Há motivos compreensíveis para que os entusiastas ainda torçam o nariz para a possibilidade de uma eventual dominação dos carros elétricos. Estamos intrinsecamente habituados à experiência de conduzir automóveis com motores de combustão interna, com explosões acontecendo dentro de câmaras, pistões reciprocantes, ao ronco, à fumaça, ao cheiro. Os carros elétricos ainda parecem, ao menos à primeira vista, frios, robóticos, artificiais… chatos, para usar um termo simples e universal.
Isto posto, um aspecto pouco levado em consideração na hora de explicar por que os carros elétricos ainda são vistos com resistência pelos gearheads é o câmbio. Ou melhor: a falta dele. Automóveis elétricos como os modelos da Tesla, por exemplo, utilizam caixas de redução para levar a força do motor para as rodas. Com isto, a potência e o torque instantâneos são transmitidos às rodas através de uma engrenagem, o que resulta em aceleração absurda, porém não possibilita que o carro atinja velocidades tão altas assim. Além disso, a falta do câmbio reduz drasticamente a sensação de envolvimento do motorista na condução – você só precisa acelerar, frear e esterçar, porque o carro faz todo o resto sozinho, e de forma contínua.
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Agora, só porque os carros elétricos não precisam de um câmbio tradicional para funcionar, não quer dizer que eles não possam ter um. E uma companhia norte-americana chamada Genovation veio nos lembrar disto com seu mais recente lançamento: o Genovation GXE – em essência, um Chevrolet Corvette Grand Sport que trocou o belíssimo motor V8 de 6,2 litros e 466 cv por dois motores elétricos com potência equivalente a mais de 800 cv, mas manteve o câmbio manual de sete marchas.
Não é tão difícil de entender quanto parece. Os carros elétricos geralmente dispensam o câmbio por conta do torque, que é bastante elevado e praticamente instantâneo. Para a maioria das funções básicas que cabem a um carro, uma caixa de redução acoplada ao motor elétrico é o suficiente – e ainda permite as populares exibições de aceleração que existem aos montes no YouTube. Mas é possível ligar o eixo de saída do motor elétrico a um câmbio convencional – que, colocando de forma extremamente simplificada, é um conjunto de engrenagens com diferentes relações que alteram a velocidade com que as rodas giram de acordo com a marcha selecionada e, consequentemente, a quantidade de força em cada uma destas marchas.
Fundada em 2008 com o objetivo de transformar o carro elétrico em um veículo para as massas, a Genovation parece saber que um passo importante nesta direção é justamente tornar o carro elétrico mais próximo do que temos hoje nos automóveis a combustão interna – de modo que os enxerguemos de outra forma. E, com seu Corvette elétrico, pode ser que eles consigam fazê-lo.
Usando como ponto de partida um esportivo tradicional, conceituado e de boa dinâmica comprovada, a Genovation colocou no Corvette dois motores elétricos fornecidos pela AMRacing, ambos no espaço que antes era ocupado pelo V8, e entregam 800 cv e 71,3 mkgf de torque – números que o colocam no mesmo nível do que se vê em um Dodge Challenger Hellcat Redeye ou em uma Ferrari 812 Superfast, por exemplo. E o desempenho do Genovation GXE condiz com as expectativas: zero a 100 km/h em menos de três segundos e velocidade máxima de 336 km/h – a Genovation diz que, em condições ideais, o carro é capaz de atingir os 354 km/h. O Grand Sport, para efeito de comparação, vai de zero a 100 km/h em 3,9 segundos e tem velocidade máxima de 305 km/h (com o limitador desativado). No vídeo abaixo, o primeiro protótipo funcional do GXE em ação:
A versão de produção, contudo, já está pronta. Baseada no Corvette C7, o carro recebeu algumas modificações, como painéis de fibra de carbono na carroceria (incluindo uma nova face traseira com lanternas circulares – que tal?) e rodas de fibra de carbono da Carbon Revolution. Já o interior é totalmente revestido de Alcantara e recebe uma central-multimídia vertical gigantesca, como nos Tesla, porém sem perder a identidade visual do Corvette.
Os dois motores elétricos são instalados um à frente do outro, e o câmbio foi reforçado para lidar com o torque extra – é importante observar, porém, que a caixa automática de oito marchas oferecida pela GM também está disponível no Genovation GXE. Em ambos os casos, uma parte crucial da equação é o fato de os motores elétricos girarem a no máximo 7.500 rpm, faixa de rotações que é bastante próxima da que se tem com o V8 pushrod do Corvette.
Até agora os únicos que já testaram o Corvette elétrico foram os próprios engenheiros da Genovation e os jornalistas da CNN. E, de acordo com eles, a companhia “conseguiu recriar com sucesso a diversão de mudar marchas com seu carro elétrico”. Isto posto, o carro é capaz de fazer coisas que um automóvel tradicional não conseguem, como sair da imobilidade tranquilamente em terceira marcha ou subir ladeiras íngremes na cidade em quarta marcha sem chamar reduções.
Se você se pergunta por que as fabricantes de carros elétricos não adotam, então, o câmbio manual em seus carros, há duas respostas. A primeira tem a ver com as baterias: no caso do Genovation GXE, ao utilizar baterias que priorizam alto desempenho antes da capacidade de armazenamento, a companhia conseguiu uma autonomia máxima de apenas 281 km – mais autonomia significaria menos desempenho.
A segunda é quase óbvia: o preço. Um Corvette elétrico feito pela Genovation custa a partir de US$ 750.000, sem contar as opções de personalização e a opção pela caixa automática de oito marchas. Serão feitos 75 exemplares apenas, e as entregas começam já em 2019.