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Motos

Honda Africa Twin e sua irmã mais nova, a NX350 Sahara

Toda fabricante sabe que uma das formas mais eficazes de convencer o público a comprar seus modelos é vencer corridas com eles. E isso não vale só para os carros – com as motos, é a mesma coisa.

No final da década de 1980, a fabricante de motos que mandava no Paris-Dakar (hoje Dakar Rally) era a Honda. A fabricante japonesa venceu quatro edições consecutivas da prova de resistência entre 1986 e 1989, sendo duas delas com o francês Cyril Neveu, uma com o italiano Edi Orioli, e uma com o também francês Gilles Laray – nessa ordem.

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Para a Yamaha, isso era uma droga: o próprio Neveu foi o responsável por colocar a principal rival da Honda no topo do pódio nas duas primeiras edições do Paris-Dakar (1979 e 1980), então era meio que uma traição. Ainda mais porque a Yamaha já havia sido a rainha das provas de motocross e dos ralis de longa duração com a XT 500 – que até hoje é considerada por muita gente a motocicleta off-road definitiva. Mas o sucesso da Honda mostrava que a empresa do Sr. Soichiro não estava dormindo no ponto.

Claro que a festa não durou muito. Em 1990, foi a vez de Orioli “virar a casaca”: ele participou da edição de 1990 do Paris-Dakar com uma Cagiva Elefant 900 e venceu. A Honda só comemoraria outro triunfo no tradicional rally raid em 2020, com a CRF 450 Rally de Ricky Brabec. Em 2021, a Honda venceu novamente, porém com um piloto argentino – Kevin Benavides.

Mas aqueles quatro anos foram suficientes para que a Honda se inspirasse a lançar uma de suas motocicletas off-road mais icônicas: a Africa Twin.

A moto que a Honda usou para vencer o Paris-Dakar era a NXR, nas variantes 750, 780 e 800V. Em comum, todas tinham motor bicilíndrico quatro-tempos, arrefecimento líquido e transmissão por corrente – o que mudava era o deslocamento. O tanque de 59 litros, o peso relativamente baixo (cerca de 200 kg) e a velocidade máxima de quase 180 km/h tornavam as Honda NXR invencíveis.

 

Para capitalizar sobre o sucesso, a Honda decidiu apresentar em maio de 1988 a XRV650 Africa Twin – batizada em referência ao Paris-Dakar e também ao motor V-twin. Ela usava a NXR750 como base, porém com motor menor, de 650 cm³ e 50 cv.

O motor era bem mais tranquilo que o propulsor de competição, mas o estilo da moto era muito próximo das que corriam no deserto africano – uma enorme carenagem fixa, farol duplo com tela de proteção, cobertura de alumínio para o radiador e o clássico esquema de pintura branca, vermelha e azul da HRC (Honda Racing Corporation, a divisão de competições da Honda na época). O tanque de 25 litros ficava em uma posição mais baixa que os carburadores, e por isso a Honda precisou instalar uma bomba de combustível.

Esta primeira versão da Africa Twin, de código RD-03, foi a que teve a vida mais curta – ela só foi fabricada em 1988 e 1989, pois a ideia era que ela fosse uma série especial limitada. Só que a Honda acabou prolongando o uso da nomenclatura – em 1990 foi lançada a segunda Africa Twin, XRV750 RD-04.

A maior novidade era o motor maior, de 742 cm³. Mas a RD-04 era diferente da anterior porque, em vez de ser montada pela HRC, ela era fabricada junto das outras motocicletas da Honda. E, embora o motor fosse mais potente, com 62 cv, seu acerto era ainda mais suave – conforto e torque em baixa para longas viagens eram o foco, e não criar uma réplica de rua das Honda do Paris-Dakar. Evidência disso era o fato de que a RD-04 era uma moto mais “rechonchuda” – passava de 185 kg para 207 kg em ordem de marcha.

A RD-04 foi fabricada por três anos, entre 1990 e 1992, quando deu lugar à RD-07 – que tinha o mesmo motor, porém o quadro foi redesenhado, bem como as carenagens. E ela foi basicamente a mesma entre 1993 e 2003, quando deixou de ser fabricada sem muita cerimônia – o projeto já antigo e a concorrência interna de motos como a XL700V Transalp e a XL1000V Varadero fez com que a Honda não se preocupasse em deixar uma sucessora direta.

O boom das motos big trail nos anos 2010 foi o que levou a Honda a trazer de volta a Africa Twin. Ela voltou em 2016 como CRF1000L Africa Twin, e trazia estilo claramente inspirado na original, incluindo a pintura nas cores da HRC.

O motor era bem maior, com 998 cm³, e agora trazia os cilindros dispostos em linha. Com 94 cv, ele era feito sob medida para encarar a BMW R1200GS, a Ducati Multistrada e a Triumph Tiger 1200, todas elas com motores maiores – mas a Honda compensava com agilidade, peso mais baixo e, claro, a heritage do Rali Dakar.

 

NX350 Sahara: a mini Africa Twin

Engana-se quem pensa que os brasileiros ficaram de fora quando a Honda decidiu celebrar suas vitórias no Dakar com uma moto.

No mesmo ano em que a Africa Twin original estreou lá fora, a Honda lançou no Brasil sua “irmã menor” – a NX 350 Sahara, cujo nome não esconde a inspiração.

O visual era completamente inspirado na Africa Twin de 1990, incluindo a pintura HRC. Mas a Sahara foi pensada para ser uma motocicleta mais versátil – boa para off-road moderado, confortável e com bastante autonomia para viajar (agradeça ao tanque de 14 litros) e adequada para uso urbano graças ao peso relativamente baixo e à ciclística muito ágil.

A Sahara foi criada para substituir a XLX 350R, que usava o mesmo motor – um monocilíndrico quatro-tempos de 30 cv (31,5 cv a partir de 1993) e arrefecimento misto ar/óleo que levava a motocicleta com desenvoltura. E ela trazia a bem vinda partida elétrica, algo que a XLX ficava devendo.

A NX Sahara demorou a tracionar no Brasil. Alguns diziam que seu estilo já havia nascido ultrapassado, enquanto outros criticavam as cores e a inspiração na Africa Twin. Além de julgar que a Honda estava tentando imitar a Yamaha, que tinha sua Ténéré, o público achou a Sahara chamativa demais.

Foto: J. Mauricio Garijo/Flickr

Porém, uma vez que se andava em uma Sahara, a impressão negativa desaparecia. A suspensão de curso longo a tornava confortável, mas não prejudicava a estabilidade nas curvas – ao contrário: os pneus largos, de uso misto, (3,00-21 na frente e 130/70-17 atrás) se davam muito bem em qualquer situação e encorajavam o piloto a deitar bastante nas curvas sem medo de ser feliz. Muito confortável, econômica e boa de pilotar, a “mini Africa Twin” acabou conquistando um público cativo, com mais de 43 mil unidades vendidas entre 1990 e 1999. E foi justamente em um dos últimos anos que ela vendeu mais: 8.789 exemplares em 1997.