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Car Culture

Gol GTS 1987: o elo perdido entre o Gol GT e o Gol GTi

Um golfinho se parece mais com um ser humano ou com um tubarão? Não se deixe enganar pela aparência: golfinhos são mamíferos, respiram através de pulmões, são gestados no útero de uma fêmea adulta (com a qual se conectam pelo cordão umbilical), têm costelas, coluna espinhal e membros superiores, que são mãos adaptadas como nadadeiras pela evolução da espécie. Como eles parecem peixes e são bons nadadores, a gente acaba olhando para eles como se peixes fossem.

O Gol GTS tem um tratamento parecido: ele parece um GTi, tal como um golfinho é parecido com um tubarão. Aí você pega o livro de anatomia, compara os dois bichos e descobre que eles são animais diferentes, e que o GTS é, na verdade, um GT de cara nova.

Ainda mantendo a comparação com a evolução das espécies, quem entrega essa diferenciação é um ancestral de transição, uma espécie que tem características do antecessor e do sucessor — popularmente conhecido como “elo perdido”. Este “elo perdido”, não por acaso, é o modelo mais raro da linhagem esportiva do Gol: o GTS 1987.

Essa transição de GT para GTi começou ainda em 1986, quando o GT foi atualizado com o motor AP-800 no lugar do MD-280, que tinha bielas mais curtas e pistões mais pesados e, por isso, tinha curvas de torque e potência mais agudas, com uma faixa útil de rotações mais estreita. O novo motor, combinado ao câmbio de cinco marchas que chegara no ano anterior, consolidou a receita do esportivo.

Naquele mesmo 1986 o governo federal, em uma tentativa de conter a escalada da inflação, anunciou o desastroso Plano Cruzado, que previa o congelamento de preços de alguns produtos — entre eles, os automóveis. E isso aconteceu justamente quando a Volkswagen preparava a reestilização do Gol. Reestilizações são caras, exigem investimentos que, por sua vez, resultam em reajustes de preços — especialmente naqueles tempos de hiperinflação — e a Volkswagen estava proibida pelo Plano Cruzado de reajustar seus preços.

O congelamento de preços, contudo,  não se aplicava a produtos novos — afinal, eles não tinham preço de referência. Então se você quisesse reajustar seus preços, bastava lançar um produto novo. Foi assim que a Volkswagen trocou a nomenclatura de suas versões, abandonando os antigos L, S, LS e GT para usar CL, GL, GLS e, no caso do esportivo, GTS. Talvez o nome não fosse alterado sem a proibição do reajuste de preços pelo governo, uma vez que GTS era o nome do Passat esportivo, um modelo superior ao Gol. O fato é que, quando o facelift do Gol foi lançado em 1987, o GT passou a se chamar GTS.

É claro que a relação com o GT não se limita ao nome. Veja as fotos do GT e as do GTS, especialmente pelo lado de dentro, e a relação ficará mais clara.

É um jogo dos erros ao contrário: procure pelos acertos e você encontrará o retrovisor posicionado após o quebra-vento, os instrumentos retangulares no painel, o próprio desenho do painel, que se diferenciava apenas pelo S após “GT” no logotipo ao lado do rádio, e os bancos Recaro com revestimento tear cinza degradê e a marca estampada no encosto.

Mecanicamente os dois carros eram idênticos: o GTS manteve o AP-800 de “99 cv” (potência inferior à real para evitar o enquadramento em uma faixa superior de tributação) e o câmbio PV, de cinco marchas, com as seguintes relações: 1ª 3,45:1, 2ª 1,94:1, 3ª 1,29:1, 4ª 0,97:1, 5ª 0,80:1 e diferencial 4,11:1.

Agora… sendo um ancestral comum, um “elo perdido”, ele também tem as características do sucessor. A carroceria teve a dianteira e a traseira redesenhadas, assim como a grade e o conjunto óptico. As lanternas traseiras, no GTS 1987, ganharam extensões em um aplique no rebaixo onde é instalada a placa, tornando-se mais largas que as do GT 1986. Esse arranjo permaneceu no Gol até o fim da primeira geração, em 1994. Na dianteira os faróis e grade passaram a ser integrados ao capô, que também mudou e ficou mais envolvente na borda dianteira, outra mudança que permaneceu na linha Gol e compartilhada com o GTi.

Nas laterais somente os espelhos e os apliques nas colunas B eram vestígios do GT 1986, mas os apliques eram diferentes no GTS, passando a ser lisos e não mais frisados, e tinham o emblema GTS na base. Quando o GTi foi lançado, ele manteve essa mesma identidade. Ainda ali nas laterais, o novo GTS passou ter borrachões maiores, que formavam uma linha contínua com os novos para-choques envolventes e integrados.

Falando neles, o conjunto óptico dianteiro auxiliar, também manteve um pouco do GT — no caso, os faróis de longo alcance. Apesar do formato e da posição, o GT usava faróis da Lucas, enquanto os do GTS eram fornecidos pela Rossi. Já os faróis de neblina, que no GT eram instalados sob o para-choques, no GTS passaram a ser integrados — o que foi mantido no GTi.

As rodas Avus do GT foram substituídas por um modelo novo e mais moderno chamado Silverstone. Elas também foram usadas pelo GTi entre 1988 e 1990. O GTi ainda usou o volante “quatro bolas”, outra herança do GT 1986.

Em 1988, o GTS mudou de novo: o retrovisor externo foi para a frente do quebra-vento e o interior foi atualizado com um novo painel redesenhado e mais moderno, com comandos auxiliares nas laterais do quadro de instrumentos, como satélites, daí o nome popular “painel satélite”. Os instrumentos passaram a ser circulares, com uma grafia mais moderna, compartilhada com modelos alemães da Volkswagen, assim como os Porsche e Audi da época. Foi com este painel que o Gol GTi estreou no fim daquele ano, e assim, completou-se a transição do GT para o GTi por meio do GTS.

O GTS, claro, continuou oferecido como uma opção mais acessível ao GTS (e também mais confiável, no fim das contas). Ele nunca foi equipado com injeção eletrônica, tampouco teve outra motorização que não fosse a AP-800 de 1,8 litro e “99 cv”. E ele foi oferecido paralelamente ao GTi até 1994, quando a nova geração do Gol foi lançada.

Ali a Volkswagen continuou segmentando o Gol esportivo, porém com motores 2.0 de características diferentes. O GTI de entrada era equipado com o AP2000, com r/l mais alto e cabeçote de oito válvulas, enquanto o GTI de topo usava o motor importado, com bloco alto, bielas longas e cabeçote de 16 válvulas. O sucessor do GTS apareceu timidamente em 1996 com o nome TSi — o “i” era necessário e a Volkswagen, pelo jeito, não quis fazer um GTSi, talvez por parecer superior ao nome GTI. Mas esta é uma história para outra hora.