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Kombis alternativas: as rivais esquecidas da van da Volkswagen

A receita da Volkswagen Kombi era revolucionária em 1950, quando a perua foi lançada. Partindo do conjunto mecânico do Fusca, a VW o embrulhou com uma nova carroceria monobloco em formato de pão-de-forma que, mesmo com o curto entre-eixos de 2,40 do besouro, aproveitava suas dimensões de forma realmente impressionante. O motor ficava lá atrás, deixando espaço para que se colocasse mais carga acima do mesmo, e o motorista ficava em cima do eixo dianteiro.

A Kombi original viveu por décadas. Na Europa, pode ter sido substituída por novas gerações, com motor arrefecido a líquido (montado na dianteira a partir de 1990, com a chegada da quarta geração), mas continuou firme e forte aqui no Brasil. Isto porque, por mais que fosse considerada obsoleta havia muito tempo, a Kombi tinha um segredo simples: ela cumpria sua função, que era ser um veículo de carga robusto e barato, sem luxo ou conforto desnecessários.

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Isto sem falar em seu carisma, que já foi tema de alguns posts aqui no FlatOut. Se a Volkswagen tivesse dado um jeito de instalar airbags e freios ABS, obrigatórios em todo veículo produzido no Brasil a partir de 2014, ela provavelmente ainda estaria sendo produzida.

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Isto dito, a Kombi não foi a única van de caráter completamente utilitário feita com componentes de prateleira de sua época. Diversas fabricantes ofereceram suas opções – algumas delas, até mesmo antes da Kombi – ainda que nem todas elas tivessem motor traseiro arrefecido a ar, e que nem todas tenham atingido o mesmo status de lenda.

Vamos começar com uma van utilitária anterior à Kombi…

Citroën HY Van

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Dissemos que a Kombi foi revolucionária mas, três anos antes, em 1947 os franceses também fizeram algo bastante avançado para seu tempo, embora não parecesse. Você certamente já viu imagens da Citroën HY Van, que pode ser considerada a “Kombi da Citroën”. Tal como a perua da Volks, ela tinha carroceria monobloco e não trazia luxo algum. Mas ela tinha motor e tração na dianteira, tal qual o Citroën Tracton Avant de 1934. Aliás, ela usava o mesmo conjunto mecânco do Traction Avant, que na época era movido por um quatro-cilindros de dois litros e 57 cv, acoplado a uma caixa manual de três marchas – sendo que a primeira não era sincronizada.

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Do Citroën Traction Avant também vinha a suspensão independente nas quatro rodas, com barras de torção e braços sobrepostos na dianteira e feixes de molas semi-elípticas com barra Panhard na traseira. O motor ficava sobre o eixo dianteiro. A HY Van ficou famosa por sua boa dirigibilidade, comparável à do Citroën 2CV – aliás, usava os mesmos faróis que ele.

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Sua carroceria de aço corrugado não era exatamente elegante, mas a HY Van não foi feita para isto. E, de qualquer forma, seu visual não a impediu de permanecer à venda até 1981 sem maiores alterações. Além disso, se você olhar para uma H Van por tempo suficiente, vai até começar a achá-la charmosa…

 

Alfa Romeo Romeo

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Não, a gente não digitou errado: a van utilitária da Alfa Romeo se chamava Alfa Romeo Romeo. Quer dizer, quando foi apresentada no Salão de Turim, em 1954, era chamada de Alfa Romeo Autotutto (algo como “Alfa Romeo multiuso”) e era uma rival direta para a Kombi. Tanto que, olhando bem, parece mesmo uma Kombi com a grade típica dos Alfa Romeo.

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Contraditório, não? Mas era uma boa forma de dar lucro. De início, a Autotutto foi vendida como van de passageiros e furgão mas, a partir de 1957 – quando passou a se chamar Romeo de fato – também recebeu uma versão picape, de cabine simples ou dupla. Novamente, nada muito diferente da Kombi.

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Motor de cupê esportivo, no meio dos bancos dianteiros

A maior diferença em relação à adversária alemã estava no motor. Além de ficar na dianteira, o motor era um quatro-cilindros arrefecido a água. E mais: não era qualquer motor, e sim uma versão amansada, de 36 cv, do famoso Alfa Romeo Twin Cam. O mesmo que, anos depois, tornou-se uma lenda no cofre do Alfa Romeo Giulia coupé e deu origem a alguns dos carros de competição mais incríveis da década de 1970, como o Giulia GTA.

 

Renault Estafette

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O Renault Estafette começou a ser fabricado apenas em 1959, embora tenha sido idealizado em 1944 – o fim da Segunda Guerra Mundial e a crise econômica que acometeu a Europa toda após o término do conflito atrasou os planos da Renault. Além disso, a fabricante havia se comprometido a fabricar apenas carros de tração traseira no fim dos anos 1950, e o projeto da Estafette previa uma van com motor e tração na dianteira.

No fim das contas, a van foi lançada e, como outras desta lista, trazia uma semelhança inegavel com a Kombi, embora tivesse proporções mais verticalizadas. O motor era o mesmo do recém lançado Dauphine (mais conhecido por aqui como Renault Gordini), de 1,1 ou 1,3 litro, com comando no bloco e projeto que daria origem ao motor do Ford Corcel I, lançado no Brasil em 1968. Isto porque, quando a Ford comprou a Willys do Brasil, atrelado ao negócio vieram projetos da Renault, que licenciava modelos da frança para o Brasil.

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A Estafette era uma van competente, que prometia levar 600 kg de carga e cumpria com tranquilidade. Não foi à toa que foi vendida até 1980 na França. Uma curiosidade: com o lançamento da Estafette, a Renault tornou-se a única fabricante, na época, a produzir simultaneamente carros com os três layouts mecânicos mais utilizados pela indústria automotiva: motor dianteiro e tração traseira, motor traseiro e tração traseira e motor dianteiro com tração dianteira.

 

DKW  Schnellaster “Kombi”

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Mesmo que tenha sido introduzida um ano antes da Kombi, em 1949, podemos dizer que a van DKW Schnellaster estava um passo à frente do conceito da VW. Fora o visual mais sofisticado, com uma dianteira inclinada e mais aerodinâmica, ela tinha motor dianteiro transversal e tração dianteira, arrefecido a água – ainda que fosse um dois-tempos de dois cilindros, 0,7 litro e 22 cv, substituído por um três cilindros de 0,9 litro e 32 cv em 1955.

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O capô abria, os faróis ficavam

Com “tudo na frente”, a DKW pode dar à Schnellaster uma assoalho totalmente plano atrás da cabine, o que por sua vez permitiu que a área fosse configurável: era possível remover um ou mais bancos para privilegiar os passageiros ou a carga. Desse modo, costuma-se considerar a Schnellaster a precursora das vans modernas.

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O Schnellaster era estreito, e o banco do carona era dobrável

Além de ser chamada de “DKW-Kombi” em algumas peças publicitárias da época, há outro fato que aproxima a Schnellaster da van da Volkswagen: ela foi um dos primeiros produto da recém-formada Auto Union, conglomerado que juntava Audi, DKW, Horch e Wanderer sob o mesmo guarda-chuva corporativo – que, em 1964, seria adquirido pela Volkswagen e transformado na Audi que conhecemos hoje.

 

Ford Taunus Transit

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Você provavelmente conhece a Ford Transit, van apresentada pela Ford britânica em 1965 que, aqui nas páginas do FlatOut, ficou famosa por sua versão de competição com o conjunto mecânico do GT40. Antes disto, porém, existiu a Taunus Transit, rival da Ford para a Kombi na Alemanha.

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Lançada em 1953 e fabricada na cidade de Colônia (Köln, em alemão), no início a van foi batizada FK 1000 (pois era produzida pela Ford em Köln e era capaz de transportar até 1.000 kg de carga). Depois, passou a se chamar Taunus Transit, pois compartilhava o quatro-cilindros de 1,2 litro e 38 cv do sedã Taunus, fabricado pela Ford alemã desde 1939. O motor era dianteiro e a tração, traseira mas, por fora, a Taunus Transit bem parecia um clone da Kombi com o emblema do oval azul e uma grade para o radiador. Em 1955, o quatro-cilindros passou a deslocar 1,5 litro e a entregar 55 cv.

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O motor também ficava entre os bancos dianteiros

Embora tenha sido a primeira van da Ford a usar o nome Transit, a Taunus Transit não costuma ser incluída na cronologia do modelo pois não teve muitas unidades exportadas para fora da Alemanha e não é tão conhecida quanto as Transit que vieram depois.

 

Tempo Matador

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Sério candidata a veículo com o nome mais legal de todos os tempos, o Tempo Matador era um rival da Kombi que tinha muito em comum com ela, mas ao mesmo tempo era bem diferente. Sua fabricante, a Tempo (cujo nome completo era Vidal & Sohn Tempo-Werke GmbH), era uma pequena companhia da cidade de Hamburgo, fundada por Oscar Vidal em 1924. Depois de passar a década de 1940 produzindo veículos militares para a Segunda Guerra Mundial (algo que manteve diversas empresas alemãs vivas durante os anos de conflito) usando chassis de Land Rover, a Tempo começou a fabricar carros de três rodas, os Hanseat, em 1949.

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Naquele mesmo ano, porém, a Tempo apresentou seu veículo mais conhecido: o Matador. O carro usava um chassi proprietário, com um motor boxer arrefecido a ar de 1,1 litro e 25 cv fornecido pela Volkswagen. Este, porém, ficava atrás dos bancos dianteiros, e movia as rodas da frente por meio de uma transmissão ZF de quatro marchas. Com isto, a distribuição de peso era bastante equilibrada – sem carga, o Matador se mantinha nivelado mesmo que uma das rodas traseiras fosse removida, e podia até mesmo rodar sobre piso plano.

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Em configuração furgão, o Tempo Matador podia levar até 1.000 kg, mas também havia versões de passageiros, comercial e picape de cabine simples ou dupla.

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Talvez fumar um cigarro dentro do Tempo Matador não fosse uma boa ideia…

Só havia uma falha grave de design que, na época, pode ter passado despercebida: o tanque de combustível do Tempo Matador ficava na dianteira – não, aquela saliência que abriga dos faróis e parece um rosto não é o capô. Se você achava que a Kombi era perigosa em uma colisão frontal, imagine o Matador…

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Apesar disto, o Tempo Matador fez relativo sucesso na Alemanha como veículo de trabalho (talvez até por não existir uma rival da Volkswagen), com 1.362 unidades vendidas entre 1949 e 1952. Mas isto não durou muito tempo: com o lançamento da Kombi em 1950, não demorou para que a Volks percebesse que fornecer motores para um rival direto não era bom negócio.

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Por isto, a partir de 1952, o Tempo Matador passou a vir equipado com um motor de 1,4 litro oferecido pela alemã Heinkel, de quatro cilindros em linha e 34 cv. Também foi reestilizado: os faróis e os frisos horizontais da dianteira tiveram sua posição invertida.

Em 1955, Vidal vendeu metade da sua companhia para a também alemã Hanomag. Com dinheiro extra em caixa, a Tempo então promoveu uma nova reestilização no Matador, escondendo de vez o tanque de combustível e adotando uma grade na parte inferior da dianteira. Ironicamente, seu visual ficou bem parecido com o da Kombi.

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O Tempo Matador ainda sobreviveu por mais de duas décadas, mas não sem mudar de visual e de motor. Primeiro, em 1957, a van começou a sair da fábrica com um motor 1.5 de 48 cv fornecido pela britânica Austin. Em 1963, uma nova reestilização adotava faróis quadrados abrigados em uma grade horizontal. Também foi adotado um motor a gasolina mais forte, de 1,6 litro e 54 cv, que era complementado por um 1.8 a diesel de 50 cv fabricado pela própria Hanomag.

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Em 1969, a Hanomag foi comprada pela Mercedes-Benz, e uma das primeiras providências da nova dona foi mudar o nome do Tempo Matador para Mercedes L. Assim, foi produzido até 1978.