Se até hoje voltas ao mundo de carro viram notícia, imagine como era há quatro décadas. Foi exatamente o que Bruce Thomas e Stuart Harper fizeram em 1969, quando deixaram a Austrália e partiram para Londres em um Fiat 600 Multipla. O melhor: toda a viagem foi documentada em fotos!
Bruce, o fotógrafo responsável por todas as imagens, conheceu Stuart enquanto ambos trabalhavam mapeando o Outback, na Australia. Ambos planejavam dirigir da Índia ao Reino Unido e, quando souberam de seus planos em comum, decidiram fazer a viagem juntos.
Stuart tinha acabado de comprar um carro para a jornada: um Fiat 600 Multipla 1961, que havia custado AU$ 175. Hoje, seria o equivalente a cerca de AU$ 2.000 (pouco mais de R$ 4.200).
O 600 Multipla pode ser definido como uma Kombi em miniatura feita pela Fiat: a base é o compacto Fiat 600, com motor e tração traseiros, mas a cabine é deslocada para a frente, com o motorista sentado sobre o eixo dianteiro. Por conta disso, o carro não tinha porta-malas, mas era possível escolher entre uma terceira fileira de bancos ou espaço para carga. O motor era o mesmo quatro-cilindros refrigerado a ar de 633 cm³ que, com 28 cv, era capaz de levar o Multipla aos 91 km/h. Quer um veículo melhor para atravessar a Ásia em direção a Londres?
Interior surpreendentemente espaçoso para um carro que é só 50 cm mais longo do que um Mini Cooper clássico
O carro de Bruce e Stuart teve o motor refeito e recebeu freios reforçados (os originais, a tambor nas quatro rodas, não aguentariam a viagem). Antes de partir para a viagem, a dupla resolveu testar o carro indo de Canberra ao Monte Kosciuszko, o pico mais alto da Austrália, com 2.228 metros de altura. Eles só não chegaram ao cume por causa da neve. Sendo assim, o carro estava aprovado.
O próximo passo era encontrar um navio que levasse o carro até a Índia. Não era uma tarefa fácil, pois a Guerra dos Seis Dias, no Oriente Médio, causou o bloqueio do Canal de Suez, o que reduziu drasticamente o fluxo de embarcações na área. Sendo assim, só agendando com 12 meses de antecedência Bruce e Stuart conseguiram um navio que partia de Sydney, Austrália, a Colombo, no Sri Lanka, passando por Hong Kong e Cingapura. Não era exatamente a Índia, mas era perto o bastante.
A dupla partiu no dia 12 de fevereiro de 1969 e passou por Índia, Paquistão, Afeganistão, Irã, Turquia, Bélgica, Suíça, Grécia, Itália e, finalmente, chegaram à Inglaterra. Nós vamos pegar carona com eles a partir de agora. Prontos para voltar 45 anos no tempo?
Este é o carro deles logo que foi comprado. Depois de ter os freios reforçados e o motor refeito, foram adicionados alguns adesivos patrióticos e eles pegaram a estrada — ou melhor, o navio.
Mas primeiro, partiram para subir o Monte Kosciuszko. O pequeno Fiat aguentou firme.
Depois de embarcar em Sydney, Bruce e Stuart ficaram por dois dias em Hong Kong enquanto o navio tinha seu casco repintado no porto da cidade.
Como bom fotógrafo, Bruce não perdeu a oportunidade de registrar a vida das pessoas nos locais por onde passou. Veja como a China já era caótica há 45 anos!
Carros na China, bicicletas em Cingapura.
A chegada ao porto de Colombo, no Sri Lanka. Ao todo, sete carros desembarcaram do navio — e todos planejavam dirigir até Londres.
Para chegar à Índia, o Fiat 600 navegaria de balsa. Em vez de elevador, cordas e sacos de feno foram usados para transferir o carro da doca para o barco. Imagine a apreensão dos viajantes…
Mas, pelo jeito, desembarcar deu ainda mais trabalho.
Na Índia, motos com sidecar e caminhões que ocupam toda a extensão das estreitas vias rurais são lugar-comum.
Uma parada para confraternizar, e um trem de passageiros — nem todo mundo queria usar o transporte rodoviário, e a gente compreende.
A entrada da Passagem de Khyber, que liga o Afeganistão ao Paquistão. Foi preciso pagar um pedágio para entrar.
Uma típica paisagem urbana em Cabul. O fotógrafo conta que há muita influência russa na cidade, dos carros ao comércio.
Fronteira entre Afeganistão e Irã, onde o asfalto vira terra.
As estradas de concreto entre as montanhas do Irã, que o Fiat cruzou bravamente…
… antes de começar a vazar óleo. Como não havia quem consertasse um carro italiano por aquelas bandas, eles seguiram viagem.
Por sorte eles não acabaram parados no deserto, ou poderiam ter um fim como o destes três.
Nas montanhas da Turquia, o carro quase não conseguiu seguir viagem — por causa da altitude elevadíssima (entre 6.000 e 8.500 metros, segundo o altímetro). Foram necessárias duas tentativas, com o carro berrando em terceira marcha.
Almoço no acampamento, na Turquia.
Para chegar à Europa, outro passeio de balsa.
Só na Grécia, depois de ver outro Fiat 600 rodando é que eles procuraram uma oficina para que o motor fosse consertado. O vazamento foi provocado pelo selo do virabrequim danificado. A peça foi substituída e o motor também recebeu um novo distribuidor.
Ao chegar em Atenas, Bruce e Stuart depararam com o Rali Acrópole a todo vapor, e fotografaram este Escort de primeira geração para recordar. Sweet!
Outra balsa, desta vez da Grécia para Otranto, na Itália.
O piso irregular do oriente médio fez a torre da suspensão dianteira direita atravessar o assoalho. Por sorte, na Itália o que não falta são mecânicos especializados nos carros da Fiat.
Este Mercedes-Benz SSK, em exposição no Museu da Mercedes em Stuttgart, na Alemanha, não era tão antigo em 1969 como é hoje.
As belas paisagens da Suíça. Só de olhar para esta foto já imaginamos as várias estradas sinuosas do lugar.
A última balsa antes de desembarcar na Inglaterra.
A chegada a Londres aconteceu no dia 29 de junho de 1969 — 20 semanas e 23.200 km depois.
E na Inglaterra o carro ficou, enfrentando o rigoroso inverno daquele ano…
Até que em 1970, durante seu último passeio, o carro capotou. Foi um fim triste para um carrinho tão aventureiro. Como não era viável consertá-lo, o Fiat 600 Multipla foi vendido para um ferro velho local. O preço? Cinco libras.
As fotos foram feitas usando duas câmeras Nikon — uma F Photomic e uma Nikkormat FTn, com filmes Kodachrome II (ISO 25)e Ektachrome High Speed (ISO 160) e lentes Nikkor de 28, 50 e 135 mm. Ao todo, foram tiradas cerca de 1.800 fotos, das quais 250 foram publicadas no Flickr de Bruce. Aconselhamos fortemente uma visita — dá para perder bons minutos vendo as belas imagens e lendo as legendas.
[ Fotos: Bruce Thomas/Flickr ]