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Project Cars Project Cars #319

Jeep CJ-5: o término da reforma, o primeiro passeio e o começo do fim

Primeiramente peço desculpas aos leitores pelo meu atraso. Faculdade, inicio do meu TCC, apresentação de um outro projeto grande, procura por um emprego, viagem, férias, meu Project Car… tudo convergiu no mesmo período do espaço tempo – e me complicou um pouco em tudo.

Era um 4 de Fevereiro – bem no meio das minhas férias – quando surgiu uma passagem aérea promocional lá para a cidade onde o Jeep estava. Saia menos da metade do que eu gastaria com gasolina e pedágios… não deu outra: dois dias depois e eu estava dentro de um Boeing 737, procurando o circuito de Interlagos pela janelinha.

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Dessa vez eu não estava lá a lazer, então o cenário que me esperava era regado a muita graxa, tinta, óleo e roupa suja. A falta de tempo foi só o tempero. Resumindo: um Overhaulin caseiro.

 

Levando as tralhas e começando a trabalhar

Eu tinha muitas peças para levar (volante, cintos, travas, suportes, detalhes de acabamento), e é claro que não coube tudo nos 23 kg máximos da minha mala. Por isso levei só o essencial.

Ao chegar em casa e antes mesmo de lavar o rosto após a viagem, tratei de dar a volta no quintal e entrar pela porta dos fundos, apenas para olhar como ele estava. E, a propósito, ele pareceu até mais feliz ao me ver. O sentimento foi recíproco.

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No mesmo dia dei um banho de boas vindas nele

Infelizmente choveu muito nos últimos meses, e surgiram algumas goteiras no telhado… bem em cima do carro. Não me preocupei, já que estava lá para fazer a funilaria e um ponto de ferrugem a mais não seria problema.

O sistema de exaustão ainda funcionava sem o abafador, que eu havia tirado para começar a reforma. Antes disso – no fim do ano – meu pai tratou de resolver um vazamento de óleo, que provinha da junta do cárter ressecada. Ao mesmo tempo o câmbio saiu do lugar e teve disco e platô trocados por peças novas. Ele também terminou as linhas de freio e deu vida aos novos discos de 300mm que eu havia instalado. Enfim, o primeiro dia já estava acabando e finalmente era hora de começar! Mas não sem antes ouvi-lo mais uma vez!

O motor ainda estava falhando um pouco em baixa, culpa de uma má regulagem do Weber/DFV 228. No vídeo abaixo a falha fica visível: note que o gicle deixa de injetar combustível em baixa. Mas isso era coisa pra se resolver depois.

A maravilhosa engenharia ataca novamente #FuelInjection #carburetor #inline6 #Jeep #Willys #carporn #builtnotbought

Um vídeo publicado por Leonardo Porfirio (@leoporfir) em

O primeiro passo foi desmontar os principais elementos e preservar a integridade das peças durante o processo de funilaria. Foi assim com a tampa traseira, instrumentos, volante, bancos, suportes, faróis e lanternas…

Logo comecei a lixar as superfícies para descobrir os pontos de ferrugem. Os únicos lugares que precisaram de mais atenção foram a base da tampa traseira, a lateral esquerda (abaixo da porta) e a lateral traseira direita. Ironicamente o resto estava bom. Vale frisar que toda a superfície do assoalho tem buraquinhos de corrosão. Sao coisas pequenas, mas eu não tinha mais como comprar o assoalho (por dinheiro e por tempo), então optei só por jogar massa por cima, deixar bonito e então aguardar a próxima oportunidade.

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Funileiro de primeira viagem

Como falei no último post, minha intenção não é ganhar concursos de elegância. Então, meu ponto de equilíbrio fica entre o “bom”, o “bonito” e o “barato”. A melhor e mais instrutiva maneira de se chegar a esse resultado era fazendo tudo por conta própria. Meu pai tem todo o material necessário, então era só por a mão na massa! Afinal, pior do que estava não poderia ficar.

A funilaria já começou no segundo dia de viagem – e se estendeu ao longo de mais 8 dias.

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As imagens dizem por sí mesmas quanto ao que foi feito. Chegamos a uma superfície satisfatoriamente lisa e sem pontos de ferrugem aparentes. Relativo a minha experiência, sabem de uma coisa? É um processo demorado, cansativo, que exige paciência, um tato aprimorado e alguns problemas respiratórios. É uma técnica que passa tangenciando a arte. Foi legal, mas não posso dizer que gostei de fazer.

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O antes…

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…e o depois!

 

Enquanto isso…

A funilaria foi um fator limitante, porque exigiu muito tempo de dedicação exclusivo a ela. Mas quando surgia um tempinho, íamos arrumando e preparando outros detalhes. A começar pela iluminação externa.

Todas as lâmpadas originais ainda funcionavam (!), embora as lentes estivesses sujas, quebradas e foscas pela ação do tempo. A moldura cromada dos faróis já não eram mais cromadas… acabei trocando tudo.

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Atrás os velhos, na frente os novos

Na hora de montar os novos faróis Sealed Beam, descobrimos que há uma incompatibilidade na furação entre o novo suporte e a “panela” (peça onde os faróis são encaixados) original, o que nos deixou na mão por uma semana. Só então achamos uma autopeça que tinha uma nova “panela”, diferente da original e totalmente compatível com os nossos novos faróis.

Daí foi bem simples de resolver, bastando apenas fazer novos furos para fixar todo o conjunto. Agora tudo funcionava, incluindo a regulagem manual dos faróis!

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Olhos de cigana obliqua de dissimulada

 

Bancos, segurança e interior

Lembram dos meus cintos de quatro pontos e do volante Big Block, da Lotse? Então, o volante não cabia na mala e os cintos eu esqueci… Pensem na raiva que eu fiquei quando percebi. A distração me obrigou a correr atrás de cintos provisórios, pelo menos para trazê-lo para SP sem ter o carro apreendido. Por sorte meu pai conhece o dono de um ferro velho exclusivo de ônibus, e ele nos deu 2 pares de cintos abdominais (bem velhinhos, mas funcionando).

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Os bancos antigos estavam lá esperando, apenas um pouco mais sujos. Tínhamos trilhos do Escort XR3, que não eram compatíveis com os bancos, mas fizemos uma adaptação (com muita solda) para que se tornassem. Quem sabe faz ao vivo, brow.

O banco do passageiro foi um desafio um pouco maior por um motivo: a caixa de ferramenta fica logo abaixo dele. Para abri-la, o banco teria que bascular lateralmente ou longitudinalmente. Só que nossos bancos eram muito maiores que os originais, impedindo o movimento… A solução foi soldar dobradiças à base dos trilhos, logo na parte da frente. Assim encontramos um ângulo cujo movimento de abertura deixasse o caminho livre. Em outras palavras, é só você puxar o banco em direção ao parabrisas, e então mexer na caixa de ferramentas normalmente. Não ficou a melhor coisa do mundo, mas funciona. E se funciona, gambiarra não é. Infelizmente esqueci de tirar fotos dessa parte… desculpem.

 

Começando a pintura

Essa foi, de longe, a parte que eu mais estava entusiasmado. Afinal, é onde é concebido um corpo novo a uma velha alma. É onde tudo começa a fazer sentido e mostrar o porquê de sua existência.

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O responsável pela carroceria foi meu pai, pois minha pouca experiência com pintura poderia estragar tudo. Foram duas horas pra pintar o carro inteiro, incluindo o estepe original – e mais um dia de sol esperando a tinta secar para a montagem de alguns periféricos.

 

Montando a lasanha

Na verdade a massa já estava pronta. Mas como todo bom prato, o que mais vale é o tempero. É como você faz e – como diz minha mãe – o amor que você dedica também ajuda a deixar a refeição ainda mais saborosa.

Peguei tudo e comecei a montar, sempre com muito cuidado e com todos os parafusos novos. Primeiro foram os bancos e depois os cintos.

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A tampa traseira entrou como uma luva, e já não estava mais torta como antigamente. As lanternas e faróis novos caíram como a cereja num bolo. Mas eu prefiro pizza, e nesse caso ainda faltava a azeitona: a minha manopla de câmbio.

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Sabe aquela sensação de dever cumprido? É como eu me senti quando terminei de montar. Claro, ainda não está do jeito que eu quero – vai ficar muito melhor do que isso! Mas mesmo assim, ver aquilo com o qual você tanto sonhou tomar forma diante do seu próprio suor é a coisa mais reconfortante que tem!

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Detalhes e frescuras

Eu terminei o ultimo post com uma breve analise das cores usadas. Como falei, o interior dos paralamas deveria ser preto, então comecei por eles. Pintei com pincel mesmo, das 11h até as 14h, sob o sol escaldante do interior paranaense.

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O parachoque traseiro também entrou na fila, e por fim o nome “Jeep” em alto relevo, que fica nas lateriais. Falando em parachoques, fixamos as placas dianteiras e traseiras nas laterais. Não sei vocês, mas pra mim a assimetria deixa qualquer carro mais charmoso.

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Encontrei dois faróis de milha cromados, que estava na Bandeirantes. Estavam bem sujos e com a superfície riscada. Passei uma tarde inteira desmontando peça por peça, limpando, polindo e montando novamente no lugar. O resultado foi esse:

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A primeira volta e o último passeio

Depois de tantos anos esperando, finalmente eu pude vê-lo apto a andar. Era obvio que problemas iam aparecer, para para localizá-los, um try-out era no mínimo necessário. A parte boa é que, se existe algum lugar onde há uma alta concentração de estradas de terra desertas, este lugar é sempre o interior. Pode conferir no interior de qualquer estado, sempre vai ter uma porrada de estradas assim!

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O primeiro tanque de combustível

Mas antes fizemos uma voltinha mais simples até o posto de gasolina para encher meio tanque (de módicos 40 litros) e garantir que o passeio não acabasse antes do planejado. Na primeira volta andei sem o abafador. Mas andando descobri que ele faz barulho de carro velho, e não achei isso bonito. Mas enfim, vai o vídeo:

Dirigi-lo pela primeira vez foi uma experiência extremamente intensa! Minhas impressões ficaram bem acima do que esperava: A direção não ficou dura e, mesmo com pneus de 32 polegadas e 285mm de banda, não senti falta alguma de uma direção hidráulica; A suspensão é dura e mostra pra suas nádegas toda a variação topográfica do chão com extrema perfeição, mas fiquei surpreso pelo conforto – provavelmente proveniente dos bancos mais macios e dos pneus com maior capacidade de absorção de impactos. O câmbio é uma atração a parte: os engates são diretos, admiravelmente curtos e precisos.

Mas nem tudo são flores. Logo que dei a primeira pisada mais forte, notei a embreagem patinando. Mas sem problemas, levamos  de volta no mecânico e ele resolveu em algumas horas. Até deixei meu pai dirigir ele um pouco:

Aprendi que planejamento é uma coisa a ser levada em conta: A primeira marcha é seca, então só dá pra engatá-la com o carro parado (do contrário, terá que fazê-la entrar no tempo). A direção é “leve”, mas a relação da caixa deixa o movimento lento e os 400mm do volante também não contribuem. Os freios ficaram muito bons, mas a falta de um hidrovácuo deixa o pedal muito pesado e prejudica a sensibilidade dos pés na frenagem… Então planejamento é uma coisa muito importante se você pretende dirigir com segurança, sem atrapalhar ninguém e sem causar um acidente.

Já ouviu falar do Death Wobble? Ou talvez Shimmy? É um fenômeno muito comum em 4×4 modificados e ocorre em decorrência de um desequilíbrio momentâneo, desencadeando uma reação em cadeia que só vai parar quando você reduzir a velocidade.

Em qualquer buraco ou irregularidade que eu passo, o Jeep está desenvolvendo isso. A menos de 40 km/h já notei o efeito. No meu caso, acredito veementemente que a causa sejam as folgas dos terminais de direção em conjunto com o alinhamento e o balanceamento precário dos pneus. Não tive tempo de resolver isso, mas os terminais novos já foram comprados!

Voltando à minha história: primeira voltinha não tivemos problema nenhum, e a noite chegou junto com um sorriso no meu rosto, exclamando que tudo aquilo valera a pena! Dia seguinte botei minha mãe no carona, meu pai com a F-250 atrás (com a função de reboque de emergencia) e minha câmera na caixa de ferramentas. O destino era qualquer lugar longe da cidade. Apenas peguei um caminho qualquer e o segui até o fim…

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Essa foi a minha foto favorita

Na volta pra casa começaram os problemas da nossa relação: o carro começa a falhar em uma subida bem leve, até que para no meio da pista. Motivo? Bobina esquentando! Uns 40min foram suficientes para a temperatura abaixar, e depois fomos direto pra casa.

Não tinha uma bobina nova e minha teimosia era forte. Continuei saindo com ele a semana inteira, e fiquei na mão mais 6 (SEIS) vezes! Mas vou falar: foi a melhor coisa que eu fiz!

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Bobina esquentou e o carro parou

 

Custos

É claro que não se pergunta a idade de uma senhora de classe, mas eu acho que é uma curiosidade que vale ser divulgada. Da maneira que trabalhei, esses foram os gastos que tive:

  • Kit de freios a disco 300mm + pinças da Kombi: R$ 670,00
  • Rodas de ferro R16 da F-1000 (usadas): R$ 200,00
  • Assoalho dianteiro esquerdo novo: R$ 130,00
  • Faróis (e seus novos suportes), lanternas, acabamentos e lâmpadas: R$ 350,00
  • Manopla de câmbio (é um item tão legal que vai ficar separado na lista): R$35,00
  • Produtos de limpeza e embelezamento: R$ 20,00
  • Tinta, Primer e Verniz: R$ 100,00
  • Troca da embreagem e da junta do cárter (peças + mão de obra): R$ 600,00
  • Gastos com deslocamentos, fretes + margem de erro: R$800,00
  • Filtros, bomba de combustivel, óleo e fluidos: R$ 250,00

Considerando que eu já tinha os pneus (usados, que vieram em um carro do meu pai sem custo nenhum), a tinta azul da carroceria (meu pai que ganhou de um amigo) e fui responsável por praticamente toda a mão de obra do processo, podemos concluir que o valor total para chegar ao estágio atual foi pouco acima dos R$3.000,00!

 

O futuro que não chegou

Eu até poderia dizer que ele ficou pronto, mas ainda faltam os detalhes mais importantes… e minha intenção era voltar com ele pra São Paulo nessa viagem. Entretanto, com o Death Wobble prejudicando fortemente a dinâmica do carro, andar 600 km com ele preso na traseira da F-250 seria suicídio e imprudência. Além do mais, em SP nos mudamos de uma casa para um apartamento e tivemos que trocar de carro (pois nenhum entrava na garagem nova) e por consequência também ficamos sem vagas. Se o Jeep viesse, teria que dormir na rua. E isso não é o que eu quero.

Pra piorar, minhas tentativas de achar um emprego foram em vão. E sem salário, sem Project Car. Acho que fiz o que pude no tempo que tive. Cada segundo que vivi, cada machucado que ganhei e cada vez que parei por conta da bobina esquentando valeram a pena! Não tenho do que reclamar e fiquei muito satisfeito ao ver onde cheguei, mas percebi que era hora de tempo ao… tempo. Tive que voltar as pressas (depois de matar uma semana de aula), correr atrás do meu TCC, uns documentos, compromissos e ter que me preocupar pela primeira vez com o imposto de renda, ao mesmo tempo em que procurava por um emprego!

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Mal terminei de escrever um parágrafo e ele parou de novo

Por essas e outras, venho pedir as minhas sinceras desculpas e dizer que levarei o Jeep pra geladeira por um tempinho. Mas se serve de consolo, o almoço nós já tivemos. Mas como a gente sabe, melhor parte da refeição é a sobremesa. Por isso garanto que esse tempo na geladeira só vai deixar as coisas melhores!

 

Surprisa! Mini Project Car

Se o original não fica pronto, pelo menos esse ficou. Passeando pelo centro de São Bernardo antes de viajar, topei com um Jeep CJ7 da Hot Wheels. Mas é claro que eu comprei, só que não gostei das cores. Enfim, vocês sabem muito bem o que eu fiz, não sabem?

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Pois é

Deixo aqui meu mais sincero obrigado a todos que acompanharam até aqui, e ao FlatOut! que nos cede esse espaço tão bacana! Tive minha capacidade de escrita dificultada pelos contratempos, mas espero que ao menos as fotos tenham valido a pena! E que fique claro que isso não é um adeus, pois eu garanto volto pra terminar o que comecei.

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Poesia é um dos alimentos da alma. Então fiquem com essa de final

Por Leonardo Porfirio, Project Cars #319

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