(fotos: JRFotografia)
Corridas profissionais podem ser sensacionais claro. Mas são coisas sérias, focadas, com muita coisa em jogo. Empregos, glória, futuro, coisas assim. Atividade profissional e séria exige uma barreira de seriedade difícil de ser ultrapassada. Ayrton Senna é um ídolo imortal de todo brasileiro, mas garanto que não seria um convidado legal em nenhum churrasco. Too freakin’ serious.
É por isso que adoro os Track-Days em geral. Sim, a organização e preparação dos eventos exige profissionalismo para não ser tudo um grande fiasco, e a infra-estrutura de segurança e socorro necessárias para eventos assim definitivamente não são brincadeira. É tudo muito sério.
Mas um Track-Day é um evento amador. As pessoas que participam dele pagam pelo privilégio; não são pagas por isso. É sempre algo que transborda paixão pela atividade, não a massacrante realidade da lida diária. É um evento de gente que, como diz o nome, é amadora, ama o automobilismo e participa dele nem que tenha que pagar por isso.
Não é barato, claro: além de ter um carro para isso e as taxas dos eventos, há as inevitáveis preparações, e consertos, necessários para participar dessas coisas. Quem é constante nisso está sempre fazendo algo entre as corridas, acertando, tentando algo novo, ou simplesmente consertando algo que quebrou. Fora isso, é o tempo longe da família, seja na oficina, seja nos dias na pista. Tem um custo alto, mas que os apaixonados pagam rindo.
É gente que segue o ensinamento de São McQueen de La Sarthe: “Correr é a vida. Tudo que acontece antes ou depois, é só espera”. Mesmo os organizadores de Track Days, embora profissionais, normalmente é gente que progrediu de participante para organizador; gente que realmente ama este tipo de coisa.
O que mais gosto nesse tipo de coisa é que é despretensioso. A vitória te dá literalmente nada de real; um trofeuzinho de melhor tempo, claro, mas nada de grana ou posição social avançada. Mas a gente persegue tempo melhor sempre de qualquer forma; um pouco para melhorarmos em algo que gostamos, mas principalmente para conseguir algo muito, mais muito importante: o respeito de nossos amigos.
O dinheiro ali não é um fator; ao observar qualquer carro, os praticantes do esporte já sabem mais ou menos o tempo que deveria fazer; se não faz este tempo, o piloto precisa melhorar. Se a volta é melhor que o imaginado, ganha admiração. Não importa que o carro seja um Fiesta 1.0 ou um Mustang GT350, a pilotagem é o que importa.
Mas nem sempre esta fórmula democrática e esta atmosfera leve de uma grande diversão sadia funciona. Como sempre, as vezes, gente de ego inflado entende errado, e mancha um pouquinho um evento ou outro com sua atitude. Faz parte né? Somos humanos, e nenhum de nós é perfeito.
Mas este fim de semana passado eu conheci um evento que, por uma peculiar junção de fatores, é quase impermeável a este tipo de coisa. Um evento tão leve e divertido, ainda mais que o normal, que tive que parar hoje um tempinho para contar tudo para vocês. É o Hot Lap Limeira.
O que é o Hot Lap Limeira
A primeira coisa que você tem que entender aqui é que é um evento em um Kartodromo. No caso, o Kartodromo municipal da cidade de Limeira, uma cidade no interior paulista, a 150 km da capital. ´
É, portanto, apertado para carros, e sem muitas retas. Em Limeira, o circuito é realmente apertado, truncado, quase todos de curvas bem fechadas. E basicamente não há algo que se pode chamar de reta. Para se ter uma ideia, tanto meu Chevette quanto os Sandero RS fazem o circuito inteiro sem sair de segunda marcha. No fim da reta dos boxes, estou a 6500 rpm no Chevette, mas a reta acabou.
Já de cara, como você pode imaginar, é um grande nivelador de performance. Muito motor sempre ajuda, claro, mas aqui, muito menos. O carro mais leve e ágil é uma vantagem maior aqui. Na verdade, é este o motivo porque acabei conhecendo o evento.
Explico: quando resolvi voltar a frequentar pista com meu Chevette, o primeiro evento que participei foi no Circuito Panamericano. Foi um evento da Oficina Motorfast, organizado pelos meus grandes amigos Pedro Cândido e Bruno Tinoco, e foi sensacional. A pista é bem rápida, com duas boas retas e um monte de curva de alta. Eu adorei andar nela, não me entendam mal; mas o Chevette era certamente o carro mais lento ali.
Não fiz o pior tempo, pois sempre existem os novatos que ainda habitam a parte mais baixa da curva de aprendizado, mas se tivessem um pouquinho mais de experiência, certamente seria o detentor do pior tempo. Mas e daí? Que se lasque né? O importante é que a pista é bem gostosa de andar, e o Chevette se comportou lindamente.
Mas ao comentar isso com alguns amigos, vi literalmente os olhinhos brilharem. “Meu, você tem que ir no Hot Lap Limeira!”, foi o que disseram. Agora entendo o motivo…
A pista truncada do kartódromo é realmente um grande nivelador. Claro que existe diferença de carro para carro, não há dúvida disso: dei uma volta com o Sandero R.S. do meu amigo (e culpado por estar aqui no FlatOut; reclamem com ele) Milton Rubinho, com ele de passageiro, os dois rindo e fazendo piada, sem tentar fazer tempo, tranquilo, com o ar-condicionado ligado, e ainda assim fiz a volta três segundos mais rápido que meu melhor tempo de Chevette. E no Chevette estava sozinho no carro, concentrado, e com uma faca firmemente presa entre os meus dentes.
Mas nivela, acreditem. Eu nunca ri tanto ao perceber que se o cara não estiver realmente andando no seu máximo, dando tudo mesmo, até Porsches e Camaros parecem lerdos frente a carros muito mais lerdos. É muito interessante isso.
É cansativo, sim: a pista é extremamente física, fazendo meu velho corpo depois se recusar a se movimentar de forma completa por dois dias. Mesmo sem ter que trocar marcha na pista! Mas o circuito tem diferença de relevo, mergulhos e subidas, e depois de compreendido, uma delícia. Adorei.
O evento existe desde janeiro de 2013, criado pelo Fabio Machado, e ajudado pelo Estevam Cavazin. Hoje ajudam na organização também o Milton Rubinho, o Léo Ceregatti e o Fábio Silveira. Diz o idealizador Fabio: “inventamos o evento com a ideia fixa de ir para a pista pelo menor dinheiro possível mesmo. Ir para a pista com a maior frequência possível, pelo menor preço. Autódromo é muito grande e demanda muita gente, fica caro, daí veio a ideia da pista de kart. Pista de Kart também é melhor para aprimorar a tocada, um bônus.”
Mas o Fabio e o Estevam trouxeram a segurança de autódromo para a pista pequena: equipe de resgate com bombeiro e socorro, ambulância, alicate Lucas para extração, e extintores suficientes para apagar um incêndio maior do que poderia acontecer ali. O Fabio me diz logo de cara: “Olha, ninguém aqui vive disso. Organizamos o negócio de forma séria, com toda segurança, mas é para colocar a turma na pista mesmo. Por isso é barato.”
Os organizadores todos andam também; é para isso que fazem o evento. O Fabio, por exemplo já fez volta de 1:07, um temporal para a sua perua Renault “Menage”, que já foi do nosso amigo e parceiro Cris Benevides, da Interlakes (ele mesmo cravando um também impressionante 1:08 com ela, em evento passado).
Então junte um evento de pista extremamente truncada, que não elogia carro forte de motor, com um preço baixo, e se tem um ambiente realmente diferente e sensacional. E é sobre esse clima de corrida maluca divertidíssimo, despretensioso, desprovido de muito ego inflado, que queria realmente falar hoje. Parece um churrasco em casa, em forma de Track-Day.
A fauna local
O Estevam Cavazim estava lá com um Monza. Eu já tive vários Monza, mas nunca imaginei levar um deles para a pista. Mas ele fez; é ele na foto de abertura com o carro. O carro está com cara de Monza velho mesmo, sem nada demais; mas chegue perto e veja que no interior TUDO foi retirado, a não ser o estritamente necessário: o banco dianteiro, cinto, e painel. Até a grade dianteira foi defenestrada para reduzir peso e melhorar refrigeração do motor.
O Monza fez voltas na casa dos 1:10. O meu melhor tempo foi na casa dos 1:11. Sim, meu bravo Chevette especial foi sumariamente derrotado por um Monza parecido com o do meu jardineiro. E caras, ver o Estevam tirando suco dele no autódromo é, de novo, de chorar de rir.
O meu amigo Fernando Azevedo parou no box do meu lado com seu Peugeot 106 1.0, que veio lotado de gente, comida e ferramentas. Outro amigo o definiu como “o maior humano do evento, dentro do menor carro do evento”, uma definição ao mesmo tempo acuradíssima, e engraçada pacas.
O Fernandão tem quase dois metros de altura e 140 kg de peso; ao entrar no meu carro no passageiro tirou imediatamente 2 segundos por volta de meu tempo. O carro dele pesa só 750 kg, mas também tem apenas 50 cv; imagine com esse cara dentro. Ainda assim, tempos na casa de 1:13 foram possíveis.
Tinha literalmente de tudo rodando; um impressionante Corsa 1.0 com interior depenado chegou a fazer algo na casa dos 1:09! Um sensacional Omega seis cilindros turbo, com bodykit de stock-car e interior de corrida, mostrava que com potência E controle, uma vantagem podia ser atingida. O carro era assustadoramente rápido, embora os tempos não impressionem tanto. O mais rápido do dia foi um Fiesta de pista sério pacas, mas nada de exótico nele: rodou o kartódromo em apenas 1:03,590. Tinha Porsche Cayman e Chevrolet Camaro no evento, lembre.
Isso era muito legal: o Matheus Prado, num BMW 320i novo, estava andando bem forte e fez o 3º tempo do dia; mas veio dar uma volta de Chevette comigo e adorou. Um evento democrático, plural, e diverso como poucos.
Outro Matheus, o Hessel, apareceu com sua Mercedes-Benz 190E manual, e me levou para uma volta. Confesso que nunca achei nada dessas Mercedes 2.0 básicas, mas mudei de opinião: o carro se comportava lindamente na pista, de forma totalmente inesperada. O motor gira liso, mas tem torque, o chassi é muito equilibrado. A maior surpresa do dia.
Muito legal o Uno do Henrique também, fazendo estreia em pista do carro e piloto. É um Uno 1.0 com um Fiasa 1.0 com injeção multiponto, um motor que tenho paixão; mas o dele tem um supercharger Eaton de Fiesta instalado; ouví-lo passando com o grito característico era demais!
Andei também numa coisa sensacional, que sempre imaginei mas nunca tinha visto: um Gol BX com preparado para pista e rua. O carro do Daniel Yoiti, embora mantenha o torcudo mas não muito potente motor 1600 original, tem suspensão acertada e câmbio com short-shifter: tem uma das direções mais rápidas que já vi, e aponta de uma forma inacreditável. Fora os limites altos; uma delícia de andar. Obrigado Daniel!
A dupla Milton Rubinho e Carol, um casal de dois Sandero R.S., também fizeram bonito no evento. Ambos levaram troféus em suas categorias, o Rubinho com o segundo tempo do dia (1:05,238, barrabás!) mas a Carol fez mais: foi quem mais rodou na pista, nada menos que 80 voltas. E no fim do dia, as 18 horas, montou no carro e voltou para casa. Ela mora pertinho, ali em Belo Horizonte. Sim, a 650 km dali.
De minha parte, me diverti horrores com o Chevette na pista, dando umas 60 voltas no total. Levei um monte de gente para andar, me cansei e suei bastante. O carro está simplesmente sensacional, totalmente benigno e à prova de idiota em seu comportamento (o que, no meu caso, é importante) . Aguentou o dia todo dando seu máximo, e depois me levou para casa de volta, 60 km dali, como se nada tivesse acontecido.
Se me permitem mais um pouco de chevetisse deslavada, chega a ser incrível. Quase não gasta pneu ou marca a lateral, não dá fading algum de freio, não esquenta, e nada quebra. Trouxe a tradicional caixa de ferramentas e peças, mas nem precisava. Baixou um pouco de óleo, sim, no finzinho coloquei meio litro. Mas só.
O fato é que o evento foi simplesmente sensacional, por falta de uma palavra melhor para descrevê-lo. Com uma pista legal, um ambiente pequeno e aconchegante, bastante gente mas não uma muvuca insuportável, o negócio tinha um clima de diversão pura entre amigos, de convescote mesmo, que foi legal demais.
E o Chevette, foi menos humilhado em pista truncada? Bem, o calor que dei nuns carros amarelos me fizeram parecer melhor do que era na verdade; ainda fiquei lá embaixo na tabela de tempos. Mas como dizia meu avô Gaudino, mais vale a farra que a f… que a relação sexual em si. Posso garantir que nada de sexual ocorreu; mas a farra foi foda.