No dia 24 de fevereiro de 1955 em Lorette, França, nasceu Alain Prost. Hoje, exatamente 60 anos depois, Le Professeur — apelido mais do que respeitoso concedido a um dos grandes rivais de Ayrton Senna, está em melhor forma do que muitos de nós sonham em estar aos 40. E temos certeza de que ele ainda é melhor ao volante do que a maioria de nós — incluindo outros pilotos — jamais será. Esta é nossa homenagem a Alain Prost.
Este escriba nasceu em 1991, o ano em que Alain Prost se aposentou pela primeira vez. Eu não lembro o que estava fazendo no dia 1 de maio de 1994, como boa parte dos brasileiros mais velhos do que eu sabe. Sendo assim, tudo o que eu sabia sobre Alain Prost até começar a me interessar pelo automobilismo e começar a pesquisar a respeito, era que ele era francês, tinha um nariz bem grande e sempre era alvo das tiradas de Nelson Piquet.
Contudo, não foi preciso meter o nariz a fundo (pun intended) para entender porque Alain Prost é um dos maiores pilotos da história da Fórmula 1: seus quatro títulos — três pela McLaren e um pela Williams, em 1985, 1986, 1989, e 1993 — falam por si só. Mas ser um piloto de Fórmula 1 não se resume apenas à quantidade de títulos. Se assim fosse, ninguém teria suas próprias opiniões e todos concordariam que Michael Schumacher, com seus sete títulos, é o maior piloto de todos os tempos, sem discussão.
Mas não é este o caso. Um piloto de Fórmula 1 precisa ser completo, e Prost foi, por 13 anos, de 1980 a 1993 (ele tirou um ano sabático em 1992), um dos mais completos que já sentaram em um monoposto.
O excelente artigo Aprecciating the Professor, publicado em 2009 pelo site Grand Prix History, define Prost como um piloto do tipo “cerebral”, ou “clínico”. Segundo Peter Dick, o autor do texto, um piloto bom piloto cerebral começa a vencer uma corrida dias antes, quando estuda o traçado e as prováveis condições da pista a curto prazo, planejando uma estratégia e dando o máximo de si em toda sessão de treinos. Seu objetivo maior é se tornar um especialista naquele circuito, seguindo a trajetória ideal em cada curva com precisão milimétrica e usando todas as características do carro a seu favor.
Prost era exatamente assim: com movimentos e ações que pareciam cronometrados, na maioria das provas que disputou Alain Prost parecia ter corrido a vida toda naquele circuito e pilotava como “o fantasma da volta perfeita” nos videogames. Era o tipo de piloto que confiava absolutamente no que estava fazendo e raramente saía decepcionado. Aliás, sua taxa de aproveitamento é altíssima: das 202 corridas que disputou, Prost venceu 51 (quase 25%), subindo ao pódio 106 vezes — mais da metade!
Prost, Monaco, 1986
Mesmo quando não vencia, Alain Prost quase sempre conseguia o número necessário de pontos em determinada corrida para ganhar uma posição, ou ao menos manter-se nela. Como em 1986, na Bélgica, quando chegou em sexto e garantiu um único ponto — tudo o que precisava para segurar a primeira posição e segurar o título no final da temporada, com apenas dois pontos de vantagem sobre Nigel Mansell, da Williams.
O mais impressionante foi que, logo na primeira curva de Spa, Prost se chocou com Gerhard Berger, da Benetton, e perdeu o nariz do MP4/2C. Ele precisou dar uma volta inteira bem devagar para voltar aos boxes e consertar o carro e, no processo, acabou indo parar na última posição — com a coluna de direção torta, o que o forçou a desalinhar o volante nas retas por toda a corrida.
O que ele fez? Simplesmente conseguiu recuperar-se de forma espetacular, fez a volta mais rápida da corrida (1:59,282, dois segundos mais rápido que o segundo mais rápido) e ainda chegou em sexto.
Na corrida anterior, em Mônaco, seu companheiro de McLaren Keke Rosberg já havia vivido algo impressionante. Prost simplesmente destruiu a todo mundo naquela corrida, liderando por 62 das 78 voltas e se distanciando cada vez mais de Rosberg, que disse estar pilotando em seu limite. O francês fazia tudo parecer fácil. Se ele não ficasse com aquele título naquele ano, seria imperdoável. E foi só o primeiro.
Niki Lauda, Keke Rosberg, Ayrton Senna e Damon Hill — todos eles já foram campeões pelo menos uma vez mas, e todos viram Prost sair do outro carro da equipe para levantar a taça no fim da temporada. Apenas com Lauda e Senna a recíproca foi verdadeira — Lauda foi campeão em 1984, correndo ao lado de Prost pela McLaren; e Senna conquistou seu primeiro título, também pela McLaren. E foi ali que nasceu uma das maiores rivalidades da história da Fórmula 1.
Senna e Prost em 1989
Como piloto, Senna era quase o oposto de Prost: intuitivo, raçudo e forçava o carro a trabalhar para ele — ainda que tivesse carros muito bons, como o próprio MP4/4 com o qual conquistou seu primeiro título. Portanto, não é de se estranhar que, em seu primeiro contato em pista, a rivalidade já tivesse se estabelecido: era uma corrida inaugural no circuito de Grand Prix do Nürburgring, patrocinada pela Mercedes-Benz, que colocou grandes nomes da Fórmula 1 para pilotar exemplares idênticos do 190E 2.3-16 Cosworth.
Senna esperou Prost no aeroporto de Nürburg e os dois foram juntos até o circuito, conversando pelo caminho — Senna era ainda um novato, fora chamado às pressas para substituir Emerson Fittipaldi e o Professor ainda não o conhecia. Os dois se deram bem, até que Prost conseguiu a pole position na breve sessão de treinos antes da corrida.
Eu estava na pole, e Ayrton ficou em segundo – depois disso ele não falou mais comigo! Achei graça na hora. Depois, na corrida, eu peguei a ponta – e ele me jogou para fora da pista em meia volta. Então dá para dizer que começamos bem…”
Senna venceu a corrida. Dos 19 no grid, Prost foi o 15º. A história toda você encontra aqui.
Prost disse isso durante uma entrevista para a revista Motor Sport, publicada na edição de outubro de 1998 — pouco mais de quatro anos depois da morte de Senna. Em 1993 ambos mal se falavam e a rivalidade havia acabado com a amizade que havia entre os dois. Contudo, o laço de rivalidade era ainda mais forte – e rendeu boas histórias, como a provocação envolvendo o patrocínio de Prost pela Sega, criadora do Sonic, e um porco-espinho esmagado no carro de Ayrton Senna.
Prost tornaria a se encontrar com a Sega em 1996, com este comercial bizarro
No fim das contas, a relação dos dois era ainda mais estreita que uma amizade. Eles já não eram amigos, mas conheciam mais um do outro do que se fossem.
Quando Ayrton morreu, eu disse que uma parte de mim havia morrido também, porque nossas carreiras eram muito entrelaçadas. E eu falei sério, mas sei que alguns acharam que eu não fui sincero. Bem, tudo o que eu posso fazer é tentar ser o mais sincero o possível”.
E Prost sempre foi, mesmo. A gente gosta muito da língua solta e da jovialidade de Nelson Piquet; e sabemos que a perda do talento de Ayrton Senna é irreparável. Prost, que levou quatro anos para se abrir de verdade sobre a morte do rival, merece nosso respeito por deixar sua pilotagem falar por ele.
Prost sempre foi um militante em nome da segurança na Fórmula 1 – e, ao contrário de Senna, que era conhecido como o “mestre da chuva” (ainda mais se chovesse em Mônaco), Prost sempre teve suas reservas, chegando a recusar-se a correr quando o tempo estava muito ruim. Para ele, correr riscos so era necessário até certo ponto.
Austria, 1989: “Prost não veio”, diz o comentarista
Talvez isto ajude a explicar porque Prost se aposentou do cockpit ainda em excelente forma – e da melhor forma possível: com seu quarto e último título, pela Williams. O vice? Ayrton Senna.
Com 38 anos e a sensação de missão cumprida, Prost decidiu colocar em prática o plano de fundar sua própria equipe — algo que lhe veio à mente em 1989, quando o clima entre ele e Senna azedou de vez e os dois trocaram acusações (Prost dizia que Senna pilotava “de forma perigosa” e o brasileiro rebatia dizendo que o francês era “puxa-saco” Jean-Marie Balestre, o presidente da FISA).
Em 1994 ele comprou a Ligier e a rebatizou como Prost Grand Prix, ou simplesmente Prost GP. Foram cinco temporadas (1997-2001) e apenas três pódios até a Prost GP pedir falência por falta de patrocinadores.
Desde então, Alain Prost participou de corridas de bicicleta pela França, prática que mantém até hoje, e em 2003 começou a correr no Trophée Andros, campeonato de autocross no gelo realizado na França desde 1990.
E, veja só: Prost foi campeão em 2007, 2008 e 2012 e é o segundo maior vencedor da categoria, com 36 vitórias (o primeiro é o compatriota Yvan Muller, com 46). Detalhe: quando na ocasião de seu último título, Alain Prost tinha 57 anos.
Não nos surpreenderíamos se ele comemorasse seu 60º aniversário com outro título. Qual é o seu segredo, Professor?