Não importa quanta gente critique a postura da Ferrari em relação aos carros que vendem, escolhendo a dedo quem serão seus donos e interferindo nas escolhas deles quanto à personalização mesmo anos depois da compra (o DJ deadmau5 que o diga): a Ferrari não coleciona milhões de devotos pelo mundo apenas por que faz carros incríveis (vai dizer que não faz?), mas pela atenção que dá aos seus clientes mais fiéis. E, bem, para ser um cliente fiel, primeiro é preciso se tornar um cliente.
Se você tiver grana o bastante, não emprestar sua Ferrari a jornalistas, não transformá-la em um carro de corrida e não envelopá-la com desenhos de gatinhos e arco-íris, talvez a Ferrari te venda carros o bastante para lhe garantir o privilégio de comprar uma LaFerrari.
Ser ex-piloto da Ferrari também não atrapalha…
E, se você for um dos que tem permissão e uma conta bancária gorda o bastante para comprar uma LaFerrari, certamente você receberá um convite bem especial: que tal ter um carro de F1 que competiu de verdade e, de tempos em tempos, acelerar com ele na pista?
É exatamente esta a proposta do F1 Clienti, programa especial direcionado aos clientes mais privilegiados da marca do cavallino rampante. O programa consiste exatamente no que descrevemos acima: a Ferrari oferece um de seus antigos carros de Fórmula 1 e, com ele, o novo proprietário poderá participar de eventos realizados pela marca e contar com transporte para qualquer parte do mundo, suporte de uma equipe de mecânicos especializados e até mesmo os equipamentos são fornecidos pela Ferrari.
Normalmente, os carros vão para a pista durante as edições do Ferrari Racing Days, evento itinerante feito exatamente para que os donos de carros como a F430 Challenge, 599XX ou a FXX K, além dos monopostos de F1, possam curtir seus bólidos como se deve.
Realizado desde 1996, o Racing Days é como uma demonstração contínua da proximidade das Ferrari de rua com seus carros de competição. Como em uma hierarquia, os eventos abrigam três programas diferentes: o Ferrari Challenge, categoria monomarca dedicada a modelos como a F355, a F430 e a 458 Challenge; o programa XX, que começou em 2006 com a FXX (esta, baseada na Enzo) e também inclui a 599XX e a FXX K; e o F1 Clienti.
Este último fica sob responsabilidade de uma divisão especial: o Departamento Corse Clienti. Trata-se de uma complexa organização cuja missão é garantir que a única preocupação do dono de um carro de F1 seja chegar ao autódromo para o evento. Absolutamente todo o resto fica por conta do Corse Clienti.
O departamento foi criado em 1970, a fim de cuidar da manutenção e restauração dos monopostos da Ferrari, preservando sua memória. No entanto, foi em 2003 que surgiu a ideia de colocar estes carros na pista novamente, nas mãos de clientes selecionados.
Dito isto, aqui no Brasil não se prestava muita atenção no Ferrari Racing Days até 2013, quando o evento passou pelo Autódromo de Interlagos. Nem todo munto havia visto tantos carros de Fórmula 1 da Scuderia, de tantas épocas diferentes, juntos na pista.
Isto sem falar na quantidade impressionante de Ferrari de rua enfileiradas no estacionamento — afinal, ferraristas gostam de andar em grupos. Eles são um tipo bem peculiar de entusiasta. Na boa, valeu?
Se você acompanha a nossa seção semanal para vídeos de canais brasileiros, deve ter visto que os caras do Exclusivos no Brasil (que também estiveram na edição de Interlagos, em 2013), postaram em seu canal alguns vídeos do Ferrari Racing Days em Spa-Francorchamps, na Bélgica. Só para você relembrar:
E, para se ter uma ideia do nível dos carros: em Spa, aceleraram na pista a Ferrari F2001 que Rubens Barrichello pilotou em… 2001, a Ferrari F150° de Fernando Alonso em 2011 e até alguns clássicos dos anos 80 e 90, como a 412 T12 de Gerhard Berger — último monoposto de F1 a ser equipado com um motor V12, que depois foi banido pela FIA.
Com 3,5 litros e 750 cv a nada menos que 15.300 rpm, o motor tem um dos roncos mais espetaculares da história da categoria. Além disso, a 412 T12 foi o carro que fez a Ferrari voltar a vencer na Fórmula 1, rumo a uma onipotência que durou boa parte dos anos 2000.
Os eventos são quase semanais, e realizados sempre nos circuitos mais importantes do planeta — Monaco, Imola, Interlagos e Spa são só o começo: só em 2015, já foram realizados eventos no Japão (Fuji Speedway), França (Paul Ricard), EUA (Laguna Seca) e outros.
Quando os Ferrari Racing Days estão em recesso, no entanto, é que o Departamento Corsi Clienti desempenha a função para que foi criado: cuidar de todos estes bólidos de F1 para que fiquem em forma para o ano seguinte, além de outros carros que serão restaurados, preparados para encarar as pistas de novo e vendidos a outros futuros participantes do F1 Clienti. Chegada a hora de voltar para o circuito, a divisão já tem tudo preparado em termos de transporte, logística e manutenção.
Fotos: Autoblog.it/King of Fuel
Mesmo assim, no entanto, há quem prefira abdicar deste direito e cuidar pessoalmente da manutenção e do transporte de seu monoposto. Provavelmente não se trata de uma questão de falta de dinheiro ou de confiança. Provavelmente estes caras que têm bala na agulha para comprar e braço para controlar um carro de F1 também queiram aprender a trabalhar neles. Faz sentido.