Sim, às vezes a gente apela. Quer dizer, não fomos nós que apelamos — só estamos reportando a existência de um Ford Escort RS Cosworth com um cinco-cilindros turbo de 916 cv da Volkswagen (Autolatina, é você?) e transmissão de Nissan Skyline GT-R R33. Exagero? Pode ser. Heresia? Talvez. Mas é impossível discutir com o nível do projeto — e com os resultados obtidos. É o tipo de coisa que a gente até tenta criticar (onde já se viu, colocar um motor de outra marca em uma lenda como o Escort Cossie?), mas simplesmente não consegue.
Como não poderia deixar de ser, o carro vem direto da Escandinávia, o paraíso dos projetos insanos. Seu dono, Joakim “Jocke”Stigenberger , é dono de uma oficina de preparação chamada Smudgedesigns, na cidade de Tyresö, Suécia, e este Escort é seu grande motivo de orgulho. E como não seria?
Isto porque Jocke é dono deste carro desde os dezessete anos de idade — afinal, ele tem a sorte de morar na Europa, onde o RS Cosworth foi um sucesso e não é muito difícil de encontrar. Pois bem: Jocke sempre foi o tipo de cara que adora tudo o que os fabricantes fazem em seus melhores esportivos, mas acha que sempre dá para melhorar alguma coisa.
Sendo assim, logo no terceiro dia como feliz proprietário de um Escort RS Cosworth, Jocke mandou instalar um kit turbo aftermarket nele. Assim, a potência do já brilhante motor Cosworth YBT, quatro-cilindros turbo com comando duplo no cabeçote e pedigree de competição, foi de 220 cv para 330 cv. E isto foi só o começo.
Só o começo mesmo!
Com o passar do tempo e a experiência adquirida ao volante da máquina, Jocke continuou melhorando seu Cossie: intercooler maior, novo sistema de escape e até um turbocompressor usado nos carros do Grupo A de rali nos anos 1990 foram sendo instalados e, a certa altura, o hot hatch de tração integral já tinha mais de 450 cv. Foi quando algo não muito legal aconteceu.
Jocke decidiu refazer o motor usando componentes forjados. As partes móveis originais não dariam conta de mais potência, e obviamente mais potência era justamente o que ele queria. No entanto, depois de vários meses de brigas com oficinas por causa de atrasos, Jocke ficou decepcionado quando finalmente recebeu o YBT de volta — com materiais, componentes e montagem do motor bem aquém do que ele esperava. Por isso, ele decidiu que dali em diante faria tudo sozinho.
Quer dizer, dali em diante a vida de Jocke mudou bastante. Depois de se casar e ter filhos, ele acabou dando um tempo ao carro, que ficou encostado em sua garagem. Enquanto isso acabou modificando um Ford Sierra Sapphire Cosworth (em essência, uma versão maior e de quatro portas do Escort Cossie) para entregar quase 600 cv. No entanto, nunca deixou de planejar o que faria com seu primeiro carro quando tivesse tempo e dinheiro.
Quando isto aconteceu, sete anos depois, Jocke logo viu que seu antigo motor já não poderia ser aproveitado. Era a hora de escolher outro coração — e Jocke acabou optando por algo bastante peculiar: um cinco-cilindros Volkswagen que pertencia a uma Transporter (a versão europeia da Kombi) e, originalmente, queimava óleo diesel. Por sorte, Jocke jamais deixou de fuçar em carros e, com a experiência adquirida, já havia aberto sua própria oficina — a tal da Smudgedesigns.
Foto: Stellan Stephenson/Speedhunters
Uma coisa: não estamos falando de um motor a diesel de mais de 900 cv, obviamente. Jocke converteu o cinco-cilindros de 2,5 litros para queimar gasolina. Isto envolveu a troca do cabeçote original por outro (afinal, motores a diesel não usam velas), desenvolvido especialmente para o projeto, com válvulas Supertech, comandos hidráulicos Catcams, pistões forjados JE de 81,5 mm e bielas PPF de 155 mm. Coletores de admissão e escape são da CP-S, também feitos sob medida, e o sistema de lubrificação projetado pelo próprio Jocke usa cárter seco. Tudo alimentado por um sistema de injeção especial com módulo MaxxECU.
No entanto, o verdadeiro coração do projeto é seu turbocompressor Precision 6466B. Operando a 2,7 bar de pressão, o resultado são nada menos que 916 cv e 103,6 mkgf de torque — números orgulhosamente exibidos em um adesivo na torre dianteira esquerda (em hp e Nm, respectivamente, mas você entendeu).
Na hora de escolher como moderar esta força toda, Jocke não teve dúvidas e partiu para a caixa manual de cinco marchas de um Skyline GT-R R33 (aquele que não é tão adorado quanto o R32 ou o R34, mas é tão fodástico quanto), acompanhada de todo o sistema de tração, incluindo o diferencial traseiro e o cardã — além do subchassi traseiro, que também recebeu peças de Nissan Silvia S14. O diferencial dianteiro é um Cusco, e ambos têm deslizamento limitado.
A parte mais complicada não foi a adaptação das peças, mas sim encontrar uma forma de fazer com que o sistema eletrônico ATTESA, que usa sensores para dividir o torque entre os eixos em tempo real, funcionasse a contento na nova casa. A questão foi resolvida com um módulo aftermarket ETS PRO — que, adicionalmente, permite que Jocke escolha entre tração integral ou apenas traseira.
Acontece que, em um projeto desta magnitude, o conjunto mecânico é só a primeira questão a ser resolvida. É preciso fazer com que o carro aceite suas novas entranhas e faça bom uso delas. Para começar, todo o sistema de refrigeração foi reconfigurado: a dianteira agora só traz o intercooler do Skyline, enquanto o radiador foi deslocado para a traseira e agora recebe ar frio por dutos nas janelas laterais traseiras (que são de acrílico). Além de aumentar a eficiência do sistema arrefecimento, as modificações também melhoraram a distribuição de peso do carro. Win-win situation.
E a gente ainda nem falou do visual do carro. Ainda que, nos anos 90, este RS Cosworth tenha deixado a fábrica em um belo tom de verde metálico, agora a pintura é impecavelmente branca, contrastando com as rodas pretas Toora de 18×8,5”, com cubo rápido. Para-choques foram modificados; para-lamas dianteiros e traseiros foram alargados para acomodar as novas rodas e receber entradas de ar e, na tampa traseira, uma asa Rocket Bunny foi instalada.
Na dianteira, os pneus são Maxxis Z1R drift, de medidas 255/40, enquanto as rodas traseiras calçam um par de pneus Greenmax 235/35. As rodas abrigam freios a disco de 356 mm com pinças Alcon de seis pistões na frente e 310 mm com pinças de Nissan GT-R atrás. Completando o conjunto, a suspensão usa amortecedores ajustáveis do tipo coilover GAZ Gold — que, além de permitirem diversos ajustes, contribuem para o stance agressivo do Escort.
O detalhe é que o carro está pronto. Sim, um projeto pronto! Ele foi batizado de Trust it Sideways (algo como “confie nele quando for andar de lado”, porém com bem menos palavras) porque Jocke participa de campeonatos de drift — o carro pode ter tração apenas na traseira, lembra? Agora que não resta mais nada a fazer, ele pretende aperfeiçoar sua técnica ao volante pilotando em eventos de time attack. Potencial mecânico ele tem de sobra.