Acredito que nenhum carro se aproxima tanto da definição “brinquedo de gente grande” como o Honda S660. Trata-se de um kei car (os minicarros do Japão, que possuem limites de tamanho, peso e potência mas em troca pagam menos impostos e taxas para rodar) com configuração de esportivo, com um motor central-traseiro, câmbio manual, dois lugares e teto conversível de tecido. Ele não é muito rápido e nem um pouco prático – não tem nem porta-malas. Mas é um carro feito para entregar prazer ao volante, e quem já dirigiu um deles como se deve diz que ele consegue. Mas como ele faz isto com tão pouco? É o que a gente vai tentar descobrir agora.
O Honda S660 faz parte da família de roadsters esportivos da Honda que começou em 1963 com o Honda S500, um mini-carro com um quatro-cilindros de 531 cm³ e 44 cv. Apesar da potência pífia, o motorzinho de moto girava a 8.000 rpm e garantia que o conversível de 680 kg chegasse aos 130 km/h. No ano seguinte veio o Honda S600, que era praticamente igual, mas tinha um motor de 606 cm³ e 57 cv a 8.500 rpm para chegar aos 140 km/h. O S600 deixou de ser fabricado em 1966, e foram feitos cerca de 13.000 exemplares em três anos. Foi um sucesso.
A linhagem só foi receber um sucessor em 1999, quando a Honda apresentou o S2000. Ele já não era um kei car, e sim um esportivo mais convencional, com um belíssimo quatro-cilindros de dois litros que podia entregar até 250 cv a 9.000 rpm, dependendo da versão. Com visual acertadíssimo, dinâmica precisa e um belo ronco, o S2000 foi fabricado por dez anos ininterruptos e sem grandes alterações, o que comprova a excelência do projeto.
Avançando alguns anos no tempo, no fim de 2013 a Honda anunciou seus planos de trazer de volta a linha”S”, começando por um sucessor direto do S600 dos anos 60. O carro se chamaria S660, respeitando a nomenclatura da família, e pela primeira vez traria o motor atrás dos bancos. O protótipo mostrado na época agradou tanto que quase não sofreu modificações na versão de produção, que começou a ser fabricada em 2015 e, desde então, caiu nas graças dos entusiastas e preparadores japoneses.
Se você ainda não sacou, olha só: o S660, mesmo lançado quase meio século depois, ainda é um carro muito leve: com câmbio manual de seis marchas (a escolha certa, by the way) ele pesa 830 kg, enquanto o câmbio CVT com marchas simuladas e aletas atrás do volante acrescenta 20 kg – ou seja, o S660 pesa no máximo 850 kg. Seu motor três-cilindros turbo, o S07A tem comando de válvulas variável, injeção multiponto e taxa de compressão de 9,5:1, ele entrega 64 cv a 6.000 rpm e 10,6 mkgf de torque a baixíssimas 2.600 rpm. Não parece muita coisa, mas vale lembrar que o S660 é um peso-pena. Pode procurar no YouTube: em todo vídeo em que alguém acelera o S660 pela primeira vez a reação imediata é uma gargalhada.
Por curiosidade, a versão naturalmente aspirada tem 58 cv a 7.300 rpm e apenas 6,6 mkgf de torque a 3.500 rpm. O ganho de potência é de apenas 7 cv por conta do limite de 64 cv para os kei cars. A Honda, então, aumentou a potência até onde deu, e deixou o acerto do turbo voltado para eficiência e rendimento em baixas rotações. No entanto, por ser superdimensionado, o conjunto é capaz de receber preparação relativamente forte com os componentes internos originais. Olha só: tem gente tirando mais que o dobro da potência do motor 0.6 com os componentes internos originais.
Voltando à ideia de “brinquedo de gente grande”: o S660 não tem porta-malas e não leva mais que duas pessoas. Ou seja: ele pode ser seu carro de uso diário se você nunca precisar ir às compras, viajar ou fazer qualquer outra coisa com outra pessoa. Ele é um carro que só foi feito para dirigir, literalmente. É o carro que você pode comprar e modificar sem dó, porque ele simplesmente é incapaz de ser o carro da família, ou mesmo de um casal. O S660 é um veículo totalmente pessoal e individualista. E isto é bacana, porque ninguém vai encher o saco caso você o modifique.
E tem gente levando isto a sério lá no Japão. Estes são alguns dos exemplares modificados do S660 no Tokyo Auto Salon 2017:
Fotos: Speedhunters
O espaço no cofre do S660 não é muito grande. E, como você deve ter reparado, o motor três cilindros transversal já ocupa quase todo o espaço. Então, nada de engine swaps — a preparação precisa usar o conjunto original, e por isso envolve a troca do turbo e upgrades no cabeçote — fluxo, coletores e comandos de válvulas — e no sistema de alimentação, com válvulas injetoras de maior vazão, “bicos” auxiliares e reprogramação da ECU. Nos projetos mais extremos, a potência chega a mais que o dobro do original, beliscando os 130 cv.
Há, porém, quem prefira deixar o motor original e apenas afinar o conjunto. Se liga no Honda S660 modificado pela Spoon, um dos astros deste vídeo da Best Motoring International.
A Spoon preferiu concentrar-se na dinâmica do carro em vez de dar potência a ele. Além de instalar freios melhores e amortecedores ajustáveis, a preparadora desenvolveu um reforço estrutural para a porção frontal do carro, feita com metal de alta resistência. A peça deixa a dianteira mais firme e reduz a torção da estrutura do carro nas curvas. O efeito colateral é uma dinâmica mais refinada e controlável em um carro que, com entre-eixos de apenas 2.285 mm, já é extremamente ágil e sofre pouco com a inércia rotacional — o que ajuda o carro a mudar de direção com mais agilidade.
Neste outro vídeo, o S660 da Spoon enfrenta um exemplar preparado pela HKS, que manteve o setup de suspensão e freios original mas aumentou a pressão no turbo para entregar 70 cv. Eles oferecem kits para aumentar a potência do S660 até 105 cv, o que nos parece um excelente número.
Mas foi o S660 com suspensão e freios melhorados que agradou mais a Keiich Tsuchiya e aos outros pilotos da Best Motoring. Isto diz muito sobre a personalidade que a Honda quis colocar no seu pequeno roadster.
Aliás, você deve ter reparado que estamos em uma onda noventista no que diz respeito aos carros – tivemos a volta do Honda NSX e estamos aguardando ansiosamente o Toyota Supra, só para dar dois exemplos. Pois bem: por mais que a o S660 seja um sucessor espiritual do S500, do S660 e do S2000, há um Honda ainda mais parecido com ele, lançado nos anos 90: o Beat.
O pequeno Honda Beat era um roadster com motor central-traseiro de três cilindros, 656 cm³ e 64 cv – aliás, o motor S07A do S660 é sucessor direto do motor do Beat, que se chamava E07A. O câmbio era manual de cinco marchas, o peso era de 760 kg, e o espírito do carro era exatamente o mesmo: um brinquedo para gente grande. E ele divertia!
Se você é do tipo que não se importa em sacrificar potência para ter um roadster estiloso com condução envolvente, o Beat provavelmente é um dos carros mais legais já fabricados. E o S660 é praticamente um Beat melhorado. Então, sim, um esportivo de 64 cv pode ser divertido. E eu estou doido para dirigir um. Um dia. Quem sabe.