Em novembro de 2016, há pouco mais de sete anos, enquanto procurava informações pouco conhecidas sobre o lendário motor DFV da Cosworth, nosso então repórter Dalmo Hernandes encontrou um samba-rock dos anos 1970 influenciado pelo Grande Prêmio do Brasil de 1973, que exaltava o Lotus 72 D, pilotado por Emerson Fittipaldi, vencedor daquela corrida.
A música fez relativo sucesso na época, mas depois acabou esquecida pelo grande público. Os uploads mais antigos no YouTube têm 12 e nove anos, respectivamente — pouco antes de o FlatOut (e o Dalmo) a “redescobrirem”. Nessa época, Zé Roberto estava morando em São Paulo, onde se apresentava em bares do centro da cidade.
Mais recentemente, há cerca de cinco anos, “Lotus 72D” chegou a ser remixada, mas voltou a ser conhecida pelo grande público em janeiro do ano passado, quando foi usada como trilha de uma campanha publicitária do serviço de alugueis temporários Airbnb. Alguns meses depois da publicação no site, o próprio Zé Roberto encontrou a matéria e entrou em contato com o Dalmo Hernandes para agradecer pela lembrança.
Agora, nesta quarta-feira, nos veio a notícia de que Zé Roberto morreu no último dia 24 de janeiro e foi sepultado nesta terça-feira, dia 30. Em homenagem ao compositor que misturou samba e Fórmula 1, estamos relembrando a matéria publicada em 2016 com a história da música e o contexto da época em que ela foi escrita. – Leo Contesini
Por Dalmo Hernandes
É uma música pegajosa, que logo de cara gruda na cabeça com o primeiro verso, “Lotus, Lotus, Lotus 72 (D, D, D!)” e deixa clara a inspiração na Fórmula 1. Até a capa do compacto (um disco de vinil menor, com apenas duas músicas) aposta nas cores da equipe britânica, amarelo/dourado e preto, e reproduz até mesmo a tipografia da Lotus.
Mas o que levou um compositor brasileiro a dedicar uma música especialmente a um monoposto de Fórmula 1? Bem, a verdade é que fato de o Lotus 72D ser um grande carro de corrida era só um dos motivos. Recomendamos que você ouça a música e preste atenção na letra antes de continuar lendo.
A década de 1970 começou muito bem para os brasileiros que eram fãs de esportes: logo em 1970, o tricampeonato mundial de futebol foi conquistado por aquela que, para muita gente, foi a maior seleção brasileira de todos os tempos. Ainda naquele ano, o time de basquete do Brasil conquistou o vice-campeonato mundial e, em 1971, o ouro nos Jogos Panamericanos.
Emerson chegou à Fórmula 1 em 1970. Sua estreia na Fórmula 1 aconteceu no Grande Prêmio da Grã-Bretanha como segundo piloto da Lotus. Nos treinos do GP de Monza, o piloto principal, Jochen Rindt sofreu um acidente fatal e Emerson acabou promovido a piloto principal da equipe da noite para o dia, depois de disputar apenas três corridas na categoria.
Em sua quarta prova, o GP dos EUA (a primeira depois da morte de Rindt), Emerson conquistou sua primeira vitória na F1. Os brasileiros ainda embalados pelas conquistas do futebol e do basquete viram a possibilidade de termos um campeão mundial também no automobilismo. Como o sucesso no esporte sempre esteve muito ligado ao patriotismo brasileiro, Emerson rapidamente se tornou um herói nacional.
A arma daquele novo herói era um carro chamado Lotus 72. Em essência, o Lotus 72 era um Lotus 49 com novos elementos aerodinâmicos – o motor era o mesmo Cosworth DFV e continuava sendo usado como componente estrutural. Mas o 49 ainda parecia um daqueles “charutos” de anos anteriores que foi ganhando apêndices aerodinâmicos ao longo dos anos.
Já o 72 nasceu com uma asa dianteira, uma asa traseira, radiadores nos sidepods, freios inboard e a tomada de ar para o motor localizada acima da cabeça do piloto. Estes elementos estão presentes até hoje, e certamente o Lotus 72 teve sua parcela de responsabilidade na evolução aerodinâmica e na configuração dos F1 modernos.
Desse modo, ao longo das temporadas de 1970 e 1971 serviram como laboratório para o Lotus 72 que, em sua quarta configuração, a 72D, teve a suspensão traseira e a asa reprojetadas para garantir mais downforce. Eram soluções que ainda não haviam sido adotadas em massa pelas equipes, o que acabou deixando a Lotus muito à frente das rivais.
Fittipaldi ficou com o sexto lugar no campeonato em 1971, e a equipe britânica estava confiante para a temporada seguinte. Para 1972, a Lotus trocaria a pintura dos cigarros Gold Leaf pelas cores dos cigarros John Player Special — preto e amerelo/dourado —, que se tornariam uma das pinturas mais emblemáticas da história da Fórmula 1.
Talvez tenha até dado sorte pois, das doze corridas disputadas pelo campeonato, o piloto brasileiro venceu cinco e ficou à frente de Jackie Stewart, que havia sido campeão no ano anterior. Aos 25 anos de idade, Emerson Fittipaldi deu ao Brasil mais um motivo para celebrar o calibre de seus esportistas.
A canção de Zé Roberto, porém, não trata do título de Fittipaldi em 1972, mas sim do Grande Prêmio do Brasil realizado no ano seguinte.
O primeiro GP do Brasil, realizado em 1972, foi como um teste: se os organizadores da Fórmula 1 aprovassem o circuito, o Autódromo José Carlos Pace tinha chances de passar a fazer parte do calendário oficial. E foi o que aconteceu em 1973, certamente no embalo do título de Emerson.
O GP de Interlagos de 1973 foi a segunda corrida do campeonato – a primeira havia sido o GP da Argentina, realizado no Autódromo Juan y Oscar Gálvez em Buenos Aires. Fittipaldi venceu no território dos hermanos e levantou a expectativa para GP do Brasil.
Emerson largou na segunda posição, logo atrás do colega de equipe Ronnie Peterson, que conquistava sua primeira pole position. Com o abandono de Peterson na quinta volta por problemas em uma das rodas, Fittipaldi assumiu a liderança, que defendeu sem problemas por 40 voltas até encontrar a bandeira quadriculada no retão principal e vencer a corrida com mais de 13 segundos de vantagem sobre o Tyrrell de Jack Stewart.
Imagine a importância daquela vitória: o primeiro campeão brasileiro de Fórmula 1, chegando em primeiro lugar no primeiro Grande Prêmio do Brasil no calendário oficial da categoria. Naquele momento o Brasil se sentia no centro do mundo. Não foi à toa que virou samba-rock.
Licenças poéticas à parte, é bacana como a letra da música faz referência à excelência técnica do Lotus 72D, mas também ao traçado antigo de Interlagos, com curvas que não existem mais, e à habilidade de Fittipaldi em contorná-las.
O traçado no qual o GP do Brasil foi disputado em 1973 foi abandonado em 1989, logo depois que o Rio Janeiro desistiu de sediar a Fórmula 1. Para receber de volta o circo da Fórmula 1, Interlagos passou por uma reforma geral, a fim de se adequar aos padrões da F1 na época.
O resultado foi um traçado de 4,3 km de extensão, reduzindo quase pela metade os 7,96 km do anterior. As curvas que se atacava em alta velocidade, que fizeram tanto sucesso na era de ouro das corridas de turismo brasileiras, deram lugar a curvas mais truncadas e lentas e, por isso mesmo, menos desafiadoras.
As curvas 1 e 2, por exemplo, que eram feitas de pé cravado, viraram história, bem como as curvas 3 e 4 e a citada Curva do Sargento. Este onboard de Fittipaldi ao volante de um Ford Maverick (um exemplar americano, o que nos faz acreditar que o vídeo tenha sido feito em 1972 ou 1973, pouco antes de seu lançamento no Brasil), dá uma boa noção do que era o traçado antigo.
É possível ver as curvas 1 e 2 e a reta de 850 metros que vem logo em seguida. Depois, vinha a chamada “Ferradura”, uma curva altamente técnica de 180 graus, onde era preciso frear ainda enquanto se fazia a curva. A partir da saída da Ferradura, fez-se a atual entrada da Curva do Lago, que é contornada no sentido oposto. A curva do Laranja antiga também é diferente do atual Laranjinha, e a curva do Sargento não existe mais.
Era um belo traçado, dos melhores que havia no mundo, ainda que a estrutura do autódromo não fosse perfeita – aliás, antigamente todos os autódromos eram assim. Os complexos enormes e bem projetados são invenções mais recentes.
Por mais que o atual traçado aproveite parte do traçado antigo, nossa opinião é simples: não era preciso inutilizar completamente o layout clássico do circuito, que permitia uma pilotagem mais veloz, técnica e emocionante. E inspirava músicas, como o samba-rock de Zé Roberto.
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