Se a Fórmula 1 é o ápice técnico e esportivo do automobilismo, não há, nunca houve e nunca haverá escassez de gênios em sua história. Mas poucos mudaram tanto — e de forma tão silenciosa — quanto John Barnard. Em uma categoria acostumada a celebrar pilotos audaciosos e chefes de equipe carismáticos, Barnard se destacou fazendo exatamente o oposto: mantendo distância, falando pouco e impondo suas ideias com precisão quase clínica.
Foi ele quem colocou o monocoque de fibra de carbono na pista pela primeira vez, quando ainda se achava que era coisa de avião, não de carro de corrida. Foi ele quem tirou a alavanca de câmbio das mãos dos pilotos e a substituiu por borboletas atrás do volante, mesmo enfrentando resistência técnica e cultural dentro da Ferrari. E foi também ele quem ajudou a transformar o conceito de equipe de F1, trocando a improvisação de pista por uma estrutura de engenharia com processos, padrões e desenvolvimento remoto — décadas antes de isso se tornar regra.
Barnard não era um revolucionário no estilo Colin Chapman, nem um romântico como Mauro Forghieri. Era um projetista metódico, obsessivo por controle, que tratava cada decisão técnica como parte de uma arquitetura de eficiência. Seu impacto não está apenas nos carros que projetou, mas nas soluções que se tornaram padrão a partir deles.
Se hoje a Fórmula 1 parece mais próxima de um laboratório de engenharia do que de uma garagem barulhenta, muito disso começou com ele.
Um engenheiro autodidata
Diferente de muitos projetistas de sua geração, John Barnard não nasceu nem foi educado dentro do universo tradicional da engenharia de competição britânica. Não passou pela Lotus de Colin Chapman, nem pelas universidades técnicas mais prestigiadas, como Cambridge ou Oxford. Sua formação foi mais direta e pragmática: cresceu em Wembley, norte de Londres, filho de um engenheiro de ferramentaria da General Motors. O pai trabalhava no departamento de ferramentas da Vauxhall Motors, em Luton — e foi ali, entre moldes, prensas e tornos, que Barnard teve seu primeiro contato com metalurgia e manufatura.
Barnard estudou engenharia na Watford College of Technology, uma instituição voltada à formação técnica sólida, mas sem o prestígio acadêmico das grandes universidades britânicas. Depois de formado, em 1968, conseguiu um emprego na Lola Cars, uma das grandes fornecedoras de chassis para categorias como Fórmula 5000, Fórmula 2, Indy e Le Mans.
Foi ali que Barnard teve o primeiro contato com carros de corrida de verdade, trabalhando em modelos como o T190 de F5000 e os protótipos T280 e T290 de endurance. Também foi ali que ele aprendeu os fundamentos da engenharia de corrida: geometria de suspensão, estrutura de monocoques, dinâmica de fluidos e, sobretudo, a importância do trabalho colaborativo entre engenheiros, mecânicos e pilotos. E ali ainda foi o lugar onde ele conheceu um outro projetista que se tornou um grande amigo e ajudaria mudar sua história: Patrick Head.
Em 1972, Barnard entrou para a McLaren e passou três anos trabalhando ao lado de Gordon Coppuck no M23 — o carro que daria a Emerson Fittipaldi e James Hunt dois títulos mundiais — e também nos projetos de Indianápolis da equipe.
O primeiro grande salto de sua carreira veio em 1975, quando foi recrutado pela Vel’s Parnelli Jones Racing, equipe norte-americana que competia na Fórmula Indy e que, entre 1974 e 1976, tentou entrar na Fórmula 1 com apoio da Firestone. Barnard participou do projeto do Parnelli VPJ4, um carro fortemente inspirado no Lotus 72, mas adaptado para os circuitos norte-americanos e europeus.

Trabalhando ao lado de Maurice Philippe (ex-Lotus), Barnard teve contato com conceitos avançados de aerodinâmica e chassis, mas também percebeu a limitação de copiar modelos bem-sucedidos em vez de reinventar o próprio caminho.
Com a saída da Firestone do automobilismo em 1975, a equipe recuou, e Barnard voltou aos EUA para trabalhar nos projetos da Indy. Foi lá que teve seu primeiro contato com a fibra de carbono, ainda usada de forma experimental em estruturas secundárias de aviões e protótipos de corrida. Esse contato com a indústria aeroespacial americana — em especial com empresas como a Hercules Aerospace — plantou a semente que, anos depois, germinaria no MP4/1.

Logo depois, Philippe deixou a Parnelli Jones e Barnard assumiu a liderança técnica do time, dando continuidade ao trabalho nos carros para a Indy. Em 1980, a consagração veio com o Chaparral 2K, praticamente um Lotus 79 adaptado por Barnard para a CART. O carro venceu as 500 Milhas de Indianápolis com Johnny Rutherford e ainda levou o título da CART naquele ano. Apesar de não ser um carro autoral, ele mudaria a história de Barnard graças a um velho amigo seu.
O prólogo de uma revolução
Enquanto John Barnard estava nos EUA, Ron Dennis estava negociando a fusão de sua equipe, a Project Four, com a McLaren, intermediada pela Marlboro, que patrocinava os dois times. A McLaren passava por uma crise técnica e financeira: o projetista Gordon Coppuck não conseguiu desenvolver um carro de efeito solo competitivo e a equipe passou as temporadas de 1978, 1979 e 1980 sem nenhuma vitória.
Teddy Mayer, o advogado americano que comandava a equipe desde a morte de Bruce McLaren, havia conseguido campanhas bem-sucedidas com a equipe não apenas na Fórmula 1, mas também nos monopostos americanos e na Can-Am. Mas naquele final da década de 1970, ele simplesmente não conseguiu manter a McLaren em alta, algo que incomodava a Philip Morris, dona da marca Marlboro.
Por outro lado, a relação de Ron Dennis com a Marlboro era muito próxima: ele se reunia frequentemente com o diretor de marketing da Philip Morris, John Hogan, para discutir as estratégias comerciais. Isso acabou convencendo Hogan de que Ron Dennis faria um trabalho melhor que Mayer na McLaren. Foi quando ele começou a intermediar a fusão das duas empresas bancada pela Marlboro.
Durante as negociações, Dennis começou a sondar projetistas que poderiam fazer parte deste novo projeto. Obcecado por organização, disciplina e controle, ele precisava de um projetista que pensasse fora da caixa, que tivesse mentalidade sistêmica, mas sem os vícios da velha guarda. Dennis então pediu uma recomendação a Patrick Head, que lhe falou sobre Barnard e a campanha bem-sucedida do Chaparral 2K nos EUA.
Ron Dennis então ligou para John Barnard e lhe contou sobre o projeto de fusão das equipes e da necessidade de criar um carro competitivo na Fórmula 1. Nos carros de efeito solo da época, o desafio principal era conseguir rigidez suficiente do chassi, que se tornava cada vez mais estreito por conta dos túneis Venturi. Ao mencionar suas ideias para contornar as limitações do alumínio, Barnard deixou Dennis tão chocado quanto interessado: ele vislumbrava um monocoque de fibra de carbono.
A fusão aconteceu no segundo semestre de 1980 e deu origem a uma nova empresa com um nome conhecido: McLaren International. Metade desta nova McLaren era de Teddy Mayer e a outra metade de Ron Dennis e sua Project Four. Com a Marlboro bancando a fusão, Hogan conseguiu colocar Dennis no comando da nova empresa/equipe. No comando, Dennis contratou John Barnard e deu a ele carta branca para o projeto.
A era McLaren
Barnard já estava obcecado por esse desafio bem antes da fusão da Marlboro McLaren com a Project Four Racing, e já vinha ouvindo falar bem de um tal de “compósito de fibra de carbono”. Era um material, leve, resistente e muito rígido, que parecia feito sob medida para carros de F1 — ao menos na teoria. Na prática, quase ninguém no paddock sabia usá-lo. Nem entendia direito o que era. A Lotus tentou usar o material no 88, mas somente em partes do chassi, porque Colin Chapman não confiava plenamente naquele negócio, e logo abandonou o uso de fibra de carbono.
Barnard conhecera o material anos antes, ainda quando estava na Indy, durante uma visita à British Aerospace, que já usava o compósito de fibra de carbono em componentes aeronáuticos. A dúvida ficou no ar: será que dava mesmo pra construir um carro inteiro com isso?<
Quando o trabalho na McLaren começou, Barnard pediu ajuda a um velho contato dos tempos de Indy, que lhe indicou a Hercules Corporation, uma empresa americana que tinha um departamento de pesquisa e desenvolvimento que fazia experimentos e protótipos pouco ortodoxos, quase sempre sem autorização da direção — o chamado “skunk works”. Era o lugar perfeito para descobrir se seria possível fazer um carro de Fórmula 1 com fibra de carbono.
Barnard foi aos EUA com uma maquete em escala 1:4 do carro debaixo do braço. O pessoal da Hercules começou a trabalhar, e logo o protótipo do novo McLaren começou a sair do papel. Como ainda não sabiam moldar superfícies curvas em fibra, a primeira célula de sobrevivência foi feita com cinco painéis principais — todos planos.
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O carro só usava uma única peça estrutural de alumínio: a estrutura do bico, que servia de suporte para braços da suspensão e para a asa dianteira. Em vez de chapas de alumínio dobradas e rebitadas, Barnard usava tecidos de fibra de carbono pré-impregnados com resina epóxi. As peças eram colocadas em moldes negativos, camada por camada, com orientação precisa das fibras (ângulos de 0°, 45°, 90° etc.) para maximizar rigidez onde fosse necessário e permitir flexibilidade onde fosse útil.
Depois de moldado, o conjunto era colocado em uma autoclave pressurizada, onde calor e pressão (em torno de 120 °C e 7 bar) curavam a resina e transformavam o composto em uma estrutura monolítica, homogênea e praticamente indestrutível. Essa estrutura era tão rígida que os primeiros testes mostraram torções praticamente nulas, algo inédito em um F1. Isso permitiu o uso de suspensões mais sofisticadas, que podiam trabalhar de forma mais previsível, com menor variação dos ângulos de cambagem e convergência durante as curvas.

O carro não ficou pronto a tempo da abertura da temporada de 1981. John Watson e Andrea de Cesaris começaram o ano com o ultrapassado M29C. A estreia aconteceu somente na Argentina, com John Watson ao volante do carro — De Cesaris continuou com o M29C até a sexta etapa, no GP de Mônaco.

O desempenho do carro foi um tanto irregular nas primeiras provas. Na Argentina uma quebra de câmbio tirou o carro da prova. Em San Marino, Watson classificou o carro em sétimo, mas caiu para a 11ª posição. Em Zolder, no GP da Bélgica, Watson largou em quinto e andava em quarto até ter problemas no câmbio, terminando em sétimo. Em Mônaco, vinha em quarto quando o motor quebrou. Mas na sequência veio a arrancada: terceiro na Espanha, segundo na França, brigando de igual pra igual com os carros da Renault.
E então veio Silverstone. O GP da Grã-Bretanha de 1981 entrou pra história por vários motivos. Prost liderava com Arnoux em segundo, os dois da Renault. Watson largou em quarto, caiu pra décimo no começo ao escapar de um acidente no miolo e, quando Piquet bateu forte, Prost quebrou e Arnoux começou a perder rendimento, o McLaren número 7 entrou no jogo.

A multidão inglesa vibrou quando ele assumiu a ponta na volta 61 e cruzou em primeiro sete voltas depois. Era a primeira vitória da McLaren desde o GP do Japão de 1977. E a primeira vitória de um carro feito com fibra de carbono.
Mais tarde, veio o episódio que calou de vez os céticos. Em Monza, Watson saiu da pista a 220 km/h. O MP4 se partiu ao meio: motor e câmbio de um lado, piloto do outro. Mas a célula de sobrevivência, feita de carbono, permaneceu intacta. Watson saiu andando. O carro ficou destruído, mas não se desintegrou como muitos achavam que aconteceria. A imagem do chassi praticamente inteiro sobre os restos do carro foi um marco. A partir dali, ninguém duvidava mais da fibra de carbono. E aquilo mudou tudo.
Em dois anos, todas as equipes a adotariam, e esta ruptura tecnológica redefiniu os padrões da categoria. Apesar das dúvidas iniciais de outras equipes — Ken Tyrrell chegou a dizer que era “suicídio andar num carro de plástico” —, em poucos anos todos os times migraram para a fibra. O MP4 não era apenas uma inovação de material: sua concepção integrava aerodinâmica, refrigeração e estrutura com um rigor quase arquitetônico.
O impacto foi imenso. O MP4 não só recolocou a McLaren entre as vencedoras, como levou a F1 a outro patamar. O uso de compósitos virou padrão. A segurança dos carros deu um salto sem precedentes: a rigidez estrutural era muito maior, e o peso, muito menor. Era uma revolução.

O carro ainda tinha defeitos. Sofria com porpoising, exigia muito dos pilotos e não era exatamente fácil de guiar. De Cesaris que o diga: seu apelido naquele ano virou “de Crasheris”, e com um único ponto no campeonato, acabou substituído por Niki Lauda em 1982. Mas o estrago já estava feito — no bom sentido. O MP4 virou referência dentro e fora da F1.
O carro também consolidou um novo paradigma organizacional: pela primeira vez, uma equipe terceirizava a fabricação de sua estrutura para uma empresa de alta tecnologia externa ao paddock. Isso quebrou a lógica artesanal do “garagismo britânico” e introduziu uma abordagem industrializada à Fórmula 1. A McLaren passava a se comportar mais como uma empresa aeroespacial do que como uma equipe de corridas.

Com a chegada do motor TAG-Porsche V6 turbo, financiado pela Techniques d’Avant Garde, a McLaren se transformou numa superpotência. Os modelos seguintes, MP4/2, nas versões A, B e C, dominaram a F1 entre 1984 e 1986, conquistando três títulos de pilotos (Lauda e Prost) e dois de construtores. A estrutura rígida, a confiabilidade mecânica e a integração entre aerodinâmica e refrigeração — com radiadores otimizados por CFD primitivo — mostravam o grau de sofisticação da engenharia de Barnard.

Mas seu perfeccionismo encontrava atrito com a ambição empresarial de Ron Dennis. Barnard desejava mais autonomia e controle; Dennis, mais resultados imediatos e processos escaláveis. A tensão cresceu até a ruptura. E do outro lado dos Alpes, um velho comandante da Ferrari preparava sua cartada.
Uma Ferrari inglesa
Em 1986, após quatro temporadas bem-sucedidas com a McLaren — incluindo os títulos de 1984 e 1985 com Lauda e Prost —, John Barnard rompeu com Ron Dennis. As razões foram tanto pessoais quanto filosóficas: Dennis queria controle total sobre cada aspecto da equipe, e Barnard, por sua vez, exigia liberdade absoluta para seus projetos. A relação havia azedado. Mas Barnard não ficaria disponível por muito tempo.
Do outro lado dos Alpes, Enzo Ferrari, então com 88 anos, observava em silêncio o declínio técnico da Scuderia. Seus últimos carros, projetados por Harvey Postlethwaite e Gustav Brunner, eram potentes, mas inconsistentes e pouco confiáveis. Em sua última grande decisão estratégica, Enzo contratou John Barnard.
Foi um gesto quase iconoclasta: pela primeira vez, um projetista não italiano assumiria o comando técnico da equipe mais tradicional da Fórmula 1. Barnard ainda impôs uma condição quase blasfema, tratando-se de Ferrari: não trabalharia na Itália. Sua exigência era clara. Queria distância dos ruídos burocráticos e políticos da fábrica. Criou então o Ferrari Guildford Technical Office, em Surrey, na Inglaterra, reunindo uma equipe de engenheiros com quem já tinha afinidade, num ambiente controlado, metódico e obsessivamente focado no detalhe.
“Em Maranello, o telefone tocava o dia inteiro e ninguém respeitava os horários. Como se projeta um carro assim?”, dizia. Seu estilo metódico, disciplinado, quase clínico, chocava com a cultura visceral da Ferrari, onde decisões ainda eram tomadas na base da hierarquia informal.

Do ponto de vista técnico, a revolução foi imediata. O primeiro projeto de Barnard para a Ferrari foi o F1/87/88C, uma mera evolução do carro anterior para a temporada de 1988. Apesar de não ser ainda concebido por ele, Barnard fez modificações no chassi, no sistema de suspensão e no acabamento geral, introduzindo um novo padrão de qualidade na Ferrari.
Mas sua obra-prima na Scuderia seria o F1-89, também conhecido como 640, um carro que inaugurou outra revolução, esta bem mais duradoura: foi o primeiro Fórmula 1 da história a usar câmbio semi-automático com acionamento por borboletas atrás do volante.

A ideia era simples, mas radical: eliminar a alavanca de câmbio mecânica e permitir ao piloto mudar de marcha com os dedos, sem tirar as mãos do volante. Isso reduzia o tempo de troca, aumentava a segurança e liberava espaço no cockpit — o principal motivo de sua adoção. “O projeto começou porque eu queria deixar o monocoque bem estreito. Era bem trabalhoso conseguir espaço no cockpit para a alavanca de marchas e a mão do piloto. Então pensei que, em vez de uma alavanca, a gente poderia colocar um botão. Então foi uma questão de espaço. As varetas do câmbio afetavam muita coisa, e obviamente o piloto precisava tirar as mãos do volante durante as trocas. Resolvemos isso, e economia de tempo veio depois.”
No início, o sistema era frágil — ele vinha sendo desenvolvido desde os tempos de Mauro Forghieri, nos anos 1970, mas acabou abandonado após a recusa de Gilles Villeneuve em testar o sistema. A estreia do carro, em Jacarepaguá, foi dramática. Nigel Mansell largou em sexto com um carro que sequer tinha completado uma simulação de corrida nos treinos — ele próprio não confiava no carro —, mas acabou vencendo a corrida em uma das atuações mais improváveis da história.
Além disso, o 640 tinha várias outras inovações técnicas — que foram o verdadeiro motivo do atraso de seu desenvolvimento: monocoque avançado de fibra de carbono, embreagem de carbono, suspensão push-rod com geometria otimizada, e uma distribuição de massas milimetricamente ajustada para integrar aerodinâmica, pneus e comportamento dinâmico.
Mesmo com a vitória, o sistema ainda sofria com a falta de confiabilidade. Quando funcionava, Mansell e Gerhard Berger chegavam ao pódio. Berger terminou só três provas — venceu uma e ficou em segundo em outras duas. Mansell terminou seis, vencendo duas, ficando duas vezes em segundo e duas em terceiro. Nas demais eles abandonaram.
Foi a deixa que a Scuderia precisava para dar sequência ao desenvolvimento de sua transmissão semi-automática. No ano seguinte, Barnard apresentou a Ferrari 641, desenvolvimento direto do carro anterior. Além de um entre-eixos mais longo, aerodinâmica revisada e um motor mais potente, com 680 cv, o monoposto trazia uma versão aperfeiçoada e mais confiável da caixa semi-automática. A receita garantiu seis vitórias — cinco do recém-contratado Alain Prost e uma de Nigel Mansell.
Apesar dos avanços técnicos, a relação de Barnard com a cúpula da Ferrari continuava difícil. Ele se recusava a viver na Itália, mantinha distância dos engenheiros italianos e ignorava o que chamava de “teatro de Maranello”. Isso enfurecia figuras como Piero Ferrari e Claudio Lombardi, além de atritos com pilotos como Gerhard Berger, que achava o câmbio de borboleta “bonito no papel, mas insuportável na pista”.
Mesmo assim, a Ferrari voltou a vencer corridas com regularidade — algo que não acontecia desde 1985. Barnard havia reorganizado os processos, imposto novos padrões de engenharia e pavimentado o caminho para o renascimento da equipe nos anos 1990. Sem ele, o ciclo vitorioso posterior com Schumacher, Byrne e Brawn talvez nunca tivesse sido possível.
Em 1991, desgastado pelas tensões internas, Barnard deixou a Ferrari. Sua marca, porém, já estava gravada na alma da Scuderia — e na evolução técnica da Fórmula 1.
Em rota de colisão
Após sua saída conturbada da Ferrari em 1991, Barnard foi recrutado pela Benetton para atuar como consultor técnico no projeto do B193, carro que estrearia na temporada de 1993. No papel, Barnard tinha liberdade técnica — mas, na prática, o ambiente era dominado por uma filosofia diferente da sua.

Barnard começou o projeto do Benetton B193, introduzindo conceitos aerodinâmicos sofisticados e soluções estruturais típicas de seu estilo: rigidez extrema, layout compacto, foco em baixa polarização de massas. Mas seu tempo ali foi curto. As disputas internas, especialmente com o engenheiro-chefe Ross Brawn e o diretor técnico Rory Byrne, se tornaram insustentáveis. Byrne e Brawn preferiam soluções pragmáticas, adaptadas à realidade dos recursos e pilotos, enquanto Barnard insistia em refinamentos idealizados — perfeitos no papel, porém difíceis de executar.
O atrito culminou com sua saída prematura da equipe. Ainda assim, muitos dos processos introduzidos por Barnard na Benetton — como os testes estruturais em escala, revisão sistemática de falhas e modularização de componentes — foram posteriormente assimilados por Byrne e Brawn, e contribuíram indiretamente para o sucesso com Michael Schumacher em 1994 e 1995.
Em 1993, ele aceitou voltar à Ferrari, a pedido de Luca di Montezemolo, agora presidente da equipe. A tarefa era hercúlea: reorganizar a divisão técnica, modernizar os processos de projeto e preparar o terreno para um novo ciclo de vitórias. Barnard reassumiu o controle do Ferrari Design & Development, agora em Shalford, e trabalhou nos modelos 412 T1 de 1994 e 412 T2 de 1995.
Apesar da limitação natural do motor — pesado e sedento diante dos V10 que começavam a dominar —, o 412 T2 foi um carro competitivo e confiável, com vitórias marcantes como a de Jean Alesi no GP do Canadá de 1995. Durante esse período, Barnard introduziu avanços importantes na ergonomia do cockpit, nos materiais de suspensão (uso ampliado de titânio e fibra de carbono moldada com maior precisão) e na arquitetura de refrigeração lateral. Também promoveu uma reestruturação da cadeia de fornecedores e controle de qualidade — áreas tradicionalmente negligenciadas na Ferrari.
Mas um ponto de inflexão viria com a negociação para contratar Michael Schumacher, bicampeão mundial pela Benetton. Barnard opôs-se frontalmente à contratação, temendo que o alemão exigisse controle excessivo sobre o desenvolvimento técnico — algo que ele próprio já centralizava com mão firme. Montezemolo, percebendo que o futuro da equipe passava por uma nova aliança entre piloto, engenharia e gestão, optou por seguir outro caminho. Trouxe para Maranello Ross Brawn e Rory Byrne da Benetton — justamente os desafetos que levaram Barnard a deixar a Benetton.
Em 1996, Barnard deixou a Ferrari definitivamente. Contudo, suas bases estruturais serviriam como alicerce para o ciclo vencedor que se iniciaria três anos depois — e cuja glória seria colhida pelos outros. Sua visão estratégica nunca foi reconhecida no curto prazo, mas sempre se provava no longo.
A última vez
O último capítulo da carreira de John Barnard na Fórmula 1 foi sua ida para a Arrows Grand Prix International entre 1997 e 1999, período em que ele buscou aplicar sua filosofia de engenharia de ponta em uma equipe com recursos limitados. Seu principal projeto nesse período foi o Arrows A19, da temporada de 1998.
O A19 incorporava inovações técnicas notáveis, como um câmbio longitudinal sequencial semi-automático de seis marchas, com carcaça construída em fibra de carbono reforçada com titânio. Essa abordagem visava reduzir o peso e o centro de gravidade do carro, além de melhorar a rigidez estrutural. Barnard também reposicionou componentes como o reservatório de óleo e o sistema hidráulico para otimizar a distribuição de massas e a eficiência aerodinâmica.
Apesar dessas inovações, o A19 enfrentou desafios significativos. O motor Arrows T2-F1 V10, desenvolvido internamente após a aquisição da Hart Engines, carecia de potência e confiabilidade em comparação com os concorrentes. Problemas recorrentes de transmissão e falhas mecânicas limitaram o desempenho da equipe, resultando em apenas seis pontos no campeonato de construtores de 1998.
Barnard tentou implementar na Arrows sua metodologia de trabalho remoto e controle rigoroso dos processos técnicos, semelhante ao que havia feito na Ferrari. Novamente encontrou resistência interna, agora aliada à falta de infraestrutura. Os conflitos com o chefe da equipe, Tom Walkinshaw, resultaram na sua saída no final da temporada de 1998.

Depois disso, Barnard se afastou da Fórmula 1 deixando um legado de inovações técnicas que influenciaram profundamente o desenvolvimento dos carros de corrida modernos. Sua ênfase na integração entre chassi, aerodinâmica e ergonomia, bem como o uso avançado de materiais compostos, estabeleceu novos padrões na engenharia automobilística.
O engenheiro da reestruturação
O impacto de John Barnard na Fórmula 1 vai além das estatísticas ou das conquistas em pista. Seu legado é estrutural: ele redesenhou os princípios que orientam a concepção de um carro de corrida na era contemporânea. Foi ele quem introduziu o monocoque de fibra de carbono, que se tornaria o novo padrão em segurança e rigidez estrutural. Também foi o responsável por implantar o câmbio com acionamento por borboletas no volante, uma solução que logo se tornaria onipresente na categoria.
Barnard, acima de tudo, profissionalizou o processo de desenvolvimento ao separar o núcleo técnico da linha de produção, criando centros de projeto independentes e voltados exclusivamente à engenharia. Enxergava o desempenho como resultado direto da rigidez estrutural e do controle aerodinâmico — uma abordagem que passou a dominar o pensamento técnico da Fórmula 1 a partir dos anos 1990. Sua passagem pela Ferrari, embora marcada por tensões, foi decisiva para reorganizar a equipe. Boa parte da estrutura que sustentaria os títulos da era Schumacher foi plantada durante suas gestões.
Como Mauro Forghieri e Gérard Ducarouge, Barnard possuía uma visão integrada do carro. Mas havia uma diferença: ele não era apenas um projetista brilhante, era também um gestor técnico rigoroso, com foco em padronização, disciplina e processos bem definidos. Sua personalidade reservada e seu perfeccionismo levaram a conflitos recorrentes em ambientes marcados por vaidades e disputas internas, mas sua influência é duradoura. Muito do que se entende hoje como um carro de Fórmula 1 — desde os materiais utilizados até a estrutura das equipes — remete diretamente às decisões e ideias que ele introduziu no esporte.