Não é à toa que a palavra “câncer” é muito para descrever qualquer aspecto desprezível de praticamente qualquer coisa. O câncer é uma doença devastadora, que pode chegar de repente e levar embora qualquer um de nós, ou de nossos entes queridos. Existem diversos fatores agravantes, como genética e hábitos de vida, mas na prática o câncer pode pegar qualquer um desprevenido. Como aconteceu com Andrew Lee, um entusiasta norte-americano que, em 2015, com 19 anos, foi diagnosticado com um tipo raro de câncer nos rins, já em estágio avançado. O prognóstico era sombrio: os médicos disseram que Andrew só tinha de um a três anos de vida.
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Uma notícia dessas é suficiente para fazer qualquer pessoa entrar em desespero, e com Andrew não foi diferente. Contudo, não demorou muito para que ele percebesse que só podia fazer duas coisas: ficar parado, lamentando e com pena de si mesmo, ou sair dali e aproveitar ao máximo o pouco tempo que tinha.
Andrew decidiu ficar com a segunda opção, e agarrou-se a ela até onde conseguiu. Infelizmente, porém, ele acabou perdendo a luta – Andrew morreu no último domingo de Páscoa (21), cercado de sua família e amigos. E, por tudo o que fez no fim de sua vida, ele não deve ser esquecido.
Andrew morava em Maryland, Estados Unidos, e estava na escola quando sentiu dores agudas na barriga. A primeira suspeita foi apendicite, e imediatamente foi levado para o pronto-socorro. Após uma tomografia do abdômen, Andrew descobriu que tinha sofrido uma hemorragia interna em decorrência de vários tumores nos rins, que estavam em estágio 4 e já haviam se alastrado para a pelve. Os tumores eram inoperáveis.
No vídeo abaixo, gravado durante o SEMA Show, em novembro de 2018, Andrew conta que na primeira meia hora após o diagnóstico, ficou simplesmente arrasado, questionando-se: “por que eu?”. No entanto, não levou muito tempo para que ele percebesse que aquele não era o caminho – e começou a listar as coisas que gostaria de fazer antes de morrer. No topo, claro estava “comprar o carro dos meus sonhos”.
Como muitos entusiastas, especialmente as gerações mais novas, Andrew já gostava de carros na infância, mas foi com o primeiro “Velozes e Furiosos”, de 2001, que ele descobriu que era obcecado por eles. É claro que ter dado uma volta no TVR do pai de um amigo quando tinha dez anos de idade também ajudou.
Seu primeiro carro dos sonhos foi o Skyline GT-R R34, obviamente influenciado por Brian O’Conner. Mas, quando veio a ideia de montar a lista de “coisas para fazer antes de morrer”, o sonho era outro – um Nissan GT-R atual, naturalmente. No dia seguinte, ele e o pai foram à uma concessionária Nissan e, naquele fim de semana, Andrew voltou para casa ao volante de seu Godzilla novinho em folha.
Pouco depois, Andrew começou a fazer um tratamento experimental que, a princípio, mostrou-se eficaz e garantiu que ele tivesse disposição e tempo para cuidar do carro como queria. Ele até voltou a estudar – o que, nos primeiros meses, impediu que Andrew realizasse qualquer modificação no carro.
A fase “careta”, contudo, não durou muito tempo. Andrew tomou a decisão – compreensível, diga-se – de sair da escola e fazer algo mais produtivo com seu tempo. Algo que envolvesse carros, mais especificamente.
Foi quando ele teve a ideia de usar seu carro como ferramenta na luta contra o câncer. Não apenas contra seu câncer, mas de muitas outras pessoas diagnosticadas com a mesma doença que a sua – o HLRCC, que acomete principalmente adolescentes e jovens adultos.
Para isto, Andrew fundou a associação Driven to Cure (algo como “Dirigindo até a Cura”, em tradução livre), para aumentar a conscientização das pessoas a respeito de seu tipo de câncer, e também levantar fundos para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de novos tratamentos. Como? Usando seu GT-R como show car, atraindo a atenção das pessoas para a causa.
E assim teve início o projeto: Andrew instalou no GT-R um kit widebody da Liberty Walk e mandou pintar o carro de laranja metálico – uma tonalidade desenvolvida em parceria com a BASF, e batizada DTC Orange em sua homenagem.
Também foram adotados novos turbocompressores que, com uma reprogramação na ECU, levou a potência do motor VR38DETT a cerca de 700 cv, de acordo com Andrew. Ele não se importava muito com números, preocupando-se apenas em curtir o carro – algo que fez até seus últimos dias.
Andrew usava o carro diariamente: o GT-R era seu meio de transporte e também sua terapia. Ele dizia que, passeando pela cidade à noite, com as janelas abaixadas, dando uma esticada aqui e outra ali, conseguia esquecer dos problemas, do câncer, de tudo. O carro, aliás, era o maior símbolo de sua luta contra a doença terminal – a placa dizia “F CNCER”, uma grafia estilizada de F*ck cancer.
Participando de eventos e encontros, já em 2016 Andrew conseguiu levantar US$ 200.000 através de sua organização, participando de eventos e obtendo patrocínios. Todo o valor foi doado para a Foundation for the National Institutes of Health (FNIH), órgão que investe em pesquisas sobre o câncer nos rins que Andrew teve.
Andrew pode não ter conseguido vencer a luta contra o câncer, mas a Driven to Cure vai continuar em atividade, honrando sua memória, em busca de uma cura. Descanse em paz, Andrew. Seu legado continua vivo.
Fotos: Driven to Cure