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Guerreiros sobre rodas: os carros que duraram (ou ainda duram) décadas com o mesmo projeto – Parte 1

Há alguns dias, um post que fiz sobre a troca do VW Gol 1985 por um Fiat Uno Way 2008 levantou uma questão interessante: no Brasil, entre os carros de passeio, o Uno de primeira geração, fabricado até 2014, era o mais próximo que se podia chegar de um carro antigo em termos de experiência. Projeto simples, dos anos 1980, sem grandes alterações estéticas… o mesmo interior desde meados da década de 1990. Foram 30 anos seguindo a mesma receita. É o que dizem, não se mexe em time que está ganhando.

No caso do Uno, tamanha longevidade não se devia apenas à competência do projeto, mas também porque ele tinha uma proposta bem específica na época: suprir a demanda do mercado por um carro simples, de baixo custo e que fosse capaz de aguentar o uso do dia à dia sem reclamar. Um pau-para-toda-obra, que ocasionalmente acabou conquistando alguns entusiastas por sua personalidade orgânica e quase utilitária. Desde o fim do Uno o mercado automotivo mudou bastante, e praticamente não há mais espaço para estes carros pelados e ultra-básicos por mais legais que eles fossem.

Dito isto, obviamente o Uno não foi o único carro longevo a ponto de atravessar e invadir décadas às quais não pertenciam mais por esta mesma razão: ser bom no que faz e custar pouco para fabricar e comprar. E nós vamos falar de alguns deles, vendidos no Brasil e no mundo, agora!

 

Lada Laika e Niva

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Se existia outra forma de começar esta lista, desconhecemos. O Lada Laika nunca foi um carro exemplar em termos de qualidade de construção e acabamento, jamais utilizou tecnologia de ponta (já era bastante defasado mesmo nos anos 1990, quando foi um dos primeiros carros importados a chegar ao Brasil) e, mesmo assim, durou 42 anos, de 1970 a 2012.

Não vamos ser injustos. Quando foi lançado, o chamado VAZ-2101 era contemporâneo: o projeto que lhe serviu de base era o Fiat 124, sedã lançado na Europa em 1966 e que trazia um sofisticado arranjo de suspensão independente, interior espaçoso e estrutura monobloco. Depois de firmado o contrato entre a russa AutoVAZ e a Fiat, em 1967, os três anos que se seguiram foram dedicados a adaptar o projeto às duras condições a que os carros eram submetidos na Rússia, com neve praticamente o ano todo, estradas ruins e vodca em abundância.

A suspensão foi elevada, a carroceria recebeu chapas de aço mais grossas e mais pesadas, os tambores de freio traseiros de alumínio deram lugar a peças de aço, e o motor Fiat cedeu lugar a um quatro-cilindros com comando no cabeçote (o 124 tinha comando no bloco) desenvolvido localmente. Em 1980, dez anos depois do lançamento, o VAZ-2101 foi reestilizado, ganhando uma cara própria – a face com faróis retangulares que lhe acompanhou até o fim da produção – e passou a se chamar VAZ-2105. Ou Lada Laika, no Brasil.

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No caso do Niva, foi a mesma coisa. Seu projeto é baseado, em parte, no Fiat 127, que deu origem ao Fiat 147 no Brasil – já reparou nas portas dele? Lançado em 1977, exatos 40 anos atrás, ele nunca mudou de geração e só passou por alterações significativas nos anos recentes, como motores com injeção e para-choques envolventes de plástico.

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Em 2009, foi rebatizado na maioria dos mercados como “Lada 4×4”, o que é quase uma heresia se considerarmos o significado do Niva e o modo como a Lada respeita tudo o que tornou o utilitário, que foi o primeiro SUV com construção monobloco produzido em série no mundo, um dos maiores ícones entre off roaders do mundo todo.

 

 

Suzuki Jimny

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Você vai reparar que o tema “utilitário” aparece bastante nesta matéria. Isto porque o público deste tipo de veículo tem uma tolerância maior a tecnologias e soluções de engenharia antigas (ou mesmo antiquadas), desde que elas funcionam como devem funcionar. Espaço interno, conforto ou mesmo design atual não são prioridades para quem quer um veículo robusto, capaz de encarar trilhas mais hardcore e de manutenção simples.

No entanto, charme característico e tradição contam bastante. E talvez por isso o Suzuki Jimny esteja aí, firme e forte, na mesma geração, a terceira, desde 1998. Já vão quase vinte anos, aí.

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O jipinho simpático tem tudo o que precisa para se garantir na trilha: como a gente já disse, por baixo da pequena carroceria há um veículo offroad com chassi da mesma bitola da Mitsubishi L200, tração seletiva nas quatro rodas com reduzida e suspensão do tipo trilink com eixo rígido na dianteira e traseira.

O motor usado pela atual geração é um quatro-cilindros de 1,3 litro com 85 cv a 6.000 rpm e 11,2 mkgf de torque a 4.100 rpm, e não precisa de mais do que isto para puxar os 1.060 kg do Jimny. O Jimny utiliza este motor desde 2000 na maioria dos mercados, adotando novas tecnologias com o passar dos ano, como comando variável, para se manter sempre atualizado em termos de eficiência energética e emissão de poluentes.

Só agora, vinte anos depois, o Jimny vai ganhar uma nova geração: um protótipo camuflado foi flagrado em testes nos últimos dias. A impressão ao ver as fotos é que o novo Jimny se parece muito com um Mercedes-Benz Classe G em miniatura, e a Suzuki já garantiu que o pequeno offroader manterá a capacidade de enfrentar terrenos difícieis e a construção robusta, com carroceria sobre chassi do tipo escada. Por outro lado, só terá motores turbinados de 0,6 litro, 1.0 e 1.2.

 

Volkswagen Santana

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Você provavelmente sabe que o Santana era a segunda geração do Volkswagen Passat, lançada em 1981 na Europa e no Brasil em 1984. Por aqui, o Santana sobreviveu até 2006, ganhando sua segunda geração em 1991 e uma reestilização em 1998. Seu segredo, assim como em outros carros desta lista, era sua boa reputação e a robustez de seu projeto.

Quando foi lançado, o Santana foi o primeiro Volks “de luxo” vendido no Brasil, e o desenho de sua carroceria recebeu muito bem sua primeira grande atualização, com traseira mais alta, dianteira mais longa e afilada e interior modernizado.

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A mudança seguinte, em 1998, já não caiu tão bem, pois as formas retilíneas das portas e da área envidraçada não casaram muito bem com os para-choques arredondados. No entanto, àquela altura o Santana já havia virado carro de frota e, com isto, permanecia competente no que fazia.

Na China o Santana de primeira geração foi ainda mais longe: a primeira geração, com visual praticamente igual, ainda era vendida até 2013 — com algumas mudanças sutis, claro, como para-choques com a parte inferior pintada na cor da carroceria.

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No mais, sua história é parecida com a do Santana no Brasil. Os brasileiros ajudaram os chineses a desenvolver duas reestilizações do Santana, aos moldes das nossas: uma em 1991 (Santana 2000) e outra em 2004 (Santana 3000). Os três Santana conviveram por alguns anos no mercado chinês, mas em seus últimos anos foram substituídas pelo Santana Vista, que tinha projetores nos faróis e elementos circulares nas lanternas. E com direito a madeira no painel em algumas versões.

 

Mercedes-Benz Classe G

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Dentre os SUVs que se mantiveram praticamente inalterados por décadas, o Mercedes-Benz Classe G é exceção. O utilitário foi lançado pela Mercedes em 1979 e, desde então, jamais deixou as linhas de produção e nem mudou de geração.

Também conhecido como Geländewagen, que significa literalmente “veículo fora-de-estrada”, o Classe G segue a receita básica, com uma carroceria quadradona sobre um chassi do tipo escada, bitolas largas e entre-eixos curto; e ainda traz alguns diferenciais, como os três diferenciais (pun intended) com autoblocante e opção por motores V8 preparados pela AMG.

E os motores AMG são parte do que torna o Classe G um caso atípico: versões potentes, com coisa de 500 cv, acabamento mais refinado (apesar da natureza rústica do projeto) e preço arranhando os seis dígitos fizeram do utilitário presença quase obrigatória na garagem de quem tem muita grana e muitos carros, geralmente para andar na cidade, bem longe da terra, da água e da lama. O oposto do objetivo original, praticamente. Mas é isto o que mantém o Geländewagen vivo.

 

Volkswagen Kombi

Modelo Kombi, ano 1968 com inacreditáveis 28.000km

É difícil bater a Kombi em longevidade. Na Europa, o furgão da Volkswagen foi fabricado de 1950 a 1979 com a saudosa carroceria de “pão de forma” e motor boxer arrefecido a ar na traseira, ao longo de duas gerações. A partir da terceira geração, a identidade visual mudou completamente, com uma grade inspirada nos outros veículos da linha, como o Passat e o Golf, e o motor passou a ser arrefecido a água.

No Brasil, a evolução foi bem mais lenta e gradual: a primeira geração foi fabricada até 1996, recebendo o visual da segunda geração em 1976. E a segunda geração só chegou, de fato, em 1996, sendo fabricada até 2014. O motor arrefecido a água veio pela primeira vez em 1981, movido a diesel, mas não durou muito por questões de confiabilidade. Em 2006, estreou o motor 1.4 flex a gasolina, muito semelhante ao do VW Fox fabricado no Brasil e exportado para a Europa, que acompanhou a Kombi até o fim de sua longa carreira, com direito a uma emocionante despedida.

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A Kombi não era um carro moderno, sua dinâmica e seu projeto não eram seguros (ela tinha a carroceria leve e alta demais, os passageiros da frente iam sentados sobre o eixo dianteiro e o conjunto mecânico era todo concentrado traseira), mas sua proposta era cumprida com louvor. E se não fossem as mudanças nas leis de trânsito brasileiras, a Kombi talvez estivesse na ativa até hoje.

 

Chevrolet Classic

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Por mais que não tenha atingido status de ícone (e nem tenha virado tema de piadas sobre operadoras de telefonia e escadas no teto), o Chevrolet Classic foi um dos carros mais longevos da indústria nacional e cabe, sim, nesta lista. Ele nasceu como versão sedã do Corsa em 1995, um ano depois do lançamento do hatch. E o hatch por si só causou um pequeno rebuliço no mercado, visto que trouxe linhas as arredondadas e modernas usadas pela Opel na Europa para enfrentar carros quadrados que tinham raízes ainda nos anos 70, em alguns casos.

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Ao longo dos anos, as outras versões de carroceria do Corsa foram desaparecendo. Em 2002, com a chegada da segunda geração do Corsa, o sedã passou a se chamar Corsa Classic e, em 2005, apenas Classic. Ganhou até uma reestilização em 2010, com visual made in china, e sobreviveu inclusive à obrigatoriedade dos airbags e ABS, adotando tais itens e se segurando até agosto de 2016.