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Pensatas

Limite de velocidade será reduzido para 40 km/h em mais de dez avenidas do centro de São Paulo

Dias depois de anunciar a redução de velocidade nas faixas expressas e locais das marginais Tietê e Pinheiros, a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo anunciou novas reduções de velocidade em outras dez avenidas da cidade a partir de segunda-feira (15).

As ruas incluídas na chamada “Área 40”, em referência à velocidade máxima das vias, são a Rua da Consolação e as avenidas Cásper Líbero, Rio Branco, São João, Ipiranga, Nove de Julho, Brigadeiro Luís Antônio e Liberdade. Todas estas ruas terão limites de velocidade reduzidos para 40 km/h. A intenção, segundo a CET é “melhorar a segurança dos usuários mais vulneráveis do sistema viário — pedestres e ciclistas — buscando a convivência pacífica e a redução de acidentes e atropelamentos na área”. Em resumo: a velha promessa de reduzir mortes e acidentes que nunca se concretiza, apesar das reduções de velocidades e dos recordes de arrecadação com multas. Será que é a velocidade o verdadeiro problema?

Dizem que a estatística é a arte de torturar os dados até que eles digam a verdade, então vamos usá-los com uma lógica um pouco diferente daquela usada pra justificar reduções de limites de velocidade.

Sabe-se que os acidentes em São Paulo aumentaram em 2014 após uma queda em 2013. Quanto? A CET ainda não divulgou dados, mas sabe-se que os atropelamentos de pedestres por ônibus aumentaram, assim como os acidentes durante a madrugada devido ao consumo de bebidas alcoólicas. A primeira estatística foi divulgada em setembro pela própria CET: os ônibus foram responsáveis por 20% dos 500 atropelamentos fatais na capital. A via onde mais aconteceram atropelamentos por ônibus foi justamente a Avenida Brigadeiro Luís Antônio, que terá o limite de velocidade reduzido para 40 km/h. Mas por que tanta gente é atropelada por lá? Simples: embora tenha trechos com até três faixas de rolamento com mão única, há um corredor de ônibus no sentido contrário. Quando fluxo de carros pára por qualquer motivo — incluindo o semáforo vermelho —, os pedestres atravessam a pista. Como os ônibus têm o corredor exclusivo, eles quase nunca param por lentidão no fluxo. É aí que acontecem os atropelamentos.

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“Esquina da morte”: av. Brigadeiro L. Antônio com av. Paulista. A faixa da esquerda é exclusiva para ônibus e no sentido contrário ao trânsito

Diante disso, surge uma pergunta: hoje os ônibus podem circular a 50 km/h na Avenida Brigadeiro Luís Antônio graças aos corredores. A CET irá reduzir os limites também nos corredores ou apenas nas faixas comuns? Se o limite for reduzido nos corredores, a velocidade média das linhas irá fatalmente diminuir, afetando a qualidade do serviço e a própria razão dos corredores. Se mantiver o limite de 50 km/h apenas para os ônibus, a CET não estará atacando o problema que se propôs a combater.

O outro motivo que contribuiu para o aumento de mortes — os acidentes causados por motoristas bêbados de madrugada — foi citado pelo próprio secretário municipal de transportes, Jilmar Tatto, na ocasião do anúncio da redução dos limites nas marginais de São Paulo. Segundo Tatto, não há fiscalização suficiente da Polícia Militar, responsável pelas “blitze” da Lei Seca. Mas reduzir o limite para impedir motoristas bêbados é como proibir o uso de capacete em lojas de conveniência para coibir assaltos. Não faz sentido algum contra pessoas mal intencionadas —  especialmente se a via já tem radares de fiscalização de velocidade, como é o caso da marginal Tietê, onde está o aparelho recordista desse tipo de multas na capital. Então, segundo a lógica da CET, para coibir bêbados de acelerar durante a madrugada, a velocidade será reduzida e todos os motoristas sóbrios ou abstêmios que precisam cruzar as importantes vias durante o dia ou o início da noite, terão que remarcar suas agendas devido à redução da velocidade média. Novamente, tudo em nome de uma redução de acidentes que não chega nunca.

Há ainda a possibilidade de que o aumento do número de acidentes tenha afetado também os ciclistas. Em 2013 foram 35 acidentes fatais vitimando ciclistas, o menor número nos últimos oito anos ainda com o número recorde de usuários regulares de bike: 174.000. Isso significa que a cada 5.000 pessoas que saíram de bike em 2013, uma não voltou viva. Parece muito, não? Mas saiba que, estatisticamente, é mais fácil morrer assassinado no Brasil do que atropelado sobre uma bike em São Paulo (faça as contas: são 50.000 homicídios em um universo de 200 milhões de pessoas, em cada 4.000 pessoas uma é assassinada). Em 2014 o número de usuários regulares já chegou a impressionantes 261.000 ciclistas, um aumento de 50%.

Podemos presumir alguma probabilidade no aumento de acidentes, uma vez que são quase 100.000 pessoas a mais usando bikes nas ruas, e por isso é natural que ocorra um aumento na probabilidade de acidentes. Além disso, ciclistas não recebem preparação formal para o trânsito e, infelizmente, não há estatísticas de acidentes fatais causados por imprudência do ciclista. Pode parecer sadismo ou crueldade, mas tal estatística ajudaria a identificar se há ou não a necessidade de instrução formal para os ciclistas — ainda que seja incluído no currículo escolar, por exemplo, como já acontece em algumas escolas brasileiras.

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Mas voltemos por um instante à questão dos ônibus: se 20% dos atropelamentos são causados por ônibus, e os ciclistas correspondem a cerca de 8% dos atropelamentos fatais em São Paulo, podemos assumir com segurança os ônibus são um perigo real para os ciclistas. Especialmente se você relembrar os casos mais notórios de atropelamentos fatais de ciclistas em São Paulo. Aqui é importante notar que cada um tem uma faixa exclusiva, na qual é possível “andar despreocupadamente”  — os ônibus sem trânsito, os ciclistas sem veículos maiores perto demais. Chegamos a um conflito de interesses aqui: reduzir a velocidade dos ônibus para proteger ciclistas ou priorizar a velocidade média dos coletivos e manter o risco para ciclistas?

Além disso, se a intenção é reduzir acidentes, por que os gastos são tão baixos com campanhas de conscientização de motoristas, motociclistas e ciclistas — tão baixos que sequer são divulgados? Por que há tantos agentes multando e nenhum orientando? Por que o nosso asfalto é de qualidade tão baixa, ao ponto de se tornar um grande causador de acidentes de motos e bikes, seja por quedas ou por acidentes com carros e ônibus desviando de buracos? E por último, por que essa redução desenfreada de limites de velocidade vem logo após a compra de mais de 800 aparelhos de fiscalização? É fácil fazer pesar no bolso do contribuinte, mas a contraparte nunca aparece. As estatísticas estão aí para provar. Nem precisamos torturar os números.

[ Fotos: Google Street View (av. Brigadeiro Luís Antônio), Rene Fernandes/VádeBike.com (bike sob a roda) ]