Entre as fabricantes de automóveis existe um hábito que os entusiastas não enxergam com bons olhos: reciclar o nome de um carro emblemático em um carro completamente diferente que, via de regra, não faz justiça a ele. Um exemplo recente é o Mitsubishi Eclipse Cross, um crossover batizado com o nome de uma das linhagens de esportivos mais adoradas da Mitsubishi.
Outro exemplo é o tema do nosso post de hoje: a Fiat Strada. A picape derivada do Palio foi lançada em 1998, vinte anos atrás e, apesar da idade avançada do projeto, mostrou-se competente como veículo de carga e, gradativamente, conquistou o público brasileiro por seu conjunto que une mecânica robusta e confiável, suspensão resistente, estilo agradável e preço competitivo. Tanto que, atualmente, é a picape mais vendida do Brasil – em boa parte porque, com vinte anos de idade, ela já evoluiu até onde foi possível e, enquanto projeto, está em seu auge.
Agora, do ponto de vista entusiasta, a Strada não é o carro mais inspirador que existe. Afinal, em essência, é um veículo de carga. Claro, tivemos a Strada Sporting, vendida em 2011 com o motor E.torQ 1.8 16v de 132 cv, bodykit esportivo, suspensão mais baixa recalibrada, câmbio encurtado e rodas de 16 polegadas; mas apesar dela ninguém encara a Strada como um objeto de desejo. A menos que você seja um gerente de frota.
Por outro lado, o nome Strada já foi utilizado em um carro muito mais entusiasta. Para falar dele, é preciso voltar até 1978 – 40 anos atrás.
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Naquele ano foi lançado o Fiat Ritmo, que chegou ao Reino Unido como Fiat Strada. E ele tinha uma versão Abarth de fazer inveja a qualquer brasileiro que curta hot hatches.
O Fiat Ritmo/Strada foi planejado como sucessor do 128, de 1969, um dos modelos mais importantes na história da Fiat. Acontece que, embora tenha durado muito mais tempo a Argentina, onde era feito sob licença, o 128 já era obsoleto para os padrões europeus na segunda metade da década de 70.
Naquela época o mercado europeu de carros pequenos passava por uma espécie de revolução – motivada, em grande parte, pelo lançamento do VW Golf Mk1 em 1974. De uma hora para outra, toda fabricante europeia precisava desenvolver sua própria resposta ao Golf – um hatchback acessível, leve, divertido de dirigir e, graças ao motor dianteiro transversal, espaçoso e equilibrado. O Fiat 128 satisfazia parte destas exigências, mas tinha visual datado e não oferecia uma versão hatchback, considerada mais prática por seu tamanho e pelo acesso ao compartimento de bagagem.
Na verdade, o nome Fiat Strada era utilizado apenas no Reino Unido. Nos mercados restantes da Europa e também nos EUA, onde foi lançado em 1979, ele era conhecido como Fiat Ritmo. Era um dos primeiros modelos da Fiat a não ser batizado com três números – talvez como estratégia para tornar seu nome mais memorável junto ao público.
Projetado no Centro Stile Fiat, o Fiat Ritmo/Strada tinha um visual inusitado, com faróis circulares; grade do radiador assimétrica, integrada ao para-choque dianteiro; lanternas integradas ao para-choque traseiro e perfil quase que de fastback. O interior tinha um visual mais tradicional, típico da virada dos anos 80, com linhas retas e harmônicas, além de alguns comandos para o motorista posicionados ao lado do quadro de instrumentos – uma tradição da Fiat.
As versões iniciais utilizavam motores de quatro cilindros 1.0, 1.1, 1.3, 1.5 e 1.6 – sendo que o motor 1.0 era o mesmíssimo Fiasa produzido no Brasil para o Fiat 147. Embora tenha sido inicialmente criticado pela simplicidade do acabamento interno, o Fiat Ritmo/Strada acabou caindo nas graças do público e da imprensa após receber modificações para ficar mais refinado. E, em 1981, a Fiat decidiu apresentar no Salão de Frankfurt, em setembro de 1981, o Fiat Ritmo Abarth 125 TC. Seu nome era este porque, além da preparação e da temática Abarth, o carro tinha um motor 2.0 (1.995 cm³) com comando duplo no cabeçote, dois carburadores Weber e 125 cv, além de uma caixa manual da ZF de cinco marchas com relações bastante próximas entre si. Segundo relatos da época, o Fiat Ritmo Abarth TC era capaz de ir de zero a 100 km/h em 8,7 segundos, com máxima de 190 km/h.
O grande problema do Fiat Ritmo, contudo, era seu visual. Embora fosse um carro competente e se saísse bem nas vendas, os consumidores achavam seu estilo um tanto excêntrico. E foi por isto que, já em 1982, a Fiat promoveu uma reestilização importante no Ritmo, dando a ele estilo mais tradicional, com uma grade maior e separada do para-choque dianteiro, faróis duplos e lanternas traseiras mais avantajadas. Ele também foi um dos primeiros modelos da Fiat a trocar o emblema circular pelas cinco barras inclinadas, que foram utilizadas pela fabricante até o início dos anos 2000.
Antes da reestilização a versão Abarth não estava disponível para o Fiat Strada britânico, pois o desenho do coletor de escape não permitia que o sistema de direção fosse modificado para que o volante fosse instalado do lado direito. Com a reestilização isto mudou – a Fiat projetou um novo coletor de escape para o modelo Abarth que, além de permitir a adaptação à mão inglesa, aliava-se a um novo perfil para os comandos de válvulas e também a modificações no sistema de admissão. Assim, a potência do novo Ritmo Abarth – e do Strada Abarth, apresentado em 1982 – passou a 130 cv. Com isto, o hot hatch era capaz de ir de zero a 100 km/h em 7,8 segundos, com máxima de 195 km/h. E, verdade seja dita, ficou com um visual mais bonito e imponente.
Conseguimos enxergar a influência do Ritmo/Strada Abarth no Oggi CSS e no Uno 1.5 R, por exemplo
O Fiat Ritmo/Strada Abarth valia-se da suspensão independente nas quatro rodas – McPherson com molas helicoidais e barra estabilizadora na frente e braços arrastados na traseira – para garantir o bom comportamento dinâmico típico dos hot hatches da Fiat. E ainda tinha decoração esportiva atraente, com para-choques mais volumosos, molduras pretas nos para-lamas, rodas de 14 polegadas e emblemas Abarth na dianteira, nas laterais e na traseira. O interior do Fiat Strada Abarth britânico tinha bancos Recaro de série que, no Ritmo Abarth vendido no restante da Europa, eram opcionais.
Diante de seu principal rival, o Golf GTI, o Fiat Ritmo/Strada Abarth tinha a vantagem de ser baseado em um projeto mais recente – na época de seu lançamento a Volkswagen estava preparando o lançamento do Golf Mk2, e o Mk1 era um carro mais antiquado e menos potente: com seu motor 1.6 8v de 110 cv e câmbio manual de quatro marchas (a quinta marcha era opcional), o GTI era capaz de ir de zero a 100 km/h em 9,8 segundos, com velocidade máxima de 186 km/h. Ele só recuperaria a vantagem em desempenho em 1986, com o lançamento da versão com motor 1.8 16v de 140 cv, já na segunda geração.
O Fiat Ritmo/Strada Abarth, porém, falhou em tornar-se parte do imaginário popular entusiasta, como aconteceu com os Volkswagen GTI. Talvez uma razão seja a falta de apego da Fiat com os nomes de seus carros – em vez de novas gerações, os italianos preferem criar novos modelos, com identidade visual distinta e um novo nome. Foi o que ocorreu com o Fiat Ritmo/Strada: em 1989 ele foi substituído não por uma nova geração, mas por um novo carro chamado Fiat Tipo – que, ao menos no Brasil, não goza da melhor fama possível por conta dos casos de incêndio no início da década de 1990.
Desta forma, o Fita Ritmo/Strada Abarth acabou se tornando um tesouro secreto. Existem pouquíssimos exemplares conservados e inteiros rodando pela Europa, e a situação é ainda mais crítica para o Fiat Strada Abarth britânico: o carro que é destaque no vídeo abaixo é um dos três que ainda rodam pelas strade do Reino Unido.
É claro que a Fiat não tinha a intenção de evocar o Fiat Strada Abarth na hora de escolher o nome para sua picape derivada do Palio, lá em 1998. Mas é impossível não sentir uma pontinha de tristeza ao pensar no Strada esportivo que não tivemos.