Em meados dos anos 1980, o mundo dos supercarros estava dividido em dois: de um lado, havia a Ferrari F40, seu V8 biturbo de 478 cv e sua frugalidade — tração traseira, interior aliviado e nada mais. Do outro, havia o Porsche 959, uma verdadeira revolução tecnológica sobre rodas. Ele nasceu como um projeto de homologação para o Grupo B da FIA, mas acabou se transformando no primeiro supercarro da Porsche, com um flat-six de 2,85 litros, sistema biturbo sequencial, cabeçote de arrefecimento a líquido e 450 cv. A tração era integral com diferencial eletrônico, a carroceria era de Kevlar e a suspensão era ajustável. Tudo isto em 1986 — trinta anos atrás!
Não estamos aqui para falar que o 959 é mais impressionante que a F40, longe disso. Só queremos contextualizar o quanto o Porsche 959 estava à frente do seu tempo. Tanto que nem é tão difícil imaginá-lo preparado para alcançar padrões atuais de desempenho, dadas as suas características. Não é à toa que já existe que faça exatamente isto.
O Porsche 959 teve pouco mais de 300 unidades fabricadas entre 1986 e 1988, mais algo entre seis e oito unidades feitas em 1992 — estas, compradas por um único cliente. De todos os 959 já feitos, estima-se que cinquenta deles estejam nos EUA. Destes, mais de 30 já passaram pelas mãos de Bruce Canepa, da Canepa Motorsports.
Na década de 1970, Bruce Canepa era piloto, e competia na IMSA e na Trans Am. Ele foi um dos primeiros a pilotar o Porsche 935 (seu carro favorito), já esteve ao volante do insano Porsche 917 e, quando deixou as pistas, passou a dedicar-se à empresa que leva seu sobrenome.
A Canepa faz de tudo: compra, vende, importa e exporta carros; presta serviçoes manutenção; restaura e cuida carros de competição históricos e até mantem uma equipe de corrida. E foi a Canepa que, em 1987, ajudou a Porsche a legalizar o 959 para os EUA, onde as leis para emissão de poluentes e resistência a impactos eram mais severas na época.
Bruce Canepa ao volante de seu Porsche 935 em Laguna Seca
É seguro dizer que Bruce é um dos maiores especialistas no Porsche 959 que existem. Por isso, ninguém mais indicado para extrair de seu flat-six todo o potencial existente. De acordo com ele, o motor do 959 foi feito para aguentar 700 cv tranquilamente, afinal, é um motor de competição derivado dos protótipos de endurance e projetado para uma categoria sem limites. Com um galpão de 6.000 m² à disposição e tanta experiência, porque não colocar a ideia em prática?
Foi exatamente isto o que ele fez com este 959 branco, chamado Canepa Generation III. É simples de entender: esta é a terceira geração do pacote de modificações para o 959 proposto pela Canepa. O primeiro, de 2000, elevava a potência do motor para 583 cv. A segunda geração aumentou este número para 648 cv e, agora, o 959 Gen. III entrega nada menos que 773 cv — 323 cv a mais que o original. E, de acordo com Bruce, é capaz de acompanhar um Porsche 918 Spyder sem derramar uma gota de suor. Ele deve estar puxando a sardinha para o seu lado — afinal, nem mesmo algo muito mais moderno, como o Pagani Huayra, é capaz de se igualar ao 918. Talvez Bruce esteja se referindo à retomada em linha reta, mas em um circuito seu 959 dificilmente andaria junto com um hipercarro híbrido muito mais moderno.
O segredo começa no motor, que perde o sistema de turbo sequencial original e recebe dois turbos paralelos da BorgWarner com wastegates integradas e isolamento térmico de titânio. Os comandos de válvulas são retrabalhados, bem como os coletores de admissão. Componentes como alternador, bateria, bombas de ar e velas foram todos substituídos.
O sistema de alimentação também foi atualizado, com novos injetores e módulo de controle com data logger. O escapamento agora é de aço inox, foi feito sob medida, e conta com uma válvula que é ativada por um botão no painel e deixa o ronco que sai pelos tubos mais agressivo. A transmissão recebeu uma nova embreagem, reforçada e com mecanismo de atuação mais moderno.
A suspensão deste carro era ajustável, como parte do pacote Komfort. A Canepa substituiu seus componentes pelos do 959 Sport, que é fixa, e atualizou tudo com novos amortecedores a gás e molas de titânio desenvolvidas in-house. As rodas de magnésio originais foram modificadas para poder receber pneus modernos de graduação Z, para velocidades acima de 240 km/h.
O lado de dentro do carro pode parecer original, mas esta é exatamente a ideia: a Canepa refez todo o revestimento de couro, incluindo o volante, e colocou tapetes feitos à mão — tudo com base no design original, porém com materiais e acabamento superiores.
O detalhe mais interessante é que este 959, o primeiro a receber todos estes upgrades, faz parte da coleção pessoal Bruce Canepa — afinal, que melhor forma de garantir a qualidade das modificações do que realizá-las em seu próprio carro? De acordo com ele, o pacote de modificações estará disponível em breve, e custará pelo menos US$ 200 mil (cerca de R$ 640 mil, em conversão direta). Não é pouco mas, bem, se você tem bala na agulha para comprar um Porsche 959 — um bom exemplar não custa menos que US$ 1 milhão, ou R$ 3,2 milhões em conversão direta —, isto não deverá ser um problema.