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Car Culture

Jeff Beck, o guitarrista que fazia hot rods

A cena é a seguinte: dois amigos entram na garagem onde fica a coleção de Ferrari de um deles. O outro, inabalado pelo panorama avermelhado, vira para o parceiro e diz: “Qualquer um pode comprar isso aí”. E completa, apontando para seu velho hot rod: “Um daqueles, só fazendo”.

Poderia ser algum segmento de “Velozes e Furiosos” ou “60 Segundos” que acabou cortado da edição final, mas ela não é fictícia. Ela aconteceu de verdade em algum momento dos anos 1990, quando Eric Clapton levou seu amigo Jeff Beck à sua garagem. Clapton é o cara das Ferraris, Beck era o cara dos hot rods.

A paixão de Beck pelos carros nasceu juntamente com sua paixão pela música, em meados dos anos 1950, ainda adolescente. O interesse pela música surgiu ainda na infância, quando integrou um coral de igreja próximo à sua casa. Logo depois, veio o interesse pelos carros e seu envolvimento profissional com eles: Beck foi pintor de carros depois de terminar a escola. As duas paixões — as cordas e os motores — o acompanharam por toda a sua vida.

Jeff Beck não é um músico reconhecido pelo grande público como foram os Beatles, os Rolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton ou Jimmy Hendrix, mas ele influenciou cada um deles de alguma forma e foi um dos músicos mais importantes do nosso tempo.

Sua carreira musical começou em 1963, quando ele foi apresentado ao rhythm and blues americano por Ian Stewart, então tecladista dos Rolling Stones. Dois anos mais tarde, entrou para os Yardbirds, uma das mais influentes bandas britânicas da época, para substituir Eric Clapton por indicação de seu amigo Jimmy Page, que mais tarde também integraria a banda ao lado de Beck durante 1966, antes de ser demitido por faltar aos shows.

Fora do Yardbirds ele foi convidado pelos Rolling Stones para substituir Brian Jones, que morreu afogado em 1969, e foi cotado para ser o guitarrista do Pink Floyd, mas a banda não teve coragem de convidá-lo por achá-lo bom demais para o grupo. Na mesma época ele formou o Jeff Beck Group, que contava com Rod Stewart e Ronnie Wood — os dois mais tarde fariam sucesso com o Faces, e Ronnie Wood se tornaria o segundo guitarrista dos Rolling Stones no fim dos anos 1970.

Àquela altura, em meados dos anos 1970, Beck decidiu seguir carreira solo e se envolveu com sua segunda paixão, os hot rods. Primeiro ele comprou alguns modelos prontos, mas depois decidiu colocar a mão na massa para fazê-los por conta própria. Normalmente atletas e artistas são proibidos por contrato de realizar atividades que possam comprometer seu desempenho profissional, mas Jeff Beck nunca se preocupou em machucar as mãos fazendo seus hot rods.

Em uma entrevista ao site Guitar.com realizada em 2002, ele disse que “trabalha nos carros mais do que toca guitarra” e contou um pouco de sua experiência com os hot rods:

Que carros você está fazendo agora?

Eu tenho alguns no momento. Consegui encontrar um raro cupê de três janelas 1934, anunciado numa revista dinamarquesa ou um jornal sueco. Vi o negócio e pensei: “está todo original e é único. Não se encontra um desses por aí, de três janelas. Mandei minha namorada e um amigo meu mecânico para Copenhague. O carro funcionava, estava perfeito. Comprei. Foi uma compra de impulso e agora ele está indo pra Califórnia.

Por quê?

Porque sou ocupado. Tenho apresentações a fazer na Inglaterra. Tenho um participação com Pavarotti. Conhece o Pavarotti?

Sim.

Eu toquei em uma música dele, e ele adorou. Mas ninguém disse a ele quem havia tocado guitarra. Ele ouviu e disse que queria conhecer o guitarrista. Então disseram que era eu, e aí ele me convidou para tocar na Áustria. Por isso não vou mexer muito no carro antes do natal. 

Até lá o carro vai estar desmontado, jateado e pronto para ser montado na oficina de um amigo meu na Califórnia. Aí eu vou até lá para ver como estão as coisas. 

Você faz algum trabalho nos carros?

Neste especificamente não. Mas em todos os outros sim. Eu construí 14 ou 15 streed rods em 25 anos, e fiquei com a maior parte deles. Os que eu comprei em Los Angeles, em 1976, e mandei para a Inglaterra começaram a enferrujar. Aí eu pensei: ‘Não vou reconstruir esses carros. Não fui eu quem fez eles”. Então eu limpei os carros e vendi. Mas depois disso não vendi nenhum carro. Não consigo olhar 18 meses de trabalho indo embora pela rua. Em um instante alguém estará com o meu carro por uma grana que vai sumir. Por isso eu construí um galpão especial para eles. 

Quais são seus favoritos?

Todos são fantásticos. Todos têm memórias. Todos tem suas características e especialidades. 

E você tem tempo de sair com eles para dirigir?

Sim, toda vez que para de chover. 

Você participa de arrancadas?

De algumas. A diversão está na competição. Comemos algo e passamos o dia acelerando. Não é uma arrancada de alto nível como aqui nos EUA, mas há carros bem competitivos. É legal conhecer o pessoal.

Depois desta entrevista de 2002, Beck construiu ainda outros 15 hot rods até 2020. Há poucas imagens deles, mas consta que a coleção inclui ao menos um Deuce Coupé e um Deuce Roadster, alguns 3 e 5 windows — todos Ford. Beck também tem diversos Corvette como um 1959 restomod, dois 1963 split window, um C2 conversível e um C6 Z06 2007, um MG TC 1947 e uma réplica do hot rod amarelo de American Graffiti.

No vídeo abaixo é possível ver boa parte destes carros — e também um pouco da desenvoltura de Beck com os carros, motores e componentes mecânicos, como um conjunto de anéis sincronizadores de marchas:

E como um bom graxeiro, ele também é um entusiasta da direção — como já ficou claro em sua entrevista de 20 anos atrás, mencionada acima. Mais recentemente, em 2016, ele se posicionou firmemente contra os carros autônomos durante uma entrevista ao USA Today.

“Os carros autônomos são a coisa mais ridícula que eu já ouvi. É a remoção da razão de dirigir. Não consigo imaginar alguém que queira comprar isso, e os envolvidos em construir essas coisas deveriam ser presos. Não entendo o porquê de se tirar a satisfação de estar no controle do carro, onde a alegria de dirigir é substituída por algum circuito esperto. E como ele sabe o que está acontecendo? Já houve um acidente no qual uma van branca entrou na frente do carro e ele não a viu. Não quero sentar num carro desses.”