As duas fileiras com mais de 30 Ferrari dos anos 1960 aos anos 2000 foram a primeira visão que tivemos quando nossa Renault Master, que nos levara do aeroporto de Uberlândia a Araxá, cruzou o portão de serviço do Grande Hotel. A entrada pelo portão de serviço, aliás, embora não combinasse com o glamour pretendido pela organização do evento, resultou em uma experiência incidental que acabou nos impressionando mais do que se tivéssemos percorrido o caminho comum.
Era a tarde de quarta-feira. Muitos carros já estavam lá desde a manhã, mas boa parte deles daria as caras somente no dia seguinte, a véspera do feriado de 7 de setembro. Foi por isso que a primeira visão que tivemos dos carros foi aquela sequência matadora de Ferrari. O caminho entre o portão secundário e a recepção do hotel passava justamente por aquele corredor vermelho e italiano, mas como vínhamos do fundo, a passagem aconteceu em um crescendo: primeiro o par de Testarossa (coincidentemente a primeira Ferrari que conheci pelo nome quando moleque, no início dos anos 1990). Depois as Dino 246, e as modernas 456, 599 e 360 Modena. Em seguida, as GT de motor V12 dos anos 1960 e 1970.
No final do corredor, em uma das raras ocasiões em que se encontram, a F40 e a F50 repousavam lado a lado, enquanto eram cuidadosamente abrilhantadas por seus tutores.
A semana havia sido corrida. Tínhamos alguma idéia do que encontraríamos em Araxá, mas só conseguimos definir quais seriam as pautas depois de dar uma volta pelo pátio e compreender o refinamento da seleção de carros expostos. Uma destas pautas, contudo, já estava definida no instante em que a Renault nos convidou para o evento: um ensaio com a F40 e a F50 — os únicos exemplares de cada no Brasil.
Encontrar uma F40 não é uma tarefa difícil se você mora na Europa. Apesar do plano inicial da Ferrari fosse limitar a produção em 400 unidades, este número foi aumentado para 1.000 em 1989 e acabou ainda maior depois que o modelo foi homologado nos EUA. Pelo contrato assinado com seu representante local, a 22% da produção deveria ser voltada para o mercado americano, isto é: com as especificações exigidas pela legislação dos EUA. E foi assim que a Ferrari F40 acabou com 1.311 unidades. Isso significa que você tem 213 chances de ver uma F40 nos EUA e pouco mais de 1.000 chances de topar com uma F40 na Europa, mais algumas dezenas no Oriente Médio, Japão e Austrália.
Mas… no Brasil há apenas um exemplar. E como se isso não fosse raro o bastante, ela estava ao lado de um exemplar da F50. E isso é um encontro raro até mesmo onde há centenas de F40. Apesar de ser a cara da Ferrari nos anos 1990, estampando as paredes do quarto de toda uma geração de entusiastas, foram produzidas apenas 349 unidades da F50 entre 1995 e 1997, que foram espalhadas por todo o mundo.
Diante desta oportunidade rara, minha missão era abrir os carros para que o Juliano fotografasse cada detalhe que os pôsteres e as matérias da época jamais mostraram. E para isso precisaríamos da autorização dos proprietários.
Apesar de mais numerosa que a F50, a história da F40 brasileira é mais improvável. Primeiro porque ela foi lançada em uma época na qual as importações de automóveis eram proibidas. Mesmo que alguém tivesse os recursos para arrematar um dos exemplares, seria proibido pela legislação da época. Depois, mesmo sendo um exemplar fabricado no mesmo ano em que o presidente Collor abriu nosso mercado, o país atravessava mais uma de nossas tradicionais crises econômicas. Não era o momento mais adequado para vender uma F40 por aqui.
Mas assim mesmo o carro veio. Com a abertura a Fiat trouxe o carro em 1990 e o apresentou ao presidente Collor antes de levá-la para impressionar o público no Salão do Automóvel daquele mesmo ano. Dois anos mais tarde, foi o carro pilotado pelo mestre Bob Sharp no antológico teste da revista Quatro Rodas. Depois disso a trajetória do carro foi discreta. Ficou guardada na fábrica da Fiat em Betim/MG, onde era mantida pelo engenheiro italiano Pino Marinelli até a segunda metade dos anos 1990, quando foi comprada por um empresário sino-brasileiro que a manteve junto da F50, comprada em 1997.
Na década seguinte os carros acabaram vendidos separadamente e hoje integram duas coleções distintas. A F40 faz parte da FBF Collezione, de Ribeirão Preto, enquanto a F50 pertence a um empresário paulista.
A F50, por sua vez, tem uma história especial. O modelo foi fabricado em 1995 e foi o terceiro exemplar pré-produção fabricado pela Ferrari. Passou dois anos na Pininfarina e foi usado em fotos publicitárias e até na apresentação oficial do carro no Japão. Em 1997 voltou para a fábrica, foi reconstruída como um modelo zero-quilômetro e finalmente trazida para o Brasil. É o mesmo exemplar que nos deu uma carona em novembro de 2017 — e que foi pilotado por Valentino Balboni, test driver da Lamborghini (!!) no Velopark.
Por essa razão conseguir a autorização para “dissecar” a F50 foi fácil: bastou explicar que iríamos repetir a dose do ano passado, agora aproveitando a situação para explicar as semelhanças e diferenças entre ambas. A F40 foi um pouco mais difícil. O responsável pela FBF Collezione chegaria somente no dia seguinte. Enquanto isso, a F40 estava sob a guarda e os cuidados de um homem de meia-idade que nos foi apresentado como “o mecânico mais meticuloso de Ribeirão Preto”: o sr. Luiz Calori.
Felizmente, o Juliano conquistou o signore Calori, que realmente simpatizou com ele e acabou lhe passando a dica: nesse tipo de evento ele gosta de abrir o cofre do motor e ligar a F40 para o delírio do público. Bastou marcar a hora que ele iria fazer e combinar com o pessoal da F50 — que foi legal o bastante para fazer o mesmo. Sim: a F40 e a F50 aceleraram juntas! O resultado são estas fotos que você verá a seguir: um conteúdo exclusivo, com um nível de detalhamento sem precedentes.
Tão iguais, tão diferentes
No início de 1995 o mundo mal havia superado o fim da F40 e a Ferrari já estava lançando sua sucessora — que não tinha um motor turbo, e vinha com um design suavizado, mais contemporâneo e mais orgânico. As inevitáveis comparações favoreciam a F40. Por cinco anos ela habitou os sonhos (e as paredes e prateleiras) dos fãs da marca e de supercarros, e ela nem era um carro defasado quando foi embora. De repente, a Ferrari nos empurrou um carro pelo qual não esperávamos e que não era tão carismático quanto aquele que aprendemos a amar.
O conceito da F50, contudo, era tão radical quanto o da F40. Ela não tinha um visual bruto, mas também usava a tecnologia da Fórmula 1 da época, materializada no motor F130B, uma derivação direta do Tipo 036 usado na Ferrari 641 que disputou a temporada de 1990 e praticamente o mesmo motor da Ferrari 333 SP que disputou o campeonato de GT da IMSA em 1995. Como nos modelos de corrida, ele também era um componente estrutural, afixado no monocoque de Kevlar e fibra de carbono e suportando toda a traseira do carro — da suspensão ao escape e painéis da carroceria. O interior era espartano como na F40, uma medida de redução de peso, e ela sequer tinha um teto — o que ajuda a reduzir o centro de gravidade e resgata o espírito das antigas barchettas da Ferrari, uma das intenções do projeto que deu origem à F50, o conceito Mythos, de 1989.
A velocidade máxima da F50 era sutilmente superior à da F40 (325 km/h vs. 321 km/h), porém ela chegava aos 100 km/h em 3,85 segundo — quase 1 segundo mais cedo que a F40, que cumpria a tarefa em 4,6 segundos apesar do motor turbo. Talvez tenha sido a superioridade tímida em relação à F40, ou o fato de seus rivais da época atingirem velocidades mais altas, mas a F50 não conseguiu estacionar ao lado da F40 no coração dos fãs da marca. Como se não bastasse, as versões de pista da F40 (LM e GT) continuaram produzidas paralelamente à F50 — que nunca disputou corridas oficialmente. O resultado deste infortúnio foi uma carreira de coadjuvante nos quinze anos seguintes. A chegada da Enzo reforçou ainda mais o papel de patinho-feio da F50, uma vez que a F40 ainda ocupava o posto de Santo Graal ferrarista.
Felizmente, nos últimos anos, a mesma tecnologia que fez a LaFerrari saltar à emoção também deu à F50 seu merecido reconhecimento: ela foi, afinal, a última super-Ferrari aspirada com câmbio manual e um legítimo carro de corrida para as ruas. Exatamente como a F40.
Por essa razão, diante da inevitável comparação entre F40 e F50, aprendi a não cair na tentação de escolher uma favorita. Elas são filhas de uma mesma filosofia e, como irmãs, são diferentes e ao mesmo tempo iguais. Ainda que soe contraditório ou nonsense, vamos explicar melhor essa ideia ao longo desta matéria.
Tanto semelhanças quanto as diferenças de ambas começam pelo design influenciado pela aerodinâmica. As duas têm a dianteira baixa, dutos de escoamento, tomadas de ar e uma asa traseira fixa. A F40 foi a primeira Ferrari desenhada pelo ar — suas formas foram definidas pelos testes em túnel de vento —, mas a função prática se sobrepôs à forma, enquanto na F50 houve uma preocupação em atribuir uma função estética, com mais curvas e formas mais orgânicas.
A F40, por exemplo, tem dutos NACA espalhados por todo o carro, quebrando as superfícies com seu design imutável e funcional. A F50 por sua vez, integrou os dutos aerodinâmicos ao design, também concedendo a eles uma função estética além da prática. Isso fica evidente na dianteira dos carros. A F40 tem dois dutos NACA inseridos na superfície plana da dianteira para alimentar com eficiência o sistema de ar-condicionado (o único luxo do carro)…
… enquanto na F50 os dutos servem para escoar o ar do radiador e por isso são ainda mais radicais, porém a dianteira foi desenhada para integrá-los de forma mais natural:
Essa preocupação estética torna a F50 mais integrada ao panorama urbano/rodoviário, enquanto a F40 tem mais o aspecto funcional dos carros de corrida. Isso fica ainda mais evidenciado pela profusão de dutos NACA espalhados pela F40 (oito no total) e pelas rodas de ambos os carros. A F40 usa um jogo “two-piece” da Speedline (17×13 na traseira e 17×8 na dianteira) — calçadas nos primeiros Pirelli P-Zero Asimmetrico da história — com acabamento polido e cubo rápido…
… enquanto a F50 usa rodas one-piece também da Speedline (18×13 na traseira e 18×8 na dianteira) e também com cubo rápido, porém pintadas e aqui calçadas em pneus Pireli P Zero Corsa modernos.
Note que o parafuso central tem uma calota central aparafusada com o emblema da Ferrari, semelhante a um sistema anti-furto.
As laterais dos carros reforçam as evidências da preocupação de combinar forma e função na F50. Começando pelos para-lamas dianteiro. A F40 tem os para-lamas destacados, com o escoamento da caixa de roda aparente. A F50 tem uma lateral mais fluida:
Enquanto a F40 usa mais dois dutos NACA (veremos suas funções mais adiante), a F50 tem apenas uma reentrância estilizada que oculta um destes dutos do National Advisory Committee for Aeronautics.
Ele é posicionado discretamente na parte posterior da entrada; você só irá vê-lo se olhar bem perto…
… e serve para direcionar o ar fresco para os freios traseiro, arrefecendo-os. Ao fundo também é possível ver a grade que protege a colmeia de um radiador. Este da esquerda é o radiador do óleo do motor. No outro lado fica condensador do ar-condicionado. Nestas mesmas tomadas laterais, escondido no topo, fica o duto de admissão das caixas de ar do motor.
A F50 tem um defletor na canaleta da janela, assim você pode rodar com os vidros abertos sem que o vento invada a cabine.
Na F40 o duto NACA inferior leva ar para as caixas de roda traseiras, arrefecendo os freios. A superior leva ar para os intercoolers, posicionados logo acima dos turbos, já dentro do berço do motor.
Aqui começa a maior distinção entre as duas Ferrari. A F40 é um carro de corrida para as ruas à moda antiga, como Enzo fez nos primeiros anos de sua carreira. Apesar dos materiais compósitos usados em sua carroceria, sua estrutura básica ainda é um chassi metálico composto por tubos, que são revestidos por fibra de carbono e Kevlar para formar o monocoque e a própria carroceria.
Isso fica mais evidente quando abrimos a parte traseira do carro, que revela o berço do motor, toda a estrutura da traseira e a parte do chassi tubular que suporta o habitáculo.
Note o tubo de perfil circular atravessando o lado interno da coluna C. Ele é soldado ao berço do motor e se estende até a dianteira do chassi, formando o arco o teto, as colunas A e parte da estrutura dianteira do habitáculo. A barra transversal da foto acima é uma barra de amarração (brace/strut bar) para aumentar a rigidez do chassi, contendo sua torção.
Nesta imagem acima é possível ver como os amortecedores do tipo coilover são instalados no chassi. As caixas pretas de plástico guardam o filtro de ar do motor, e o componente cilíndrico sobre a chapa metálica entre as caixas de ar é a válvula wastegate do turbo (abaixo em destaque).
A válvula wastegate regula eletronicamente a pressão máxima do turbo por meio de um solenóide. Ela é controlada pelo módulo de controle (ECU) da injeção/ignição dos cilindros 1 a 4 — são dois módulos, um para cada metade do V8.
O ar chega ao motor admitido pelos dutos NACA situados no topo das laterais traseiras:
Também há um outro duto oculto nas colunas C, que ajuda a retirar o ar quente do cofre. Ele canaliza o ar fresco e força a saída do ar quente pelos respiros na cobertura do motor, nas laterais do carro e pela grade traseira.
Já os dutos NACA têm uma divisão interna:
O duto da esquerda direciona o ar para o turbo, passando antes pelas caixas de ar onde ele é filtrado. Na foto abaixo é o duto menor, que fica mais próximo da janela traseira:
Ele se encaixa nesta abertura, pela qual também podemos ver o filtro de ar:
A mancha de óleo não é desleixo: o respiro dos vapores de óleo o devolvem para estas caixas de ar para que ele volte a ser admitido e queimado no motor como em qualquer carro moderno, em vez de ser expelido no ambiente.
O outro duto, da direita, canaliza o ar para os radiadores posicionados na traseira do carro, logo abaixo dos respiros da lateral traseira. Na foto acima sua saída é a maior, que se encaixa sobre estes radiadores Setrab, logo atrás das rodas traseiras:
O radiador da esquerda, que aparece nesta foto acima com a marca estampada, arrefece o óleo do câmbio, enquanto o outro (em detalhe abaixo) arrefece o óleo do motor. Sim: são dois sistemas de lubrificação separados.
Dali o ar escapa por vários caminhos: as quatro guelras laterais, pelas quais é possível ver parte do duto (e a trama de fibras de carbono)…
… as três aberturas em cada lado da borda da cobertura do motor…
… pela icônica grade traseira, que também apóia as clássicas lanternas circulares fornecidas pela Carello…
… e pelos respiros no fundo do carro, atrás da roda traseira. Note aliás, a largura dos pneus Pirelli P Zero Asimmetrico 335/35 R17:
Na foto acima, aliás, podemos ver parte dos pontos de afixação dos braços triangulares inferiores da suspensão traseira. Aqui você pode vê-los em detalhes:
Note que o suporte tem um furo extra, usado para elevar a altura de rodagem. Mudando um pouco o ângulo, podemos ver o extrator de ar (difusor) da traseira
Voltando ao interior do cofre, temos o restante da suspensão:
Acima temos os pontos de afixação do braço superior, o amortecedor Koni 8325 (com o logotipo parcialmente ocultado pela mola), e parte da barra estabilizadora e sua bieleta. Abaixo temos uma visão completa dela, com a manga de eixo e o arranjo dos braços de suspensão. Mais ao fundo, parte da semi-árvore de transmissão:
Neste outro ângulo vemos novamente a barra estabilizadora e o suporte do câmbio logo abaixo dela:
A barra cinza manchada logo abaixo da afixação da barra estabilizadora é um dos suportes do para-choques traseiro. E o “disco-voador” à direita da foto é o abafador do escape, que pode ser visto por inteiro nesta imagem abaixo:
Antes de conhecermos as entranhas da F50, precisamos dar uma última olhada no maior diferencial do motor da F40: os turbos IHI RHB 53LW que ajudam seu 2.9 a produzir 484 cv. Aqui estão eles, escondidos sob os intercoolers.
Em ambas as fotos podemos ver a saída dos turbos para os intercoolers. O turbo da direita alimenta a bancada de cilindros da esquerda, enquanto o turbo da esquerda alimenta a bancada de cilindros da direita. Esse cruzamento dos fluxos é feito no plenum da admissão, que pode ser visto aqui:
Fornecidos pela Behr (sim, um componente alemão no coração do ícone italiano), eles resfriam o ar pressurizado a 1,1 bar (16 psi) antes de enviá-lo para a bancada oposta.
Agora sim, podemos abrir o cofre da F50 para as comparações:
Ao levantar a cobertura do motor nota-se mais uma vez uma atenção maior aos detalhes na F50: ela também é feita de fibra de carbono, mas ela recebeu uma pintura preta na parte interna…
… enquanto a F40 tem materiais expostos, sem acabamento:
O panorama do cofre é este, e ele já revela de cara porque a F50 é frequentemente chamado de “Fórmula 1 para as ruas”:
Seu conjunto de motor e câmbio é um componente estrutural. Assim à primeira vista é difícil perceber, mas tudo, absolutamente tudo, o que você está vendo aí é apoiado no motor e no câmbio. Da suspensão ao próprio habitáculo do carro. É exatamente como um Fórmula 1 é construído: a porção central é um monocoque de fibra de carbono ao qual o motor e a caixa são afixados. Uma estrutura frontal suporta a suspensão dianteira, e a carcaça do câmbio suporta a suspensão traseira — e, no caso da F50, a carenagem da traseira.
O responsável por isso na F50 é esse componente abaixo, com revestimento de “wafer”: o câmbio do carro. Parte de sua estrutura, (onde está estampada a marca Ferrari e as letras BA) é onde a suspensão e o para-choques traseiro estão afixados.
Nesta foto, de outro ângulo você pode ter uma visão mais ampla de como tudo é montado sobre ele:
É por essa razão que a suspensão da F50 é inboard. Ou seja: é montada sobre a estrutura do carro em vez de estar conectada diretamente às rodas. O arranjo é do tipo braços triangulares assimétricos com acionamento push-rod.
Esse componente de fibra de carbono reluzente é a caixa de roda traseira direita. Este componente em forma de V é um dos braços triangulares (o outro fica mais abaixo, e forma um V mais fechado) e a barra que o atravessa de baixo para cima é o push-rod. Quando a roda se move verticalmente, esta haste (rod) empurra (push) um balancim ligado ao amortecedor (esse componente com a ponta vermelha) o comprime ou distende.
O amortecedor — um coilover Bilstein com molas Eibach —, tem duplo ajuste: a altura de rodagem pode ser ajustada manualmente, e sua carga é ajustada eletronicamente — veja abaixo o conector elétrico ao lado do amortecedor. São apenas dois modos: soft e hard.
Abaixo podemos ver melhor como a push-rod se conecta ao balancim e ao amortecedor:
Note que o balancim também está conectado a uma bieleta (no canto esquerdo da foto) que está conectada a uma haste. Trata-se da barra estabilizadora. Abaixo é possível vê-la por inteiro:
No mesmo suporte da suspensão também está afixado o suporte do para-choques traseiro, e também o sistema que suspende os abafadores do escape. Tudo começa aqui:
Ao lado da afixação da suspensão há este suporte onde é presa a parte posterior do abafador do escape e também os suportes do para-choques e traseira do carro. Abaixo uma visão mais ampla:
Os abafadores também ficam apoiados sobre a parte traseira do câmbio:
E agora como esta amarração sustenta a traseira:
Ainda na parte traseira do cofre do motor, está o reservatório do cárter seco, esta misteriosa garrafa preta que repousa sobre o câmbio:
Este reservatório está ligado ao radiador do óleo do motor, posicionado na abertura lateral esquerda do carro (como vimos mais acima). A linha à direita envia os vapores de óleo para a admissão, para que seja queimado junto com o combustível. O óleo do câmbio e do diferencial fica separado, e é arrefecido por um trocador de calor posicionado logo à frente do reservatório do cárter seco — esse cilindro com uma conexão verde na foto acima (e que aparece junto com o amortecedor mais acima).
E já que falamos da admissão…
… finalmente chegamos a ela. Esta belíssima peça de fibra de carbono é o plenum da admissão, posicionado sobre as borboletas individuais (sim, 12 borboletas) do F130B. O ar é admitido pela lateral do carro, por uma tomada posicionada à frente da ventoinha do condensador do ar-condicionado, que aparece na foto abaixo:
… dali ele chega à caixa do filtro de ar antes de ser direcionado ao plenum. Abaixo é possível ver os corpos de borboleta individuais (ITB):
E na foto abaixo o fluxo quase vertical do cabeçote, com os dutos de admissão na parte superior, claro, e o coletor de escape na parte externa do V:
Agora que conhecemos as diferenças entre a F40 e a F50, chegou a hora de conhecermos suas semelhanças.
Tão diferentes, tão iguais
Mais acima eu disse que elas são projetos com a mesma proposta, apesar de parecerem tão diferentes. Mas isso não faz da F50 um carro mais luxuoso que a F40. Com a evolução dos materiais, a F50 pôde receber um monocoque de fibra de carbono, mais leve e mais rígido que o chassi da F40. Por isso ela também não precisou abrir mão de certas conveniências. Novamente as semelhanças e as diferenças começam no mesmo lugar, quando abrimos as portas dos carros e adentramos seu cockpit.
A F40 leva o foco no essencial ao extremo, dispensando até mesmo paineis de portas. Peso extra desnecessário. E mesmo sem forros de porta, a F40 teve as portas aliviadas, como podemos ver nesta foto acima. Os elementos vazados nas portas têm a função de preencher um espaço liso, mas também reduzir ainda mais o peso da porta. Aliás, importante salientar: somente as F40 produzidas entre 1987 e 1990 têm estas portas com as janelas deslizantes. A partir de 1990 elas ganharam janelas descendentes, operadas por manivelas. Exatamente como a F50…
Abaixo um dos detalhes mais famosos da F40: o cordão para abrir as portas internamente…
… enquanto a F50 oferece um mínimo de conveniência, com uma maçaneta convencional, uma manivela para abrir as janelas, um puxador para fechar a porta e até um apoio para o braço:
Em ambas não há nenhum tipo de revestimento do assoalho; apenas fibra de carbono exposta. Na F40 é possível ver até mesmo a cola verde usada para unir os painéis de compósito que revestem seu chassi (amplie a foto para observar). Você verá mais dela nas demais fotos internas:
Na F50 a fibra é igualmente exposta — tanto no chão quanto nos bancos —, porém o acabamento é mais esmerado e as junções menos aparentes:
Note que apesar do esmero, ela ainda é espartana como a F40. A faixa de fibra de carbono no painel, apesar de denotar alguma sofisticação, no fim das contas é um elemento funcional de redução de peso.
Na F50 a manopla do câmbio também é feita de fibra de carbono, e não há revestimento algum no túnel além deste pequeno painel dos controles do ar-condicionado — que também forma um porta-carteira. O câmbio de seis marchas tem a primeira e a segunda no mesmo trilho:
A F40 também tem um porta-carteira, mas os comandos estão no painel, a manopla de câmbio é plástica e o túnel é revestido. O câmbio de cinco marchas tem a primeira “dogleg“:
A F40 tem os instrumentos dispostos no quadro principal e mais três auxiliares ao lado da direção:
Na foto acima, da esquerda para a direita, o termômetro da água do motor, velocímetro (com escala de 360 km/h!), conta-giros (com redline em 7.750 rpm!) e manômetro do turbo.
Abaixo, também da esquerda para a direita, o termômetro do óleo do motor, a pressão do sistema de lubrificação e o nível de combustível. A tampa ao lado parece um porta-luvas mas é uma caixa de fusíveis. Os comandos do ar-condicionado são, respectivamente, a velocidade da ventilação forçada, e o controle de temperatura.
Na F50 o avanço tecnológico permitiu a adoção de um painel eletrônico e leve, que concentra todas as informações no quadro à frente do motorista:
Temperatura da água do motor, do óleo, pressão do óleo e nível de combustível ficam empilhados na esquerda, deixando o conta-giros (com redline em 8.500 rpm!) em evidência com o indicador de marcha digital. O velocímetro, note, tem a indicação mph e km/h. É um recurso interessante da F50: se você estiver em um país com medição em milhas, ele pode ser reprogramado para, usando a mesma escala, marcar em milhas por hora. Quando apagado, ele fica assim:
Note na foto acima que a F50 também tem três saídas centralizadas de ar no painel, porém com o quadro de instrumentos eletrônico, eles puderam ser embutidos. O volante é igualmente simples como o da F40.
Acima, entre a coluna de direção e as saídas de ar, fica o botão de partida da F50. A chave aciona o sistema elétrico e as bombas de combustível e lubrificante. O botão gira o motor de partida e acorda o V12.
No outro lado do painel, a F50 tem três comandos: luzes de neblina traseiras, desembaçador e o sistema de levantamento da dianteira, para não raspar o carro em rampas.
A F40 também tem três comandos neste lado: o desembaçador, o acionamento dos faróis escamoteáveis e, também, o interruptor da lanterna de neblina traseira. Note as hastes de comando do farol alto e dos piscas, semelhantes ao padrão Fiat da época.
Na F50 também há chicotes e cabos aparentes, porém de forma mais discreta:
As dobradiças das portas da F50 também têm uma rusticidade impressionante para um supercarro:
Abaixo, podemos ver os pedais da F40, curiosamente suspensos em vez de pivotados no assoalho como em muitos carros de corrida…
… e a própria Ferrari F50:
A foto acima, aliás, revela um ponto onde a F50 é mais espartana que a F40: a caixa de direção fica integralmente exposta, bem como o acionamento dos pedais. Note, aliás, a proximidade do acelerador e do freio nos dois carros e também a altura de um pedal em relação ao outro: posição perfeita para punta-tacco.
Os bancos fornecem praticamente o mesmo nível de suporte para o corpo nos dois carros, porém na F50 o encosto é ajustável…
… enquanto a F40 usa bancos concha com encosto fixo. Na foto abaixo também é possível ver parte da estrutura tubular que forma seu chassi. A manopla do freio de mão é idêntica nas duas.
O ajuste do encosto da F50, contudo, não é dos mais fáceis:
Acessar a F50 também não uma tarefa simples — especialmente se você tiver mais de 1,80 metro. A própria Ferrari sabe disso e instalou protetores nas soleiras de fibra de carbono:
O teto rígido também reduz o espaço interno para os mais altos, mas entrega a conveniência de rodar na sombra e com o ar-condicionado refrescando o calor dos trópicos. Com o teto aberto, a F50 tem uma capota de tecido emergencial, mas ela só pode ser usada até 80 km/h.
Estas etiquetas ficam atrás do banco do motorista, próximas à máquina do cinto de segurança e…
… à lingueta que abre a cobertura do capô. Aqui os bons observadores notarão outra característica famosíssima da F50 (e da F40, abaixo).
Já ouviu falar que a pintura da F40 e da F50 é tão fina que é possível ver a trama das fibras de carbono? Pois aí estão elas, nos reflexos de luz da F50 (na foto da lingueta) e no teto da F40 acima. Note também a marca “Lexan” na janela da F40.
E agora, de volta ao lado de fora, podemos comparar as semelhanças de ambas pelo ângulo traseiro. Diferentemente da dianteira, a metade posterior da F50 é mais evolutiva, muito mais próxima da F40.
Ambas têm a asa fixa (amplie a foto para ver as junções da asa de cada uma), ambas têm o painel traseiro em grade, as lanternas duplas circulares, a cobertura do motor de Lexan, o canal duplo do difusor…
… e a mesma silhueta básica, com a dianteira baixa, para-lamas dianteiros salientes, teto em queda acentuada, e linha de ombro larga e bem demarcada na traseira:
Na verdade, depois de conhecê-las melhor de perto fica muito mais clara a continuidade da F40 na F50. É como se os engenheiros e designers da Ferrari e da Pininfarina tivessem recebido uma deadline mais longa para concluir o carro. Bem… na verdade eles tiveram.
A F40 foi projetada do zero em apenas 13 meses — um prazo insano para desenvolver um carro inteiro, especialmente em uma época na qual computadores tinham menos poder de processamento que um relógio de pulso atual. A F40 não poderia ser diferente com um prazo tão curto.
Já a F50 teve seu design gestado em 1989, quando a Pininfarina desenvolveu a Ferrari Mythos para o Salão de Tóquio daquele ano. O design evoluiu gradualmente ao longo de cinco anos. Não seria exagero pensar na F50 como uma F40 feita com mais tempo e com um motor de sua época.
Antes de nos despedirmos do carro, um dos caras da equipe da F50, o Júnior, abriu o compartimento dianteiro para que pudéssemos fotografá-lo:
Acabamento pintado, como na traseira. Faróis acessíveis, bastando remover as capas para trocar as lâmpadas. Ali na parte interna do capô há um elemento curioso: entre os dutos que escoam o ar dos ventiladores/radiador, há um porta-valise, um dos poucos locais onde você pode levar seus pertences no “porta-malas” da F50. O outro é esse compartimento abaixo, à esquerda da foto:
A F50 vem com um conjunto de valise e uma pequena bolsa de mão que se encaixam perfeitamente nestes dois compartimentos.
Na foto acima ainda é possível ver os dutos de captação de ar para a cabine e de ventilação dos freios dianteiros.
Sob o “bagageiro” fica a bateria do carro. Ao lado, o reservatório do fluido de freio. Mais abaixo, o reservatório do lavador do para-brisa:
E as etiquetas com a identificação e informações técnicas sobre o carro:
Em seguida os motores foram desligados e os carros fechados. Com a missão cumprida (ao menos a parte das Ferrari), agradecemos o pessoal das Ferrari enquanto o sol terminava seu serviço daquela tarde. Uma última sessão de fotos com os responsáveis por deixar estes carros brilhando ao longo de todo o final de semana, e logo em seguida saímos correndo para aproveitar os últimos minutos de trabalho do dia.

Eu ainda precisava descobrir a história dos dois carros que haviam pertencido ao Emerson Fittipaldi, que estavam juntos expostos a alguns metros das duas Ferrari, e o Juliano ainda precisava fotografar alguns carros com os poucos minutos de boa luminosidade restante. Mas esta história, vocês já sabem, será contada no próximo post especial de Araxá.
24 horas depois do ensaio, as duas Ferrari estavam alinhadas na cerimônia de premiação: ambas ganharam o prêmio em sua categoria. Não tinha como ser diferente: