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Finja surpresa: as novas placas do Mercosul foram suspensas no Brasil

A novela das placas do Mercosul acaba de ganhar mais um capítulo, logo agora que parecia estar perto de sua conclusão. Na quarta-feira (10), a Justiça Federal, por meio de decisão da desembargadora federal Daniele Maranhão Costa, suspendeu provisoriamente a implementação das novas placas em todo o Brasil.

A desembargadora atendeu o pedido de suspensão feito pela associação das fabricantes e lacradoras de placas automobilísticas de Santa Catarina, a Aplasc, sob o argumento de que o credenciamento das fabricantes é feito pelo Detran, conforme o Código de Trânsito Brasileiro, e não o Denatran, como diz a resolução que implementou as novas placas.

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Além disso, a decisão da desembargadora levou em conta que a adoção das novas placas deveria acontecer somente após a criação do sistema integrado de consultas e trocas de informação entre os países membros do Mercosul, o que não ocorreu. Com isso, as placas unificadas não terão efeito prático de aumentar a segurança e a fiscalização de veículos fora de seus respectivos países. Veja o que disse a desembargadora sobre esta questão:

“É impensável a adoção de um novo modelo de placas automotivas, que com certeza vai gerar gastos ao usuário, sem a contrapartida da implementação do sistema de informação integrado, sob pena de inverter indevidamente a ordem das coisas, pois a mudança do modelo visa a viabilizar a integração das informações com vistas à maior segurança e integração entre os países signatários do tratado.”

Entenda a novela

A placa do Mercosul nasceu em 15 de dezembro de 2010, em um encontro dos presidentes dos países membros do bloco realizado em Foz do Iguaçu/PR. A intenção era unificar o cadastro dos veículos registrados no Brasil, na Argentina, no Paraguai e no Uruguai para diminuir os riscos de clonagem de carros, desestimular os roubos e permitir a fiscalização de veículos estrangeiros em cada país.

Em um primeiro momento a implementação das placas começaria com um cadastro de 100.000 veículos de carga e transporte que circulam entre os países do Mercosul, e previa a substituição total das placas em um prazo de 10 anos.

Em 8 de outubro de 2014, os presidentes dos países membros voltaram a se encontrar em uma reunião realizada em Buenos Aires, Argentina, desta vez já com a Venezuela participando, e foi definido o novo padrão de placas, com implementação prevista para iniciar em 2016. Foi neste encontro que os representantes apresentaram o layout da placa e a combinação de caracteres. Todas as placas teriam fundo branco, uma tarja azul superior com o logotipo do Mercosul à esquerda, o nome do país de origem do veículo ao centro, e sua bandeira à direita. A sequência de caracteres seria AB 123 CD, possibilitando mais de 400 milhões de combinações diferentes — número quatro vezes maior que a frota somada dos cinco países.

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Durante a implementação, contudo, o padrão de caracteres foi modificado em cada país, permanecendo o original somente na Argentina. No Paraguai, foi adotada a sequência ABC 123, enquanto o Uruguai optou por ABC 1234.

No Brasil, como temos acompanhado desde 2014, o padrão e os prazos de implementação foram modificados ao longo do tempo. Originalmente teríamos o mesmo layout e a mesma sequência de caracteres da Argentina — AB 123 CD. Contudo, em 2014 a resolução 510 do Contran determinou que os automóveis usariam uma sequência alfanumérica de 7 caracteres, porém sem estabelecer se seriam aleatórios ou não — aparentemente o redator da resolução esqueceu deste detalhe. Esta resolução também estabeleceu que a placa brasileira teria uma tarjeta vertical holográfica à esquerda, lacre afixado ao veículo e também a bandeira da Unidade da Federação e o brasão da cidade onde o carro está licenciado — o que tornou a placa brasileira diferente de todas as outras do Mercosul.

Ao notar a descrição dúbia da sequência de caracteres, o Contran publicou uma nova resolução — 729/2018, a segunda sobre o assunto — para determinar que a sequência deveria ser aleatória, porém com o último caractere obrigatoriamente numérico devido ao rodízio de placas de SP e à sequência de licenciamento anual, que relaciona o fim da placa ao mês do ano. Esse padrão, além de continuar diferente dos demais países, permitiria mais de 15 bilhões de combinações.

Em 10 de maio de 2018, dois meses depois de definir o padrão aleatório, o Contran publicou mais uma resolução, número 733, que alterou a resolução 729 para adiar a implementação do sistema para 1º de dezembro. Desta forma, em 11 de setembro o Detran do Rio de Janeiro começou a emitir as novas placas usando o formato ABC1D23. E aqui a história fica bizarra: seis dias depois, já com milhares de placas emitidas, o Contran publicou mais uma resolução, 741/2018, para estabelecer oficialmente a nova sequência de caracteres (ABC1D23) e também instituiu uma tabela de conversão para a substituição das atuais placas, nas quais o segundo número será substituído pela letra correspondente à sua ordem no alfabeto (veja a tabela abaixo).

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A sequência ABC1D23 permite mais de 400 milhões de combinações diferentes, porém o código de trânsito continua estabelecendo que as placas de carros baixados ou sucateados não podem ser reutilizadas, o que significa que destas cerca de 400 milhões de combinações, serão excluídas as 116 milhões de combinações já utilizadas do atual sistema.

 

Precisamos mesmo de um novo sistema?

Além da falta de um sistema integrado entre os países, você já deve ter percebido que o único padrão são as cores básicas das placas — o fundo, os caracteres e a tarja azul ao topo. No restante tudo se difere — incluindo os elementos de segurança como o lacre e o filete holográfico, ambos exclusivos do Brasil. Além disso, a inclusão do brasão da cidade significa que o motorista que mudar de cidade terá que fazer uma nova placa para seu carro, em vez de apenas trocar a tarjeta como no atual sistema — o que, obviamente, será mais caro.

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E como se não bastasse, ela é feia. Esta é a placa para veículos comerciais/aluguel, mas poderia ser um souvenir tcheco ou americano. 

Diante destes fatos, surge uma pergunta: é realmente necessário adotarmos um sistema unificado para o Mercosul? Veja bem: por mais otimista que sejamos em relação ao bloco, não temos nenhum tipo de unificação com os demais países. Nem mesmo nosso combustível e a calibragem de motores é a mesma. Temos cotas de mercadorias entre os países, temos 27% de álcool em nossa gasolina e nossos carros são calibrados para rodar com etanol.

Além disso, diferentemente da União Europeia, onde uma viagem de 4.000 km te leva do Leste ao Oeste do continente, as viagens internacionais no Mercosul são muito menos frequentes, dadas as proporções continentais do Brasil. E ainda que fossem comuns, nossas leis de trânsito não são unificadas nem existe um acordo nessa direção.

Você pode argumentar que o atual sistema de placas está esgotando. Mas isso não irá acontecer tão cedo, visto que ainda temos combinações não utilizadas e 60 milhões de combinações reserva. E o esgotamento, vale lembrar, se deve ao fato de não podermos reutilizar a placa de um carro baixado/sucateado, o que poderia ser feito com segurança com os sistemas informatizados de hoje.