Como você deve saber, nossa série “Lendas do WRC” começou como uma merecida homenagem aos carros que escreveram seu nome na história ao faturar o título de construtores do Mundial de Rali. Acontece que nem só de títulos e campeonatos são feitas as lendas. Veja por exemplo o Escort RS Cosworth: ele não faturou um título de construtores do WRC, mas é inegável sua importância um dos maiores ícones dos anos 1990.
Pensando nessas lendas “injustiçadas”, decidimos estender a série para relembrar os modelos lendários que não chegaram ao topo, mas tiveram um papel tão importante quanto o dos campeões. Afinal, todo grande ícone tem um grande rival. No capítulo de hoje vamos conhecer a história do Renault 5 Turbo, o primeiro foguete de bolso francês a rodar pelos estágios do WRC.
Durante toda a década de 1960 e o começo dos anos 1970 o Alpine A110 se mostrou um grande vencedor de ralis. Quando a FIA transformou o IRC no WRC em 1973, a Renault (que já era proprietária da marca) inscreveu o modelo e com ele faturou o título daquele primeiro Mundial de Rali.
Mas no ano seguinte, a Lancia apareceu com um protótipo disfarçado de modelo de produção chamado Stratos e acabou com a festa dos franceses. A Alpine até tentou reagir aumentando a cilindrada do A110, mas para superar o desempenho matador do Stratos seria preciso copiar sua receita de motor central traseiro e um chassi feito especialmente para os ralis.
Sim, naquela época, a metade dos anos 1970, o Renault 5 já tinha uma versão esportiva de rua — o R5 Alpine, que usava um motor 1.4 de 93 cv na dianteira, uma combinação que já havia se mostrado ineficaz para combater o Lancia Stratos e o Fiat 131 Abarth. Por isso, o vice-presidente de produção da Renault, Jean Terramorsi, pediu ao designer Marc Deschamps da Bertone que projetasse uma versão ainda mais esportiva do Renault 5 Alpine, que usaria um motor V6 central traseiro. O pedido foi atendido, mantendo a dianteira do Renault 5 comum, porém com uma nova traseira redesenhada para permitir a instalação — e respiração — de um motor à frente do eixo posterior. Essa tarefa ficou a cargo de ninguém menos que Marcello Gandini, que já havia desenhado o Lamborghini Miura e o Countach.
Na hora de transformar o projeto em realidade, a Renault percebeu que não haveria dinheiro suficiente para instalar o V6 na traseira do carro, e por isso optou por usar o motor Cléon 1.4 sobrealimentado por um turbocompressor Garret T3 que operava com 0,9 bar de pressão. A potência era 160 cv na versão de rua, mas chegava perto dos 300 cv na versão de rali. O modelo foi apresentado como conceito no Salão de Paris de 1978 — ironicamente o mesmo ano em que o Stratos deixou de ser produzido — e só chegou ao WRC em 1981.
Como não era exatamente uma versão do carro de rua, e sim um protótipo com a mesma cara e o mesmo nome, a Renault precisou construir 400 unidades do 5 Turbo para homologar o carro de rali no Grupo 4. Como seu antecessor no WRC, eles eram fabricados pela Alpine.
A corrida de estreia do R5 Turbo foi o Rally Monte Carlo de 1981, onde o piloto Jean Ragnotti faturou a primeira vitória do modelo. O resultado positivo, contudo, não se repetiria naquela temporada — que foi vencida pelos rivais da Talbot.
Em 1982 o Renault 5 enfrentou um novo problema: o Audi Quattro, que estreou a tração integral e tornou obsoleto praticamente todos os carros de rali da temporada. A equipe Renault Elf venceu somente o Tour de Corse, novamente com Jean Ragnotti ao volante, e continuou a temporada sem nenhum resultado expressivo.
Na temporada seguinte, 1983, o carro estava ainda melhor, mas novamente o problema estava na concorrência: além do Audi Quattro evoluído, a Lancia preparou um carro campeão, o 037, mais potente e pilotado por Hannu Mikkola (“If you want to win, employ a Finn”, não é o que dizem?).
Em 1984, o primeiro ano do Grupo B, a Renault continou apostando no 5 Turbo, mas ele não teve chance alguma contra rivais muito mais potentes — com motores de até 500 cv — e tracionando as quatro rodas. Por isso, em 1985 veio o Renault 5 Maxi Turbo, com motor 1.6 e 350 cv. Entre os protótipos insanos do Grupo B, o Renault 5 Maxi Turbo conseguiu uma única vitória, no mesmo Tour de Corse que vencera em 1983.
O Renault 5 Turbo só voltaria a vencer no ano seguinte, pela última vez, no Rally Portugal Vinho do Porto, com um piloto da casa, o português Joaquim Moutinho. Em 1987, com o fim do Grupo B, a Renault aposentou o 5 Turbo e passou a competir apenas com o 11 Turbo do Grupo A por mais dois anos antes de abandonar o WRC.
Apesar de ter triunfado somente quatro vezes, o Renault 5 Turbo poderia ter escrito uma história diferente no WRC se tivesse entrado no Mundial já em 1978 ou 1979. Ele foi, sem dúvida, o carro certo no momento errado. Tarde demais.