Acho que já comecei outros posts desse jeito, mas enfim: nunca fiz questão de esconder meu gosto pelos carros da Fiat – algo que começou no fim da década de 1990, quando o carro da casa deixou de ser um Fusca 1600 e passou a ser um Fiat Uno CS 1988. Admiro o talento que a Fiat tem (ou um dia teve) para fazer carros compactos espaçosos, divertidos de guiar e cheios de personalidade. No meu tempo livre, às vezes, leio e pesquiso sobre eles – em especial a respeito dos modelos que não tivemos aqui, e também os carros mais exóticos desenvolvidos pela fabricante de Turim.
Isto posto, fiquei até meio surpreso quando me dei conta de que nunca havia abordado o Fiat Multipla aqui no FlatOut. Sim, me refiro daquele que já foi, inúmeras vezes, colocado entre os automóveis mais feios já fabricados, ao lado do Pontiac Aztek.
E aí, qual é o pior?
Falando sério: o Fiat Multipla, lançado em janeiro de 1999, não será, jamais, conhecido por sua beleza – sob a maioria dos pontos de vista, ele não tinha nenhuma. No entanto, pode-se dizer que ele era um carro à frente de seu tempo. E havia, sim, certa beleza em sua funcionalidade, que era sem precedentes no mercado até sua chegada.
O Fiat Multipla era um MPV, categoria usada sobretudo na Europa. A sigla significa Multi Purpose Vehicle, ou seja, “veículo multiuso” em tradução livre. É o que os americanos (e nós mesmos) chamamos de minivan. Seu nome foi inspirado por outro Fiat curioso e cheio de personalidade, porém feito na década de 1960: o 600 Multipla. Ele usava como base o pequeno sedã dois-volumes com motor traseiro, e a relação entre ambos era parecida com o que havia entre a Kombi e o Fusca. Exceto que o Fusca apenas cedeu seu conjunto mecânico e parte da plataforma à Kombi. O 600, por sua vez, emprestou até mesmo a porção traseira da carroceria. O resultado era um carro de visual desconcertante: a traseira parece a dianteira, e vice-versa. Olha só:
O Fiat Multipla original tinha certo carisma, apesar do exotismo no design – algo que, por outro lado, pode ter a ver com sua época: ele foi produzido entre 1959 e 1969, e nós tendemos a olhar com mais simpatia para os veículos mais antigos. O Multipla do fim dos anos 1990, porém, ainda não tem o charme nostálgico a seu favor.
Feito sobre a plataforma do Brava, com o qual dividia também o motor 1.6 16v (ou 1.9 a diesel) o Fiat Multipla tinha uma proposta simples, porém ambiciosa: oferecer mais conforto e espaço para seis pessoas, e ainda levar sua bagagem sem aperto. Uma coisa podemos dizer sobre a Fiat: de aproveitamento de espaço eles entendem, ou ao menos entendiam. Porque o Multipla era mais curto que o Brava, com apenas 3.994 mm e conseguia, sim, cumprir sua missão. Como? Colocando os ocupantes em duas fileiras de três bancos, em um entre-eixos de 2.666 mm – o Brava, com seus 4.190 mm de comprimento, tinha 2.540 mm de entre-eixos e espaço razoável para cinco.
O Multipla, porém, tinha outros truques. Os bancos dianteiros eram deslizantes, e o banco do meio podia ser dobrado para se transformar em um console com porta-copos e até mesmo uma mesinha. O banco de trás podia ter qualquer um dos três assentos individuais removidos, e também tinha diversas configurações. O porta-malas, com os bancos traseiros em posição normal, tinha 450 litros até a altura dos vidros, e chegava tranquilamente a 1.900 litros cheio até o teto e com os bancos traseiros rebatidos – e ainda levava três pessoas na frente.
Ele também era muito largo, com 1.871 mm sem contar os retrovisores, e as formas retilíneas contribuíam para aumentar a sensação de amplidão – assim como a generosíssima área envidraçada.
Até aqui, só elogios – e, de fato, se fosse um carro objetivamente ruim, o Fiat Multipla não teria sido fabricado por 12 anos. E isto só contando a produção italiana: ele também foi fabricado sob licença na China entre 2008 e 2013. Lá, ele era vendido como Fiat Multiplan ou Zotye M300 Langyu.
O problema é que, à primeira vista, o Multipla era um carro simplesmente feio, por dentro e por fora. As proporções da carroceria eram curiosas, com um capô baixo, linha de cintura também muito baixa, e os infames faróis – redondos e pequenos, divididos em dois pares, um abaixo do para-brisa e outro no local tradicional, acima do para-choque. Era quase como se uma segunda cabine estivesse nascendo, saindo na vertical pela linha de cintura de um outro carro. Dava certo desconforto não saber onde ficavam os “olhos” do carro – não é à toa que, na ficção científica, as criaturas mais perturbadoras têm os olhos em lugares estranhos.
Por dentro a coisa não era muito melhor. O painel era uma enorme massa disforme, com as entradas de ar, cluster de instrumentos, console central e alavanca de câmbio dispostos de forma aparentemente aleatória. Não havia um padrão, quanto menos simetria. E o acabamento em plástico cinza com revestimentos em tecido azul, embora fosse comum na época, envelheceu muito mal. O interior nasceu datado.
Ao longo de toda a sua vida, o Fiat Multipla dividiu opiniões justamente por esta dicotomia: era um carro muito bom no que se propunha a fazer e cheio de soluções inteligentes, mas o design pendia para o lado errado da inovação. Havia quem defendesse sua forte identidade, o que é perfeitamente compreensível (ainda mais hoje, com o design cada vez mais convergente em modelos de grande volume) mas, no geral, quem comprava um Multipla não estava muito interessado no visual.
E não foram tão poucos, embora nunca tenha sido brilhante: nos três primeiros anos de mercado, o Multipla vendeu mais de 40.000 exemplares por ano. Em direção aos anos 2000, foram emplacados consistentemente entre 20.000 e 30.000 Fiat Multipla ao ano.
É claro que o facelift de 2004, que deu ao Multipla um desenho mais comum, largamente inspirado na Fiat Idea – na verdade, ele usava os mesmos faróis. O redesign trouxe um aumento considerável nas vendas (cerca de 31.000 unidades, contra pouco mais de 21.000 no ano anterior), mas removeu do Multipla sua personalidade forte, inconfundível e ousada, que mostrava que um carro bem projetado não precisa ser bonito para fazer sucesso. Embora, se ele for bonito, seja melhor ainda.
Talvez por isso eu seja meio frustrado com a decisão da Fiat de substituir o Multipla por um carro bem mais convencional: o 500L Living, crossover com visual inspirado no 500 clássico que é bem mais palatável de se olhar, mas nem de longe oferece a mesma personalidade ou praticidade de seu inusitado antecessor. Ele pode até levar sete pessoas, mas nem de longe possui as mesmas soluções criativas. O mercado, por outro lado, respondeu bem: em 2013 o 500L vendeu 74 mil unidades, saltando para 94 mil unidades em 2014 e estabilizando na casa das 80 mil unidades até recentemente, quando começou a declinar pelo envelhecimento da plataforma.