É curioso como alguns dos carros dos anos 1990 são onipresentes nas ruas, enquanto outros praticamente desaparaceram – e é fácil nos esquecermos deles. Um bom exemplo vem da Fiat: aposto que volta e meia você topa com um Fiat Palio dos anos 90 por aí.
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Eu era muito novo, mas lembro bem do lançamento do Palio em 1996. Seu design, criado pelo estúdio italiano I.DE.A, era bem ousado para a época – a dianteira tinha um desenho agressivo, as lanternas traseiras eram coladas ao vidro, a carroceria quase não tinha vincos e sua silhueta era dinâmica, com para-brisa bem inclinado e capô quase em forma de cunha. O Palio vendeu muito bem e sobrevive até hoje na perua Weekend e na picape Strada.
Por outro lado, alguns carros têm vida curta, mesmo que não mereçam. Um exemplo contemporâneo do Palio é o Fiat Brava. Ele foi lançado na Europa em 1995 e chegou ao Brasil em 1999, dois anos depois do encerramento da fabricação de seu antecessor, o Fiat Tipo – que saiu de cena com a reputação destruída pelos casos de “combustão espontânea”.
Mesmo lançado com quatro anos de atraso no Brasil, o Brava ainda era um carro de desenho muito moderno e ousado para a época. Era bem equipado, com direito até mesmo a ar-condicionado automático. Tinha bom espaço interno, acabamento bem satisfatório e bom desempenho na versão HGT, que tinha um motor 1.8 16v de 132 cv.
Mas ele foi vendido por apenas quatro anos, entre 1999 e 2003, e seu desempenho nas vendas foi apenas razoável. Em 2001, foram emplacadas 12.207 unidades, rendendo ao Fiat Brava a 28ª posição no ranking anual. No mesmo ano, o Volkswagen Golf – mais vendido entre os hatches médios – ficou com o 10º lugar na classificação geral, com 32.627 exemplares. Isto ajuda a explicar por que não se vê tantos Brava por aí. E o Fiat Marea, sua versão sedã/perua, é mais lembrado.
Pensei em tudo isto depois que o Leo me falou sobre o conceito Giannini Fiat Bravo Windsurf, apresentado em no Salão 1996 – um ano depois do lançamendo do Brava. Esse cara aí embaixo:
Seu formato é tipicamente noventista, com uma carroceria bastante arredondada, teto do tipo canopi e uma asa traseira integrada. A dianteira é claramente inspirada pelo que se via no Brava (e no Marea), assim como as lanternas traseiras, que vinham diretamente do carro de produção. “Windsurf” era uma referência à aerodinâmica do carro, que foi esculpido em um túnel de vento.
Um detalhe interessante: a responsável pelo design e construção foi a mesma Giannini que, na década de 80, ficou conhecida por seus Fiat Uno com turbo e carroceria widebody – sobre os quais falamos aqui.
E o desenho, veja só, foi concebido em parceria com o estúdio I.DE.A. Infelizmente, porém, tudo indica que se trata de um conceito estático, não funcional e sem interior, embora Fiat tenha dito na época que o conceito foi baseado no Brava e em sua versão de duas portas, o Bravo.
Inicialmente a Fiat planejava trazer o Bravo para o Brasil – a ideia era importá-lo da Itália assim que o Tipo saísse de linha. Contudo, a alta do dólar no final dos anos 1990 e os incidentes com o Tipo (apenas os carros importados pegaram fogo) levaram a Fiat a mudar de ideia e preparar sua planta em Betim/MG para fabricar o Brava localmente.
A carroceria de quatro portas certamente também jogou a favor do Brava – naquela época o grande público já começava a preferir as portas a mais, pela praticidade. E o Brava tinha uma carroceria bonita, com perfil imponente, e as criativas lanternas traseiras divididas em três seções que foram usadas no conceito da Giannini.
Por outro lado, como seria se a Fiat tivesse investido no Bravo por aqui? Para a fabricante italiana, o irmão de duas portas do Brava era um carro de caráter mais esportivo – tanto que, na Europa, ele foi o único a receber a versão HGT. E esta era bem mais interessante que o “nosso” Brava HGT, pois contava com o motor cinco-cilindros Fivetech de dois litros, com comando duplo no cabeçote e quatro válvulas por cilindro. Entre 1995 e 1998, o o Bravo HGT dispunha de 147 cv a 6.100 rpm, com 18,9 kgfm de torque a 4.500 rpm. Era o bastante para ir de zero a 100 km/h em 8,5 segundos.
A partir de 1999, o motor Fivetech passou a entregar 155 cv a 6.500 rpm. Já o torque permaneceu o mesmo, porém chegando mais cedo, às 3.500 rpm. Com isto, o tempo de zero a 100 km/h passou a oito segundos cravados. Para se ter ideia, o Brava HGT brasileiro fazia o mesmo em 9,5 segundos.
Do lado de fora, o Bravo HGT também tinha um bodykit mais agressivo, rodas de 15 polegadas e discos ventilados nas quatro rodas (284 mm na dianteira e 240 mm na traseira). Por dentro, o sóbrio habitáculo ganhava um volante de três raios e bancos com maior apoio, opcionalmente revestidos em couro. Visualmente ele fazia a linha esporte-fino, entregando sua verdadeira personalidade no desempenho e no ronco característico do Fivetech.
É de se imaginar que, caso a Fiat tivesse lançado no Brasil um Brava HGT com a mesma receita do hot hatch italiano, ele seria mais lembrado pelos entusiastas – ainda que, provavelmente, da mesma forma mezzo agridoce, mezzo irônica que faz com o Marea.
É inegável que a versão Turbo, com o Fivetech 2.0 de 182 cv, tinha desempenho incrível para a virada dos anos 2000 (0-100 km/h nos oito segundos baixos, máxima de 220 km/h) – mas também é inegável que o motor temperamental, que exigia ferramentas específicas para operações simples e manutenção rigorosamente em dia, manchou sua imagem para a posteridade. Isto posto, as versões mais simples, com motor quatro-cilindros, conseguiram manter o Marea vivo até a segunda metade dos anos 2000.
No fim das contas, a Fiat chegou a trazer alguns exemplares do Bravo para o Brasil pouco antes de desistir da ideia e lançar o Brava. E também chegou a colocar o motor Fivetech 2.4, de 160 cv a 6.000 rpm e 21 kgfm de torque, no cofre de três exemplares do Brava HGT para uso interno – dois deles existem até hoje, como contamos neste post. E um até passou pela nossa seção de Project Cars.
A verdade, porém, é que a Fiat jamais conseguiu emplacar carros de passeio maiores e mais refinados no mercado brasileiro, por diferentes razões – e uma delas até pode ser o desalinhamento com o mercado europeu neste sentido, que já dura décadas. A segunda geração do Bravo, lançada em 2010, foi sua última tentativa – com direito a uma versão T-Jet de 152 cv, o mesmo do Punto. Durou seis anos, deixando o mercado em 2016, sem causar alarde.
Olhando para a frente, é difícil enxergar alguma perspectiva para um futuro hatch médio esportivo no Brasil — seja ele da Fiat ou de qualquer outra marca. Além disso, o braço local da Fiat continuará concentrando-se nos compactos ao mesmo tempo em que, como as rivais, investirá em SUVs, crossovers e picapes. Como fã, só posso revisitar o passado, conhecer conceitos obscuros e lamentar, resignado, os hot hatches de sangue italiano que não tivemos.