Nunca se falou tanto em veículos autônomos nos últimos anos. Depois dos híbridos e elétricos, que chegaram de mansinho e pelo jeito vieram para ficar, a próxima grande revolução da indústria automotiva são os carros e caminhões que não precisam de um motorista para chegar ao destino — como os protótipos que o Google vem apresentando nos últimos dez anos, ou os carros da Audi que dão voltas recorde em circuitos de corrida.
Até agora, contudo, estes protótipos não passavam de experimentos — carros feitos para aperfeiçoar a programação dos veículos autônomos e permitir a eles cada vez mais poder de “decisão” diante de situações inesperadas, mesmo as mais corriqueiras, no trânsito das cidades e rodovias. Na última quarta-feira (6), porém, um grande passo foi dado em relação à viabilidade dos veículos autônomos em nosso dia-a-dia: a Daimler apresentou o primeiro caminhão autônomo licenciado para rodar em vias públicas nos EUA.
O Freightliner Inspiration foi revelado na Represa Hoover, em Nevada, e foi autorizado a rodar apenas pelas estradas do estado — que, ao lado de Michigan, Flórida e Califórnia, é um dos quatro que permitem testes com carros autônomos em vias públicas.
Baseado no Freightliner Cascadia, o Inspiration tem como diferencial o sistema Highway Pilot que, para todo efeito, é o “piloto automático” do caminhão — um piloto automático do jeito que você imaginava quando era criança. Ele consiste em um radar dianteiro e uma câmera frontal que grava imagens estereoscópicas, além de sistemas que já são empregados em caminhões convencionais há algum tempo, como o cruise control.
Para seguir a rota pré-determinada e adaptar-se à velocidade do tráfego sem precisar de um motorista e não sair batendo em tudo, ele utiliza dois sensores principais: um sensor de longa distância, com alcance de 250 metros; e um de curta distância, com alcance de 70 metros. Trabalhando em conjunto com o radar e a câmera, os sensores são capazes de manter o caminhão na faixa correta e evitar colisões. Além disso, o Inspiration respeita automaticamente o limite de velocidade de cada trecho (sendo, inclusive, capaz de detectar as condições da estrada e ler sinais de trânsito graças a outra câmera, com alcance de 100 metros, montada no teto), mantém uma distância segura do veículo à frente e até aciona a função start/stop do motor em trânsito pesado.
A Freightliner também diz que os caminhões têm a capacidade de interagir entre si. É possível colocar dois caminhões em um comboio autônomo, e eles automaticamente mantém uma distância segura uns dos outros além de se comunicarem via wireless. Por exemplo, em uma frenagem de emergência, o caminhão da frente imediatamente manda um sinal para que os que estão atrás façam o mesmo — e o tempo de reação é bem menor do que o de qualquer ser humano de carne e osso. Além disso, o comboio reduz a fricção do ar (criando o famoso “vácuo aerodinâmico”) e o resultado é uma economia de cerca de 5% de combustível.
Contudo, o Freightliner Inspiration não é totalmente autônomo: ele ainda precisa de um motorista para mudar de faixa ou realizar ultrapassagens, por exemplo. Além disso, o Highway Patrol só toma o controle do caminhão depois de ativado pelo motorista. Caso contrário, o Inspiration deve ser conduzido como um caminhão convencional, com volante, câmbio e painel de instrumentos — que, no caso, é totalmente digital.
O motorista pode assumir o comando a qualquer momento, e é instruído pelo sistema a fazê-lo quando as condições da pista são desfavoráveis à condução autônoma, como tempo ruim ou em trechos com obras.
Mas quais são suas reais vantagens? Segundo a Daimler, companhia que controla a Freightliner, os benefícios são a segurança no trânsito e para os próprios caminhoneiros e empresas de transporte.
De acordo com um estudo realizado em 2013 pela Universidade de Stanford, 90% dos acidentes de trânsito são causados por erro humano — o que, em tese, seria um risco eliminado em um veículo autônomo. “Uma máquina nunca fica cansada. Ela não tem emoções quando está dirigindo de volta para casa depois de terminar com a namorada. Ela não fica bêbada ou idosa e com reflexos lentos”, comenta Patrick Vogel, chefe do laboratório de veículos autônomos da Universidade de Berlim, na Alemanha. É com este tipo de estatística que a Freightliner conta.
Outra vantagem é o conceito de “road train”, apresentado pela Volvo há alguns anos. Em um cenário hipotético com carros e caminhões autônomos popularizados, os veículos poderão formar pequenos comboios rodoviários, “unidos” pelos sistemas de condução autônoma.
Quanto aos benefícios aos caminhoneiros e transportadoras, a companhia cita vários — entre eles, uma jornada de trabalho menos cansativa (nos EUA, os caminhoneiros podem dirigir por até 11 horas ininterruptamente) e a possibilidade futura de colocar caminhões autônomos para transportar cargas em regiões remotas.
De acordo com a Associação Americana de Caminhoneiros (American Trucking Association ou simplesmente ATA), até 98% dos caminhoneiros que deixam seus empregos não são substituídos por falta de pessoal, e as longas jornadas de trabalho (alguns caminhoneiros passam até seis dias por semana na estrada) e a distância de casa são a principal razão.
Por outro lado, há quem também se preocupe com a possibilidade de os caminhões autônomos acabarem tomando os empregos não apenas de caminhoneiros, mas também afetando o comércio de beira de estrada, como restaurantes e hotéis. A Freightliner reconhece a preocupação e diz que, se por um lado a possibilidade de substituição de homens por máquinas existem, ela ainda está distante.
Primeiro, porque ainda não há tecnologia o suficiente para dispensar um ser humano na cabine. Segundo, porque mesmo que isto ocorra, ainda serão necessários homens para entregar e receber a carga e trabalhar na parte administrativa. “Em particular, caminhoneiros autônomos terão a conveniência de poder cuidar dos serviços administrativos enquanto estiverem na estrada”. Além disso, como alguns acidentes aéreos recentes nos mostraram, não é prudente deixar um veículo operar de forma automática, sem o monitoramento humano permanente.