“Os jovens de hoje não gostam mais de carros” – é o que dizem incontáveis estudos, matérias e especialistas. Acredita-se que as gerações mais novas têm outras prioridades, que os carros são vistos por elas como meras máquinas poluentes, caras e desnecessárias. Contudo, um estudo feito pela seguradora britânica Admiral diz que cada vez mais jovens estão interessados por carros – e que mais da metade dos millenials (isto é, os jovens nascidos entre meados dos anos 1980 e meados dos anos 2000) entrevistados por eles decidiram comprar seu primeiro carro após verem postagens sobre automóveis nas redes sociais, como Facebook e Instagram. Mesmo que precisem da ajuda dos pais para pagar por eles.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
Outro sinal de que os carros ainda são interessantes para os jovens, porém, está nos videogames. Grand Theft Auto V fechou 2020 na sétima posição entre os dez games de PC mais jogados no planeta, de acordo com a Steam – a todo momento, mais de 200.000 pessoas estão jogando GTA V em seus computadores, sem contar outras plataformas. E estamos falando de um game lançado em 2013!
Na verdade, GTA V é um fenômeno tão grande que a Rockstar Games continua lançando grandes atualizações para sua versão online – na última delas, The Cayo Perico Heist que trouxe um novo mapa situado na década de 1970, os jogadores são convidados a dar um golpe milionário em uma ilha fortificada. Um dos prêmios é, pasme, um Fusca (na verdade, uma versão genérica e não licenciada do Fusca) que virou um dos carros mais cobiçados da história do jogo. Sim, em pleno 2020.
O sucesso de GTA V – que, a despeito de todas as atividades que o jogador pode realizar, ainda é um jogo baseado em roubos de carros – pode ser encarado como outra demonstração de que o carro ainda atrai os jovens. A ideia de liberdade que ter um carro só para si proporciona não deixou de ser atraente. E isto não deve mudar tão cedo, tanto que já faz 20 anos que a franquia segue a mesma fórmula básica: colocar o jogador em uma cidade tridimensional com liberdade para explorar cada canto e fazer o que quiser, quando quiser. Claro, as missões são necessárias para avançar na história, ganhar dinheiro e expandir as possibilidades, mas muitos gastam centenas de horas em GTA sem nunca ir muito além das primeiras tarefas que o jogo pede.
E este formato – pasme – completa 20 anos em 2021. Pois foi em 2001 que a Rockstar lançou Grand Theft Auto III, primeiro game da franquia a abandonar a perspectiva bird’s eye dos primeiros títulos e deu um passo gigantesco em direção à imersão dos que vieram depois, usando visão em terceira pessoa e lidando muito bem com as limitações do hardware de duas décadas atrás.
O que é?
Como o nome diz, GTA III foi o terceiro jogo da franquia, e o primeiro do chamado “3D Universe” – composto também por Vice City (200e San Andreas (além dos spin-offs Liberty City Stories (2005) e Vice City Stories (2006). Em contraste, os dois primeiros jogos, lançados em 1997 e 1999, compreendem o “2D Universe”; enquanto GTA IV (2008) e GTA V (2003) fazem parte do “HD Universe”.
Em GTA III, você vive o protagonista Claude, que não tem sobrenome e nem linhas de diálogo – ele é um protagonista mudo que é traído por sua namorada e cúmplice Catalina após o casal assaltar um banco nos arredores da cidade. Atingido por um tiro, ele é preso e escapa após membros do cartel de drogas colombiano interceptar o camburão que o leva para a cadeia – um golpe de sorte, pois os traficantes só queriam resgatar um dos seus. Claude faz amizade com “8-Ball”, também conhecido como “Guru”, e acaba se tornando um faz-tudo da máfia local.
O jogo se passa em Liberty City, cidade fortemente inspirada por Nova York, e estabelece diversos elementos que viriam a se tornar marcas registradas dos jogos da série, como a liberdade para explorar desde o início (embora partes da cidade fossem bloqueadas até que certas missões fossem cumpridas), linguagem explícita, temas adultos como sexo e uso de drogas e combate baseado em corpo-a-corpo, armas brancas e armas de fogo.
GTA III aproveitava a evolução dos computadores e do PlayStation 2, que usava DVDs como mídia (garantindo quase sete vezes a capacidade de armazenamento dos CDs), para oferecer muito mais conteúdo – um mapa muito maior, cutscenes longas, algo entre 8.000 e 18.000 linhas de diálogo, estações de rádio e uma história principal com cerca de 16 horas de duração – um jogo longo para a época. Incluindo-se as missões paralelas, chegava-se a mais de 20 horas de conteúdo.
Uma curiosidade é que GTA III foi lançado pouco depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, o que acabou atrasando sua entrega pois, segundo comunicado oficial da Rockstar na época, praticamente todo o pessoal envolvido foi afetado diretamente pelo atentado – os estúdios ficavam em Nova York e a maior parte dos funcionários conhecia alguém que estava trabalhando no local ou fazia parte da equipe de salvamento, por exemplo. Até mesmo a arte original da capa foi alterada após a queda das Torres Gêmeas, visto que a ilustração foi considerada excessivamente forte e caótica. O estilo em quadrinhos da nova capa, porém, foi muito bem recebido e acabou se tornando a identidade visual da série.
Gameplay
Sendo um jogo de 20 anos atrás, obviamente GTA III trazia algumas características que hoje vemos como limitações. Não era possível, por exemplo, girar a câmera dentro do carro ou mesmo destruir veículos na base da pancada. Além disso, não era possível fazer muita coisa nas ruas de Liberty City além de roubar carros e machucar pessoas. Por outro lado, os cenários tinham diversos elementos destrutíveis e havia um ciclo dinâmico de dia e noite, com um minuto no game correspondendo a um segundo no mundo real – ou seja, cada dia durava 24 minutos. Também havia clima dinâmico – tempo limpo, nublado ou chuvoso aconteciam naturalmente, com transições suaves e muito convincentes para a época.
“Suavidade”, porém, não era a palavra certa para descrever a física do jogo. Talvez pela pouca experiência com cenários tridimensionais dinâmicos, os desenvolvedores não conseguiram migrar muito bem os comandos do mundo bidimensional para a cidade em 3D. Claude se movimentava de forma meio desajeitada, a hitbox tornava o ato de bater nos NPCs um exercício de tentativa e erro, e os carros praticamente não tinham peso, aderência nos pneus e nuances na dirigibilidade.
Alguns aceleravam mais, outros menos. Alguns viravam mais, outros menos. Por vezes, a marcha à ré não funcionava nos computadores – algo que, de forma bizarra, tinha a ver com a taxa de quadros por segundo (FPS): em mais de 60 FPS eles simplesmente ficavam derrapando no mesmo lugar, o que era bem irritante.
As missões eram bem mais simples do que nos GTA que vieram depois – em essência, resumiam-se a levar alguém de um ponto a outro da cidade, ou assaltar algum estabelecendo ou dar cabo de alguém a mando do seu chefe. De qualquer forma, era possível passar dezenas de horas explorando a cidade antes de pensar em concluir a história.
Claude não podia nadar, não falava e não era dos melhores motoristas. O ato de sacar uma arma e atirar era fácil e preciso o suficiente, mas as balas muitas vezes não acertavam seus alvos mesmo que a sua mira fosse perfeita – não era incomum acertar cinco ou seis tiros em uma senhorinha e vê-la continuar andando como se nada tivesse acontecido. Os carros eram extremamente frágeis: qualquer encostadinha resultava no capô se soltando e nos para-choques voando. E não era preciso mais que cinco ou seis colisões moderadas para dar início a um incêndio que te obrigava a abandonar a máquina e sair correndo para escapar da explosão.
Ainda assim, eram mais possibilidades que qualquer outro GTA. E um passo além do que Driver 2 havia feito um ano antes. De qualquer forma, para quem queria algo mais familiar, GTA III foi o último a contar com a câmera bird’s eye, que até modificava os controles para o esquema clássico.
Gráficos e som
Na época do 3D Universe os gráficos de GTA estavam longe de ser os melhores da época – compare, por exemplo, com Gran Turismo 3, também lançado em 2001. Claro, era um game completamente diferente, mas seus gráficos na época poderiam ser considerados fotorrealistas, e estavam muito mais próximos de explorar tudo o que o PlayStation 2 podia oferecer. A questão é que, em 2001, os desenvolvedores tinham que fazer muito mais concessões: ou criavam um enorme mundo aberto totalmente explorável, ou davam valor aos gráficos. Era impossível fazer as duas coisas. Foi só com GTA V, 12 anos depois, que a Rockstar conseguiu equilibrar visual e conteúdo na mesma proporção.
As texturas, no contexto atual, eram feias e sem vida. Mal havia brilho na carroceria dos carros, as partes da cidade cobertas de grama eram simplesmente áreas em verde texturizado, e os prédios pareciam peças de maquete – Liberty City toda parecia um diorama, ou o cenário de peça de teatro em larga escala. As árvores eram conjuntos disformes de folhas em baixa resolução, a água tinha o aspecto de gelatina incolor e os carros pareciam de plástico. Quando você batia o carro e o capô era arrancado, o motor ficava visível – apenas uma textura chapada em baixa resolução.
Falando em carros, GTA III trouxe diversos modelos que viriam a se tornar tradicionais na franquia, como os esportivos Banshee, Infernus e Cheetah; os SUVS Landstalker e Patriot; a picape Bobcat; e o buggy BF Injection. O design era um pouco mais genérico, até mesmo porque os modelos não eram tão bem feitos como nos jogos que vieram depois, mas a semente estava plantada.
Em termos de som, a evolução também foi notável. Embora as músicas lincenciadas ainda não tivessem a variedade dos títulos seguintes, as rádios traziam coisas interessantes. A K-Jah radio, por exemplo, especializada em reggae, tirava todas as suas músicas do Scientist Rids the World of the Evil Curse of the Vampires, um clássico do dub. Já a programação da rádio Flashback 95.6 era toda composta pelas composições de Giorgio Moroder para a trilha sonora de Scarface. Cultura demais. E, claro, com a capacidade superior de processamento dos PCs mais modernos e do PS2, os efeitos sonoros mais realistas e o som ambiente ficaram mais envolventes e imersivos.
Conclusão
GTA III foi revolucionário em sua época pois, enfim, começava a recriar a experiência de ser um marginal solto em uma cidade grande cheia de segredos para explorar. Faltavam coisas básicas, como a possibilidade de girar a câmera e um mapa geral para te situar. Fora as limitações, é uma experiência interessante para quem quer conhecer os primórdios de GTA e não tem paciência para a perspectiva limitada dos dois primeiros títulos.
Uma cópia do jogo para PlayStation 2 não sai por menos de R$ 100 na Internet, mas é possível baixá-lo por R$ 15 na Steam – e o jogo roda em qualquer computador moderno. Vale a pena, mesmo que seja só para jogar por um fim de semana.