Se o Lancer Evolution IV foi o primeiro a estrear uma nova plataforma (a CN9A, substituindo a CE9A) em quatro anos de história, foi seu sucessor o responsável por levá-la a um novo patamar de desempenho. Como? Com o melhor Evolution fabricado até então — o Evo V, que também foi o carro que deu à Mitsubishi seu primeiro título de construtores no WRC — e ajudou o “finlandês voador” Tommi Mäkinen a conquistar seu terceiro título de pilotos consecutivo. É hora de conhecermos esta máquina em detalhes!
(Não deixe de conferir as partes anteriores: Evo I, Evo II, Evo III e Evo IV)
Apresentado no Salão de Tóquio de 1997, o Evo V mantinha a plataforma do antecessor (agora, renomeada com o código CP9A), embora não parecesse: a Mitsubishi deu a ele uma cara nova, com faróis mais angulares e um body kit agressivo, que o deixou mais largo e corpulento. Novos para-choques, spoiler dianteiro, saias laterais e traseira, para-lamas alargados — com uma moldura plástica nos traseiros — além de uma nova asa traseira, ajustável em quatro posições diferentes.
Foto: Mitubishi/Divulgação
Sendo assim, as dimensões mudaram um pouco — altura e entre-eixos permaneceram os mesmos (1,395 e 2,5 metros, respectivamente), mas o carro ficou um pouco mais longo e largo, com 4,35 m de comprimento e 1,77 de largura. As bitolas também ficaram mais largas — 1,51 m na dianteira e 1,57 m na traseira, um crescimento mais que respeitável de 40 e 35 mm, respectivamente. Esta modificação resultou numa menor transferência lateral de peso nas curvas, aproveitando melhor os pneus, além de uma postura muito mais ameaçadora — stance, se preferir. Apesar disso, o coeficiente de arrasto aerodinâmico (Cx) baixou, para apenas 0,31.
Foto: Paul T/Flickr
O novo capô de alumínio (material também usado nos para-lamas dianteiros) teve o desenho retrabalhado para melhor dissipar o calor do motor — este, uma evolução técnica do 4G63 encontrado no cofre do Evo IV. O deslocamento de 1.997 cm³ permanecia, bem como a taxa de compressão de 8,8:1. Contudo, novos pistões mais leves e um novo turbocompressor twin scroll (sistema de duplo fluxo: o duto de gases do escape, que faz o rotor girar, é dividido em dois pares para “encher” mais rapidamente, reduzindo o lag) com intercooler foram adotados. A potência real estava consideravelmente acima dos 300 cv, mas a declarada continuava em 280 cv a 6.500 rpm — como dissemos nos posts anteriores, por causa do acordo de cavalheiros entre as fabricantes japonesas. O torque subiu sensivelmente, de 36 mkgf para 37,8 mkgf a 3.000 rpm.
Enquanto o motor ficou mais potente, a transmissão permaneceu praticamente idêntica à do Evo IV, incluindo o escalonamento das marchas e a opção de duas relações finais para a versão básica RS, uma mais curta e uma mais longa (para relembrar, 4,875:1 e 4,529:1, na ordem). Para lidar com o aumento de potência, assegurar a longevidade do conjunto e deixá-lo mais preciso nas trocas, o câmbio recebeu anéis sincronizadores mais reforçados, enquanto a alavanca ganhou um pomo menor, revestido em couro com costuras vermelhas. Mais importante, o sistema de controle ativo de guinada (Active Yaw Control ou só AYC) seguiu intocado, mas o diferencial dianteiro ganhou sistema de deslizamento limitado, aumentando ainda mais a capacidade de tracionamento.
Já explicamos na parte anterior do Rest in Power, mas não custa relembrar: o AYC cruzava os dados coletados por acelerômetros e sensores nas rodas e sistemas de direção com o comportamento do carro nas curvas e usava o resultado para ajudar a central eletrônica a mapear a distribuição do torque entre as rodas, melhorando a estabilidade e tornando a dinâmica mais neutra.
Richard Burns, um dos pilotos da equipe da Mitsubishi no WRC, demonstrando o Active Yaw Control da forma mais divertida
Como de costume, também foram realizados novos acertos na suspensão, que na dianteira ganhou amortecedores de maior curso e bandejas inferiores mais compridas (isso deixa a geometria de suspensão mais estável com a rolagem de carroceria), feitas de alumínio forjado. A carga dos amortecedores foi redimensionada, deixando a rodagem bem mais dura que o da geração anterior. Na traseira, o arranjo four-link teve a geometria retrabalhada para baixar ainda mais o centro de rolagem e, assim, tornar o carro mais estável e afiado nas curvas — para o que também contribuiu um reposicionamento da cremalheira e novos terminais de direção.
Aqui, um detalhe interessante que mostra até que ponto os engenheiros chegavam para reduzir o peso: o sistema de direção hidráulica recebeu uma nova bomba, mais potente, que permitiu que o radiador do fluido fosse eliminado, economizando quase 1 kg.
Falando em redução de peso, a quinta geração do Evo novamente vinha em duas versões: GSR, a mais completa; e RS, mais leve e depenada, voltada para quem modificava e corria nas pistas. As diferenças entre ambas estavam cada vez maiores, algo evidente quando se compara o conjunto de rodas, pneus e freios.
Evo V: uma belíssima tela em branco, literalmente. (Foto: Mitsubishi/Divulgação)
O GSR tinha agora com rodas OZ de 17×7,5 polegadas, calçadas com pneus de medidas 225/45, e com elas vinha o sistema de freios da Brembo, novidade no Evo. Na dianteira, os discos tinham 320 mm de diâmetro e vinham com pinças de quatro pistões (antes eram dois), enquanto na traseira os discos tinham 300 mm e pinças de dois pistões (os modelos anteriores tinham pinças de apenas um pistão). ABS era de série.
Já o Evo RS continuava com rodas de aço estampado de 15 polegadas e, por isso, usava o sistema de freios antigo — o que não era exatamente o problema, visto que eram bastante eficientes e, caso não fossem o bastante, certamente seriam trocados por seus donos — afinal, quem comprava um Lancer Evolution RS já o fazia pensando nas modificações…
Foto: Deyan Yordanov/Flickr
Obviamente estas não eram as únicas diferenças entre as duas versões. Enquanto o GSR tinha bancos concha, airbag duplo e um cuidado extra com o isolamento acústico — por causa dos vidros mais finos, adotados para manter o peso baixo —; o RS continuava com os bancos Recaro e volante Momo sem airbag. Por outro lado, isto denotava seu caráter mais extremo — era possível até mesmo encomendar o carro com painéis da carroceria feitos de chapas mais finas, tudo em nome da redução de peso.
Foto: Mitsubishi/Divulgação
Por outro lado, continuava sendo possível equipar o Evo V RS com pacotes de opcionais que ofereciam os freios do GSR, o sistema de controle de guinada e o diferencial dianteiro de deslizamento limitado — além de uma barra de amarração estrutural para aumentar a rigidez à torção do monobloco e deixar a geometria de suspensão mais estável em condições extremas de carga.
Foto: Mitsubishi/Divulgação
Existiam, ainda, os opcionais instalados nas concessionárias — que receberam o carro em janeiro de 1998 — alguns interessantes, como os mudflaps (os famosos “para-barros”) Ralliart, manômetro de pressão do turbo, sistema de navegação, escapamento esportivo e até mesmo um acerto mais rígido no sistema de suspensão.
Entre GSR e RS, foram fabricados 6.000 exemplares do Lancer Evolution V, dos quais 777 foram exportados para o mundo todo — incluindo nesta lista o Brasil que, segundo as informações oficiais da Mitsubishi, recebeu 10 exemplares, todos da versão RS. Será que alguém aí tem notícia de um destes carros?
Com sete vezes mais carros vendidos em outros países (o Evo IV só teve 107 unidades exportadas), o Evo começou a conquistar fama rapidamente nos meios de comunicação especializados. A extinta revista japonesa Car Graphic elogiou bastante o comportamento do carro, e destacou a carroceria mais rígida e a direção mais rápida e precisa (as modificações deram resultado). Segundo a publicação, o Evo V se tornou “mais fácil de guiar, mais equilibrado e muito mais divertido na hora de dar powerslides.”
Além disso, o carro acelerava até os 100 km/h em 5,3 segundos e completava o quarto de milha (402 metros) em apenas 13,2 segundos — números conseguidos com o Evo V RS equipado com a relação final mais curta. No Reino Unido, a revista Autocar chamou o Evo V de “um dos carros mais incríveis que já dirigimos”.
Foto: Allshots Imaging/Flickr
O Evo V nos animes
O Evo já tinha acumulado uma bela reputação entre os entusiastas e fãs de rali, e o fato de terem sido exportadas sete vezes mais unidades do que as do Evo IV no ano anterior era um reflexo disto — e não era o único. Se você gosta de carros japoneses como o Evo, temos certeza de que conhece as duas mais famosas séries de anime e mangá feitas por gearheads para gearheads: Wangan Midnight e Initial D.
Em ambas as séries, que são adaptadas dos mangás, o tema são as corridas ilegais nas estradas japonesas — em Wangan Midnight a ação acontece quase sempre na lendária Juto Expressway, em Tóquio — conhecida como a estrada mais longa e reta do país. Lá, um grupo de corredores ilegais era liderado por Akio Asakura e seu Fairlady “Devil Z”. Entre os vários rivais que eles enfrentam estão os irmãos Eiji e Maki Kamiya.
O primeiro é um piloto e preparador experiente e talentoso, que corre com um Evo V GSR azul com rodas Volk TE37 e motor de 2,2 litros e 450 cv, enquanto o segundo — seu meio-irmão — pilota um Evo VI RS branco com preparação semelhante. Em um dos episódios do anime, a dupla disputa contra um Nissan Skyline GT-R R34 e, bem…
Initial D, certamente o mais conhecido, conta a história de Takumi Fujiwara que, entre uma entrega de tofu e outra, encontra tempo para disputar rachas nas montanhas com seu Sprinter Trueno. Entre seus adversários recorrentes está a dupla Tsuchisaka Lan Evo Team que, como o nome diz, é uma equipe de dois Lancer Evolution — novamente, um V e um VI. O primeiro, de Aikawa, é um GSR com rodas Volk TE37 douradas e preparação leve (turbo aftermarket), enquanto o Evo VI de Ichijo é um Tommi Mäkinen Edition (série especial que homenageava o terceiro título consecutivo do piloto no WRC em 1999). No Stage 2, o piloto do Evo V, Aikawa, encara o personagem Keisuke Takahashi e seu Mazda RX-7.
A consagração no WRC
Tommi Mäkinen, 1998. (Foto: Mitubishi/Divulgação)
Todo o clamor pelo carro de rua aumentou bastante as expectativas pelo desempenho do Evo V nos estágios de rali. Como de costume, a temporada de 1998 do WRC começou com o modelo anterior enquanto os testes com o novo carro eram realizados. Sendo assim, as quatro primeiras etapas (Monte Carlo, Suécia, África do Sul e Portugal) foram disputadas com o Evo IV, que venceu na Suécia e na África do Sul, encerrando sua carreira em grande estilo — e deixando seu sucessor com uma baita responsabilidade nas rodas.
Felizmente o Evo V estava mais do que capacitado — na verdade, foi com o Evo V que a Mitsubishi conquistou seu título no WRC, com dois pilotos principais: Tommi Mäkinen e o britânico Richard Burns — que, no ano anterior era piloto da maior rival da Mitsubishi, a Subaru de Colin McRae.
Tommi Mäkinen, 1998. (Foto: Mitubishi/Divulgação)
A estreia do novo na competição veio na quinta etapa, o Rali da Espanha, com Mäkinen chegando em terceiro lugar — um belo resultado, considerando que o piloto mal teve contato com o carro antes da prova. Se, na etapa seguinte, o rali Tour de Corse, na França, nenhum dos Evo V terminou a prova, no Rali da Argentina o finlandês venceu depois de um duelo eletrizante com Colin McRae, da Subaru.
Mäkinen decola no Rali da Argentina. (Foto: Mitsubishi/Divulgação)
Problemas mecânicos no Rali de Acropolis, na Grécia, impediram Mäkinen e Burns de terminar a prova, enquanto que na Nova Zelândia o melhor resultado foi o de Mäkinen, que chegou em terceiro.
Na etapa seguinte, porém, o finlandês venceu em casa — e não largou mais o primeiro lugar no pódio, com destaque para o Rali de San Remo, no qual o carro de Mäkinen recebeu um sistema ativo eletromagnético no diferencial traseiro (já usado nos diferenciais central e dianteiro), que melhorou consideravelmente as reações do sistema de tração integral às condições do piso, garantindo preciosos segundos a menos em cada estágio.
Durante toda a temporada Richard Burns mostrou-se um grande piloto e um excelente escudeiro para Tommi Mäkinen, chegando frequentemente em segundo e terceiro lugares. Isto fez diferença na pontuação final, especialmente no campeonato de construtores.
Na última etapa, o Rali RAC no Reino Unido, Mäkinen não venceu — ele nem chegou a terminar a prova, pois sofreu um acidente logo no início e perdeu uma roda. Àquela altura o campeonato estava disputadíssimo, e só não foi para as mãos de Carlos Sainz, da Toyota, porque ele também teve que abandonar a etapa quando o motor de seu Celica explodiu. Com as vitórias acumuladas de Mäkinen e Burns, a Mitsubishi Ralliart garantiu seu primeiro título de construtores no WRC, enquanto o finlandês voador levava sua terceira taça mundial para casa — dois pontos à frente de Sainz e 58 pontos à frente do terceiro colocado, Colin McRae. Era o ano do Evo, que definitivamente havia cumprido sua missão: era o melhor de sua espécie nas ruas e campeão do mundo no rali.
[ Agradecimentos: Eric Darwich – consultor Mitsubishi Motors Brasil ]
Ficha Técnica — Lancer Evolution V
Motor: quatro cilindros em linha, transversal, 1.997 cm³, turbo, 16V, cabeçote com duplo comando de válvulas, injeção eletrônica, gasolina
Potência: 280 cv a 6500 rpm
Torque: 37,8mkgf a 3.000 rpm
Transmissão: manual, cinco marchas, tração integral
Suspensão: Dianteira do McPherson e traseira do tipo multilink
Freios: Brembo, discos de 320 mm na frente e de 30 mm atrás
Pneus: 225/45 R17 (GSR) ou 205/60 R15 nas quatro rodas (RS)
Dimensões: 4,35 m de comprimento, 1,77 de largura, 1,395 de altura e 2,5 de entre-eixos
Peso: 1.360 kg (GSR) / 1.260 kg (RS)