acompanha as páginas do FlatOut, certamente vai lembrar do Climax Ferguson P99, o último carro com motor dianteiro a vencer uma corrida de Fórmula 1, com Stirling Moss ao volante, em 1961. Ele também foi um dos últimos a experimentar um sistema de tração integral, que usava um diferencial central que distribuía o torque em 37% para as rodas dianteiras e 63% para as rodas traseiras. Pois bem, o sistema empregado pela Ford foi desenvolvido e fabricado pela Ferguson para o Mustang é derivado daquele utilizado no P99.
O Mustang foi um sucesso imediato de vendas quando foi lançado, em 1964, e por esta razão a Ford realizou algumas experiências com o carro, testando variações de carroceria (como um cupê de dois lugares e um sedã de quatro portas, já mencionados aqui) e características mecânicas diferenciadas, como a tração integral. Naquela época, carros de tração traseira ainda eram maioria, e havia poucos e bem sucedidos carros de tração dianteira, como os DKW, o Mini de primeira geração e os Citroën. A tração integral ainda era vista como algo para utilitários, e não era vista como algo que podia melhorar a dirigibilidade de um carro no asfalto.
Você provavelmente também vai lembrar do Jensen FF, que foi lançado em 1966 e, como contamos neste post, foi o primeiro automóvel de tração integral produzido em série. Ele era feito com base no Jensen Interceptor (o grand tourer britânico com motor V8 Mopar debaixo do capô que foi tema de um dos quadros mais engraçados do Top Gear) e era equipado com um sistema de tração integral desenvolvido pela Ferguson Research — empresa que pertencia a Henry Ferguson, que também era dono da fabricante de tratores Massey Ferguson. “FF” significa Ferguson Formula, nome da equipe de Fórmula 1 que colocou o Climax Ferguson P99 nas pistas em 1961. Viu só? Tudo se interliga.
A Ford se interessou antes pelo sistema de tração integral da Ferguson e, um ano antes, enviou dois exemplares do Mustang para a Ferguson Research. Um deles seria transformado em um protótipo de tração integral, enquanto o outro seria deixado exatamente como era, para que se pudesse comparar ambos em testes.
O protótipo teve o sistema de suspensão dianteiro modificado para acomodar o diferencial – de McPherson para barras de torção. Testes realizados na época diziam que o Mustang de tração integral era, de fato, mais estável em curvas que o modelo comum de tração traseira e, talvez por esta razão, a Ferguson construiu mais dois protótipos, todos cupês hardtop.
No entanto, a Ford cancelou o projeto antes de pensar em produzi-lo em série, provavelmente pelo alto custo de incorporá-lo ao projeto e aperfeiçoá-lo para rodar nas ruas. De qualquer forma, talvez o consumidor ainda não estivesse pronto para carros de tração integral – o Jensen FF foi um fracasso nas vendas, com apenas 320 unidades fabricadas até 1971, quando saiu de linha. O Mustang FF provavelmente seguiria pelo mesmo caminho.
Não se sabe o paradeiro dos dois protótipos feitos depois, mas o original ainda existe e ainda está em perfeitas condições de rodagem.
O carro azul, equipado com um motor V8 de 298 pol³ (4,7 litros) e câmbio automático de quatro marchas, voltou para a Inglaterra ainda na década de 1960 e ficou até 2007 no museu da Massey Ferguson. Então, foi comprado pelo Museu do Automóvel de Tampa Bay, na Flórida, onde permanece até hoje.
Ao que parece, porém, existe um quarto carro: um Mustang conversível fabricado em 1970 que, de acordo com o site de classificados holandês Classics.nl, é equipado com um sistema Ferguson de tração integral.
O carro parece ter passado os últimos anos (ou as últimas décadas) parado, pois está bastante sujo e mal cuidado, e nas fotos não há evidência de que ele tem mesmo tração nas quatro rodas, mas vamos dar o benefício da dúvida. Se for mesmo, trata-se de um dos Mustang mais interessantes à venda no planeta atualmente.