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Técnica

Injeção direta vs. Etanol: por que a bomba de alta não aguenta?

A relação entre o etanol e o sistema de alimentação dos motores de injeção direta em geral é um dilema técnico fascinante. Oficialmente, todas as fabricantes tropicalizaram o sistema para ser flexível em combustível. Na prática, a química é implacável, e revela o abismo entre as promessas do manual do proprietário e a realidade nas oficinas especializadas.

Você sabe do que estou falando: a temida falha na bomba de alta pressão. É um problema crônico muito atribuído aos motores TSI da Volkswagen, mas, na prática, também assombra todo e qualquer motor de injeção direta, independentemente do fabricante. Por que o que acontece ali é um problema químico, não mecânico. Não se trata de um erro de projeto, mas de uma característica inerente à composição do combustível.

Pesquisando por aí, encontrei o problema atribuído às mais diversas causas, mas logo me dei conta que o Google, além de não ser um bom médico, também não é o melhor dos mecânicos. Então decidi conversar com quem entende do assunto e chamei o FlatOuter Luciano Jaccoud, um engenheiro mecânico com quase 20 anos de experiência na indústria e que, atualmente, é proprietário da oficina Allvento, de Curitiba/PR, que é especializada no Grupo Volkswagen. Ele nos ajudou a explicar o que exatamente ocorre na bomba de alta pressão, por que ocorre, como prevenir e, se necessário, como remediar.


A Mecânica da Bomba de Alta Pressão (HPFP)

Diferentemente dos sistemas de injeção indireta, nos quais a bomba elétrica no tanque apenas “empurra” o combustível para as válvulas injetoras que irão pulverizar o combustível no coletor. Como o combustível é misturado ao ar admitido pela borboleta, a própria pressão negativa no coletor “puxa” essa mistura para a câmara de combustão.

Uma bomba de alta pressão

No caso do motor de injeção direta, o combustível é injetado durante o tempo de compressão do motor. Como você deve imaginar, a pressão na câmara de combustão é elevada e, para que o combustível seja pulverizado, ele precisa ser injetado em alta pressão para vencer a pressão interna da câmara de combustão. Daí a necessidade da bomba de alta pressão, ou “high pressure fuel pump” (HPFP) — aqui estamos falando de pressões que podem superar os 200 bar (ou 2.900 psi, para os quem é “vintage”).

O came que movimenta o pistão da bomba

Enquanto a bomba de baixa pressão alojada no tanque é elétrica, a HPFB é uma bomba mecânica, montada no cabeçote e acionada por um came do comando de válvulas. Esse came, resumidamente, move um pistão que irá comprimir o combustível em uma câmara de compressão para que ele seja borrifado na câmara de combustão.


O problema

Como a bomba de alta fica alojada no cabeçote e é acionada pelo comando de válvulas, ela tem um retentor na haste do seu pistão que isola o óleo do motor do combustível que será injetado. Porém, os motores de injeção direta sempre têm uma micro-passagem de vapores de óleo e blow-by (vazamento dos gases da combustão para o cárter pelos anéis de vedação do pistão) — especialmente em motores com óleo já degradado ou contaminado por combustível.

Quando esses resíduos de óleo conseguem migrar minimamente para a câmara de compressão da bomba de alta, ou quando o próprio vapor de óleo do cárter, saturado, interage quimicamente com o etanol sob altíssima pressão e temperatura, ocorre uma reação química. O etanol reage com os aditivos e contaminantes do óleo, formando uma substância pastosa, parecida com uma “geléia” ou “verniz”. Essa borra trava a esfera da válvula de sucção ou a válvula de alívio da bomba e ela para de funcionar. Com isso, o motor perde a alta pressão de combustível e entra em modo de emergência. A bomba fica quimicamente obstruída e, teoricamente, é possível desobstruir também com a boa e velha química — mas veremos isso mais adiante.

Outro problema que pode ocorrer na HPFP é o desgaste mecânico do pistão, causado pela baixa lubricidade do etanol. Nesse caso, não tem conserto: só se resolve trocando a peça.

No Brasil, os motores TSI são mais conhecidos por esse problema — afinal, eles têm um volume de vendas muito maior que o das demais fabricantes. Mas o problema não é exclusividade do Grupo Volkswagen, segundo Jaccoud:

“Nós vemos exatamente o mesmo comportamento em motores THP dos Peugeot/Citroën, nos BMW e nos motores Mercedes. Onde há injeção direta com pressões superiores a 120 bar, etanol de posto com teor de água variável e intervalos longos de troca de óleo, haverá a formação desta borra e o desgaste da bomba. Como o design das bombas é muito similar (quase sempre são fornecidas pela Hitachi ou Bosch), então essa vulnerabilidade é compartilhada.”


Tem como prevenir?

A resposta direta: sim. Com manutenção rigorosa de fluidos. Troca de óleo antecipada é a principal dela. Como o etanol é um combustível que contamina muito o lubrificante, rodar 10.000 km com o mesmo óleo é fatal para a bomba de alta. O óleo degrada, oxida e facilita a formação da borra. “Recomendamos trocas a cada 5.000 km ou seis meses em caso de uso urbano severo”, explica Luciano.

A qualidade do óleo também é fundamental. Lembre-se, como já explicamos anteriormente, especificação de lubrificante não se resume à viscosidade, mas também à norma da fabricante. No caso da Volkswagen, o lubrificante deve ser da norma 508.88/509.99 para os modelos mais novos, ou 502.00 para os mais antigos. Nas demais marcas, as normas são especificadas na seção de manutenção do manual do proprietário. Em último caso, verifique com a autorizada qual o óleo recomendado para o motor. O óleo da norma correta é crucial para minimizar a evaporação e a reação química.

Caso você já tenha notado os sintomas do problema — carro demorando a pegar, falha esporádica de pressão —, é possível tentar uma limpeza química utilizando aditivos detergentes potentes com base de polieteramina (PEA). Se a válvula já estiver travada, contudo, é muito provável que o aditivo não dê conta do recado e seja mesmo necessário substituir a bomba.

Outra forma de prevenir é usando etanol com aditivo adicionado. “Eu prefiro e recomendo que o proprietário compre o frasco de um aditivo de confiança, de marcas renomadas, e coloque no tanque. Não confie no aditivo misterioso do etanol aditivado na bomba. Não se sabe a proporção nem a sua qualidade“, explicou.

Segundo Luciano, o aditivo tem duas funções vitais. A primeira é aumentar o potencial de lubrificação do etanol, criando uma espécie de “filme protetor” nas partes metálicas da bomba (pistão e cilindro). A segunda é o poder detergente/dispersante, que tenta manter as gomas e vernizes em suspensão, evitando a formação de borra e o travamento da bomba. É por isso que o lubrificante deve estar sempre em dia.

Por último, em busca de uma solução preventiva mais prática, perguntei ao Luciano se um “blend” de etanol e gasolina ajudaria.

“Essa é a dica de ouro “Allvento”, ele respondeu: “Recomendo fortemente um “blend”. Mesmo que você queira rodar com etanol por questão de desempenho ou custo, mantenha sempre algo entre 10% e 15% de gasolina de alta octanagem no tanque. A gasolina traz a lubricidade que o etanol não tem. Mesmo essa proporção pequena é suficiente para reduzir drasticamente o atrito das partes móveis da bomba e dificultar a reação química que forma a borra. Além disso, a gasolina melhora a partida a frio, evitando que o motor gire muito tempo “seco”, até pressurizar a linha.


Agradecemos ao Luciano pelas orientações técnicas na redação desta matéria. Você pode segui-lo em seu perfil profissional no instagram, @allvento


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